“De uma coisa estamos certos, sem o envolvimento de atores locais amazônicos, onde habita 20% da biodiversidade do planeta, iremos a lugar algum […] Que tal uma conferência amazônica com mapeamento de prioridades, oportunidades, métricas, metas e avaliação dos resultados, ouvindo quem entende do riscado?”
Alfredo Lopes
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Nesta terça-feira, 23 de fevereiro, celebração de Gilberto Mestrinho, um de nossos governantes mais entusiasmados com a Bioeconomia da Amazônia, o governo instituiu, no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a Iniciativa Brasil-Biotec e criou o Comitê Gestor responsável pela sua supervisão e implementação de seus objetivos. Aplausos poderiam ser ouvidos da eternidade pelos espíritos mais atentos aos destinos da floresta. Esta foi a mesma promessa de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro quando aqui vieram em agosto de 2019, anunciando a Bioeconomia como o novo formato de compatibilizar desenvolvimento e meio ambiente, a equação imperativa de qualquer empreendimento que se proponha a gerar riqueza na Amazônia. Subjacente a isso, depois publicamente explicitado, estava o propósito de esvaziar o programa Zona Franca de Manaus. Não é por aí…
Sugere autoritarismo
Por enquanto, ainda no campo das promessas, o governo repete a mesma liturgia do tele-governança teológica utilizada na instalação do Conselho da Amazônia em meio à fogueira diplomática que incendiou o debate global sobre a Amazônia em 2020. Esse verticalismo, mais um propósito amazônico sem pimenta murupi e farinha do Uarini, precisa ser evitado. Sugere autoritarismo. Não há entre nós, humanos, o registro de entes iluminados, dotados de atributos pertencentes, exclusivamente, ao Todo-Poderoso, a onisciência, onipotência e onipresença. A empreitada do Brasil-Biotec é, em princípio, magnífica, precisa ser aplaudida, abraçada e aquinhoada com os recursos financeiros e humanos disponíveis na socioeconomia local. Por exemplo, os R$ 9 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, um recurso que é composto pelas contribuições das empresas que atuam no segmento científico, tecnológico e de inovação. Só falta consultar e envolver a tribo.
Imunização e frustração
A tele-governança é essencialmente um arranjo desarticulado, não apenas entre os entes federados. Entre a União, os Estados e os Municípios, o Brasil segue desperdiçando recursos, superpondo ações e gastos, o que provoca o efeito perdulário de iniciativas deixadas pelo meio do caminho. Vejam o episódio das vacinas onde a Anvisa aprova o uso de um imunizante que, mesmo oferecido ao governo em agosto último, adormece nos escaninhos da ideologia, frustrando a população. Por mais acertada que seja a iniciativa, é necessário que sejam imediatamente envolvidos, além dos gabinetes refrigerados, as pessoas e entidades que estão com a mão na massa. Que entendam do riscado.
Bioeconomia e Agronegócio
Por que a Embrapa ficou de fora, a instituição que inseriu a Bioeconomia em suas prioridades, ao lado do Agronegócio, no Plano Diretor dos próximos 10 anos, e é o maior orgulho institucional do Brasil? Nesta semana, depois de mobilização da tribo para protestar contra mais uma das “distrações federais”, recorremos especialmente à ala parlamentar e às entidades de classe, alertando para o desemprego e estragos empresariais da resolução CAMEX. A respeito, ministro da Economia disse que não sabia que a redução drástica das tarifas de importação de bikes iria prejudicar fortemente o segmento em Manaus. Acreditamos que sim. Tele-governança faz dessas coisas. E debitamos mais esse equívoco ao pouco caso com bandeiras do próprio governo, entre elas menos Brasília e mais Brasil.
Conferência da mobilização
De uma coisa estamos certos, sem o envolvimento de atores locais amazônicos, onde habita 20% da biodiversidade do planeta, iremos a lugar algum, repetindo erros recentes como a indefinição do modelo de gestão do CBA, Centro de Biotecnologia da Amazônia, sonho de consumo de vários ministérios cujas vaidades têm subutilizado as potencialidades de geração de empregos e oportunidades de desenvolvimento regional, sob gestão profissional e qualificada dos que aqui vivem. Que tal uma conferência amazônica com mapeamento de prioridades, oportunidades, métricas, metas e avaliação dos resultados, ouvindo quem entende do riscado? É doloroso retomar o exemplo da bioeconomia da borracha, aproveitada pelos ingleses e debochada pela União Federal. Perdemos o bonde da História, como perderemos mais uma vez tentando desindustrializar o que deu certo na Amazônia, em termos de redução das desigualdades regionais, para priorizar uma única atividade bovina que põe em risco o bioma salutar da Amazônia e, por tabela, o país e a Terra.
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