Um grupo de biólogos brasileiros, em parceria com colegas europeus e do Chile, estudou a relação ainda pouco conhecida entre a longevidade e a taxa de crescimento das árvores e o comportamento do clima em florestas espalhadas pelo planeta. O trabalho analisou dados de 3.343 populações de árvores de 438 espécies, das quais 284 de áreas tropicais e 154 de zonas temperadas, que formam anéis de crescimento, um indicador a partir do qual se consegue estimar sua idade. Os resultados indicam que, em média, as árvores de regiões quentes crescem duas vezes mais rápido do que as de biomas temperados ou boreais. Mas a vida nos trópicos, pelo menos para as espécies avaliadas, costuma ser bem mais curta. Enquanto as árvores tropicais estudadas duram, em média, 186 anos, os exemplares de regiões de latitude maior vivem, também em média, 322 anos.
Em termos geográficos, os dados analisados, que foram compilados em mais de 200 estudos feitos previamente, englobam, no caso dos trópicos, espécies de áreas como a Amazônia e as florestas africanas e asiáticas. As regiões temperadas dos dois hemisférios incluem a América do Norte, a Europa, a Ásia, a Argentina e o Chile, além de áreas da Nova Zelândia e da Austrália, como a Tasmânia. “O trabalho desmitifica um pouco a história de que haveria muitas árvores milenares nos trópicos”, comenta o botânico Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da Universidade de são Paulo (IB-USP), coordenador do estudo, publicado em 14 de dezembro na revista científica PNAS. Isso não significa que elas não existam, mas aparentemente estão presentes de forma menos frequente do que se imaginava.
Segundo o artigo, a espécie mais longeva das áreas tropicais é o baobá (Adansonia digitata), a única conhecida de clima quente que é capaz de passar dos mil anos. “Essas árvores das savanas africanas têm um tronco suculento que armazena muita água. Com essa estrutura, podem crescer rápido e, ao mesmo tempo, atingir idades muito elevadas”, comenta Giuliano Locosselli, que fez pós-doutorado na USP sob orientação de Buckeridge e agora está no Instituto de Botânica de São Paulo, especialista em análise de dados obtidos a partir dos anéis de crescimento de árvores e primeiro autor do trabalho. “A água armazenada permite que elas atinjam dimensões gigantescas sem sofrer estresse hídrico. O maior baobá conhecido tem pouco mais de 9 metros de diâmetro.”
Depois do baobá, as árvores mais longevas nos trópicos vivem no máximo cerca de meio milênio. Encontrada na América Central, a Hymenolobium mesoamericanum pode durar 560 anos, de acordo com o estudo. Originária da Ásia, mas plantada no Brasil, a teca (Tectona grandis) oferece madeira dura de qualidade e atinge uma longevidade de até 523 anos. Típica dos biomas brasileiros, mas presente em boa parte da América Latina, o guanandi ou cabreúva (Calophyllum brasiliense) vive em média 490 anos.
Os dados compilados para as florestas mais frias e secas da Terra revelam espécies com idades bem mais avançadas. Nas regiões extratropicais, as árvores mais velhas, em média, ultrapassam com folga um milênio de idade. Entre as populações de árvores analisadas no estudo, o pódio das mais longevas foi formado por um trio de pinheiros da América do Norte: Pinus resinosa (2.006 anos), Pinus longaeva (1.965 anos) e Taxodium distichum (1.621 anos). A primeira espécie pode atingir até 50 metros de altura.
Sinal de alerta
O trabalho também analisou como a idade e a taxa de crescimento das espécies arbóreas de planícies tropicais são influenciadas por mudanças na temperatura e na disponibilidade de água. Sob essa perspectiva, a principal conclusão é preocupante, sobretudo no cenário atual de aumento do efeito estufa que torna o planeta progressivamente mais quente. “A longevidade das árvores tropicais diminui significativamente sob condições mais secas e quentes nos trópicos, provavelmente afetando a dinâmica da floresta e seu papel de retirar carbono da atmosfera e estocá-lo como biomassa. Esse tipo de alteração pode mexer com todas as cadeias alimentares desses ecossistemas e também das áreas temperadas”, diz Buckeridge. “Estamos em alerta vermelho, porque nosso trabalho indica que a mortalidade das árvores mais velhas aumenta quando a temperatura média anual em seu ambiente ultrapassa os 25,4 oC.”
Para essa parte do trabalho, os pesquisadores usaram o modelo climático elaborado pelo instituto britânico Hadley Centre, um dos empregados nas análises feitas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com esse modelo, o limiar de 25,4 oC em áreas tropicais deve ser atingido entre 2030 e 2050. Vários estudos já sinalizaram que a maior concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, principal gás do efeito estufa, poderia atuar como uma espécie de fertilizante para muitas espécies vegetais. Nesse tipo de ambiente, as plantas cresceriam mais rapidamente e acumulariam mais biomassa, algo, em tese, bom para o clima. Dessa forma, os vegetais retirariam uma parte do excesso de carbono da atmosfera e ajudariam a combater o aquecimento global. O problema, segundo o novo estudo, é que as árvores cresceriam mais, mas morreriam mais cedo em razão das temperaturas elevadas.
Nas planícies tropicais quentes, por exemplo, onde as espécies arbóreas de folhas largas dominam a vegetação, os resultados do trabalho publicado na PNAS mostram diminuições consistentes na longevidade das árvores em locais secos e quando o limite de temperatura média anual ultrapassa 25,4 oC. “Esse processo pode explicar os aumentos observados atualmente na mortalidade de árvores em florestas tropicais, como a Amazônia, e os registros das mudanças na composição das florestas na África Ocidental”, comenta Locosselli. Em climas futuros mais secos e especialmente quentes, os resultados do artigo sugerem que as árvores com menor longevidade tendem a ganhar terreno nos trópicos. “Pode haver mudanças na composição das espécies das florestas tropicais, mas não uma morte generalizada”, opina o pesquisador do Instituto de Botânica.
Apesar de classificar os resultados do novo estudo como muito interessantes, o ecólogo David Lapola, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pondera que mais observações de campo são necessárias para ter uma noção mais clara do que pode vir a ocorrer com as florestas em razão do aquecimento global. “Existem várias medidas feitas na Amazônia, por exemplo, que mostram que o tempo de vida das árvores vem, de fato, se reduzindo. Mas os anéis de crescimento não conseguem registrar uma tendência importante que tem sido verificada in loco e pode compensar a redução da longevidade: apesar de as árvores estarem morrendo mais cedo, elas estão nascendo em maior quantidade”, afirma Lapola.
Para o pesquisador da Unicamp, ainda não é possível afirmar que, a longo prazo, daqui a 100 ou 200 anos, as florestas tropicais serão compostas por menos biomassa e passarão por um processo de savanização. “A questão da longevidade tem limitações e não é o único fator que controla a dinâmica florestal’, pondera Lapola. “Podem ocorrer outras mudanças funcionais dentro das florestas, como o crescimento de espécies mais adaptadas às secas”, avalia.
Projetos
1. INCT 2014: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (nº 14/50884-5); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Marcos Buckeridge (USP); Investimento R$ 2.717.757,01.
2. Florestas funcionais: Biodiversidade a favor das cidades (nº 19/08783-0); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Giuliano Locosselli (Instituto de Botânica); Investimento R$ 1.162.901,08.
Artigo científico
LOCOSSELLI, G. M. et al. Global tree-ring analysis reveals rapid decrease in tropical tree longevity with temperature. PNAS. 14 dez. 2020.
Fonte: Revista FAPESP
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