“O primeiro é o fato de sermos teleguiados por Brasília, de onde emana o proibicionismo explícito da diversificação, e de onde provém o confisco dos recursos federais destinados à pesquisa, desenvolvimento e inovação.”
—- Por Alfredo Lopes —-
Onde estão os ovos que deixei aqui. O vírus comeu? Mal saímos de uma recessão, outra se apressa em desembarcar por aqui, provavelmente combinando sua chegada com a Covid-19, o novo coronavírus, que caminha na direção de 150 mil casos de óbito oficialmente registrados na contabilidade global. E como faremos para substituir fornecedores tão ágeis como os chineses para atender a demanda dos suprimentos do Polo Industrial de Manaus. Não temos Plano B, nem poderíamos, tendo em vista o emagrecimento da indústria nacional e a abertura da economia a que fomos empurrados sem a preparação competente e coerente. Pois é… É isso que dá colocar numa só cesta quase todos os ovos de nossa sobrevivência. E deitar-se preguiçosamente numa rede chamada Polo Industrial de Manaus e seus generosos fundos de contrapartida fiscal: R$200 milhões/ano para interiorização do desenvolvimento.
A lição dos Pioneiros
A imagem da cesta foi utilizada há sete anos pelo presidente Wilson Périco, do CIEAM, no Seminário de encerramento da Mostra dos Pioneiros e Empreendedores do Brasil e do Amazonas, em agosto de 2013, com a presença de 70 instituições de ensino, pesquisa, fomento e desenvolvimento regional. “Não podemos seguir dependendo de uma única cesta de ovos para nossa sobrevivência; precisamos diversificar e interiorizar novas matrizes econômicas, utilizando os recursos regionais”. O alerta foi profético, mas o resultado, que dependeria de todos, incluindo o poder público e a classe política foi nenhum. Agora temos que correr da sala para o banheiro e inventar sucedâneos de diversificação.
Fartura, a péssima conselheira
Por aqui, as previsões sanitárias não podem ser otimistas, numa cidade que tem mais farmácia do que quitandas de frutas e verduras, e que ocupa os primeiros lugares entre as capitais no ranking da falta de saneamento. Vida que segue sem críticas nem levantes populares por reivindicações de direitos, nem protestos contra os desvios de finalidades de tantos recursos pagos para diversificação das matrizes de geração de emprego, renda e novos negócios. Esbarramos na gestão perdulária do poder público, responsável por tantas mazelas, incluindo a geração nem-nem, jovens que nem estudam, nem trabalham e aqueles arregimentados pelas miragens do narcotráfico. Depender de fonte única – mesmo que seja a galinha dos ovos de ouro – para a sobrevivência do tecido social – tem dessas coisas. Acomodamo-nos à fartura e essa nunca foi boa conselheira.
Proibicionismo e confisco
Alguns fatores, porém, ilustram essa dificuldade de sairmos da zona de conforto e buscar novas saídas. O primeiro é o fato de sermos teleguiados por Brasília, de onde emana o proibicionismo explícito da diversificação, e de onde provém o confisco dos recursos federais destinados à pesquisa, desenvolvimento e inovação. Só recentemente essa verba, R$ 500 milhões/ano, aproximadamente, teve sua aplicação revista pela Suframa, entretanto, por quase duas décadas, os recursos da Lei de Informática foram destinados ao FNDCT, e usados para diversos fins, incluindo o Programa Ciência Sem Fronteira, R$1,9 bilhão, conforme Ata de Reunião do CAPDA de novembro de 2014.
Gestão teleguiada
Recentemente, o CNPq ficou com o chapéu na mão para obter recursos e poder pagar as bolsas de estudo de estudantes e pesquisadores que constroem as informações necessárias para tempos difíceis, como foi a zikka e agora este coronavírus. As mazelas, entretanto, ocorrem em todos os níveis. Recentemente o Comitê de Aquicultura e Recursos Pesqueiros do CNPq priorizou as pesquisas de peixe em cativeiro, já consolidadas para meia dúzia de espécies, em detrimento das pesquisas dos recursos pesqueiros que ocorrem, entre outros lugares, na bacia amazônica. Os pesquisadores locais, que investigam a dinâmica alimentar, reprodutiva e climática, para dar exemplo de três linhas fundamentais, além de cumprir a rotina de classificar três mil espécies da ictiofauna amazônica que a Ciência desconhecia, disputam os parcos recursos com pesquisadores de outras regiões e acabam sendo penalizados. Enquanto isso vemos o interesse inetrnacional crescer sobre a biodiversidade brasileira e amazônica. Devemos apontar para alguns de nós mesmos, compreender as razões do comodismo e do descompromisso com o nosso país e com o nosso amanhã. Voltaremos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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