Foto: Alice Vergueiro
Por Sérgio Vergueiro
Logo que começamos, surgiram 2 problemas: 1o.) o gado não comia a Castanheira, porém, pisoteava ou se coçava nas árvores maiores prejudicando a formação do Castanhal, e 2o. ) a enxertia estava com baixo pegamento devido à incompatibilidade de diâmetro entre o doador e o receptor (a enxertia da castanheira é por borbulha com janela aberta). Assim, desistimos de associar o gado ao Castanhal, passando a utilizar espaçamento de 10mx10m (100 árvores por hectare) e aguardamos o terceiro ano após o plantio para fazer a enxertia.
Mais um desafio surgiu e quase desistimos de prosseguir: o pegamento da enxertia era bom (a borbulha não morria), porém, a gema ficava dormente e não brotava em 70% dos enxertos. Passamos a desbrotar o cavalo para forçar a brotação das gemas e, mesmo assim, a dormência prosseguia e o cavalo acabava morrendo. Depois disso, deixamos de desbrotar e quase desistimos do projeto.
Tentativas e acertos
Um dia, nosso administrador de campo – Nilamon Camargo Penteado, de familia tradicional de cafeicultores de Jaú – SP, e com larga experiencia na Amazônia desde o Mato Grosso, Pará e Goiás – observou, em experimentos implantados pelo Dr. Hans Müller para reduzir a brotação do cavalo, que na área de plantio onde tinha sido feito o anelamento do cavalo acima do enxerto, todas as gemas dormentes brotaram. A partir daí, fizemos isso em larga escala nos plantios até então dormentes (alguns já com 3 anos de dormência) e TODOS BROTARAM! Passamos a adotar essa prática em todo o cultivo e o pegamento do enxerto passou para 95%, acabando a dormência.
Vencida essa etapa, restava uma grave preocupação de minha parte: a homogeneização do plantio com uma única espécie, pois lembrava-me do que ocorreu com a seringueira cultivada por Ford, na Fordlandia. Já tínhamos plantado mais de 200.000 castanheiras e nada havia ocorrido até então (as mais velhas estavam com 4 anos), entretanto, ainda estavam na fase juvenil e a minha preocupação aumentava.
Um Nobel da Paz na Fazenda
Nessa ocasião, estava saindo da Fazenda para voltar a Manaus quando recebi um telefonema da EMBRAPA . Era o Dr. Antelmo (Luiz Antelmo Silva Melo) informando que estava vindo com uma equipe do Banco Mundial chefiada por NORMAN BORLAUG, o cientista que alimentou o mundo, para visitar a Aruanã. Obviamente, fiquei aguardando a visita ilustre.
Durante a visita do renomado Nobel da Paz (1970), corremos todos os plantios e no final, antes de sua partida, fiz a pergunta que me preocupava: o que achava o Dr. Norman das eventuais consequências desse plantio homogêneo? Ele me respondeu : ”O Sr. me contou que ficou impressionado com a extensão dos castanhais nativos de Marabá, sobrevoando por horas essas populações de “copas topadas”. Pois é , eu também vi isso e esse fato demonstra que a Castanheira NATURALMENTE ocorre em populações homogêneas tendo, portanto, RESISTÊNCIA AOS PATÓGENOS DA FLORESTA, ao contrário da seringueira que, para evitar o “mal das folhas”, ocorre distante uma das outras. Com a Castanheira não haverá problema”.
Hoje, após mais de 30 anos e com 1.300.000 (hum milhão e trezentas mil) castanheiras adultas, plantadas em 3.700 hectares, podemos confirmar que o Dr. Norman Borlaug estava certo. Nunca tivemos problemas fito-sanitários nem de pragas, e jamais tivemos que usar qualquer defensivo nos cultivos da Fazenda Aruanã.
Reposição florestal
Resolvida e enxertia e despreocupados quanto ao plantio homogêneo, prosseguimos com projetos aprovados pelo IBDF no plantio de Castanheiras, reflorestando toda a área de 3.000 hectares que havíamos desmatado para pastagens e mais 700 hectares, também de antigas pastagens degradadas, que adquirimos de nosso vizinho. Paguei com juros o desmatamento de 3.000 hectares, reflorestando 3700 hectares com castanheiras.
Desde o início dos trabalhos da Fazenda Aruanã, mantive contato com o Prof. Warwick Kerr, no INPA, de quem fui aluno em Piracicaba, juntamente com o Eng. Agr. Gabriel Teixeira de Paula Neto, meu colega de turma e amigo, e que foi responsavel técnico pela Aruanã por mais de 20 anos. O Prof. Warwick sempre se preocupou com a polinização da castanheira. A conselho dele, semeamos maracujá nas leiras da destoca e plantamos urucum, para aumentar a oferta de pólen ao BOMBUS, que acreditavamos ser o principal polinizador da Castanheira. Aliás, gostaria de registrar que a MILHONÉSIMA castanheira da Fazenda Aruanã foi plantada pelo próprio Prof.Warwick e encontra-se desenvolvida e frutificando.
As aulas da ESALQ-USP
Verificamos que o projeto da Aruanã, mantendo todas as APP’s e faixas de floresta nativa separando os blocos de desmatamento, resultou em que nenhuma castanheira plantada nessa área dista mais do que 1.500 metros de uma área de floresta nativa. Isso é essencial para o alcance dos polinizadores que têm seu habitat na floresta. Agradeço ao meu curso de agronomia e ao colega Rodolfo Geiser , por ter tomado essa cautela ao projetar a Fazenda.
O desenvolvimento das castanheiras enxertadas seguia animadoramente, porém a previsão de produção no 6° ano não se concretizou pois as primeiras castanheiras plantadas em 1981 só foram produzir comercialmente 25 anos depois.
Um time de alto nível
Com as técnicas que desenvolvemos para produção de mudas em larga escala (já produzimos até hoje mais de 3 milhões de mudas), enxertia , limpeza e condução das árvores, podemos afirmar que, em 15 anos, é possivel atingir a fase produtiva comercial (observe-se que sem adubação química pois a castanheira só reage a uma adubação de fósforo no plantio e depois não exige nem responde a adubações químicas). Nossos plantios sempre foram acompanhados de perto pelo IBDF e, depois, pelo IBAMA que, mais do que fiscalizar, contribuía com as observações de seus técnicos, principalmente Lúcio Flávio Couto, Pedro Vargas e Antônio Carlos Hummel, no IBDF, e Malvino Salvador, no IBAMA.
Temos terra, sol, água e a Embrapa!
Desse trabalho conjunto surgiu a idéia de plantar a castanheira em espaçamento silvicultural (1,50m por 2,5m) com 2.666 árvores por hectare, visando a produção de madeira e frutos. Constatado o bom desenvolvimento desses plantios, manejados através de desbastes como antigamente era feito com o Eucalipto, recebemos a sugestão do Malvino e passsamos a fazer plantios para contrato de reposição florestal com as indústrias madeireiras locais. Dessa forma, em 5 anos, implantamos perímetros de plantios abrangendo perto de 1 milhão de árvores.
No sistema silvicultural, a castanheira vem se demonstrando uma das espécies mais promissoras para a recuperação de áreas degradadas na Amazônia, tendo em vista a sua resistência à homogeneização dos plantios, crescimento rápido e sem exigência de adubações e defensivos. O desenvolvimento dessa forma de cultivo vem sendo acompanhado pela EMBRAPA através do PROF. ROBERVAL MONTEIRO BEZERRA DE LIMA.
Aplausos perenes ao INPA
Apesar de sempre trabalharmos em contato com os orgãos ambientais e de pesquisa, preocupava-me a necessidade de estudos sobre a cultura em geral, e principalmente sobre a coleta sistematizada de dados sobre nossos cultivos, a fim de dar uma base sólida das técnicas a serem aplicadas e a disseminação do conhecimento dessa cultura. Nesse campo, sempre tivemos estreito contato com o INPA, através do Prof. Warwick, Dr. Charles Clement (plantamos 600.000 palmeiras de pupunha em associação com a castanheira), Dr. Sidnei Ferreira e Dr. Ferraz (que nos visita há mais de 30 anos).
As Abelhas foram essenciais
A EMPBRAPA sempre nos acompanhou desde Carlos Hans Muller e Urano e, até o momento atual, quando inicia este importante e abrangente trabalho de pesquisa sobre o cultivo da Castanheira, e vem desenvolvendo estudos preciosos sobre polinização da espécie sob a coordenação da Profa. Márcia Maués, com a participação de Marcelo Casimiro (cujo primeiro trabalho na Aruanã foi indicado pelo Prof. Warwick). O IBDF, hoje IBAMA, bem como o IPAAM (órgão ambiental do Estado do Amazonas), interagem com os nossos trabalhos positivamente. Acreditamos que nossa experiência pode ser usada pelos pesquisadores, sistematizando as observações e publicando os resultados, para que se multiplique o conhecimento e mais pessoas possam dele se utilizar.
Instituto Excelsa
De nossa parte, em 2006 criamos uma ONG (OSCIP) denominada INSTITUTO EXCELSA, que é dirigido por minha filha Ana Luiza, destinada a transmitir todo o nosso conhecimento prático às pequenas comunidades do entorno da Aruanã e de outras regiões do Amazonas, para que plantem e cultivem a Castanheira nas suas roças, recuperando as áreas desmatadas para sua subsistência com uma cultura nativa, perene, rentável e de forma sustentável. As mudas são distribuídas gratuitamente aos pequenos agricultores que as solicitam e seus plantios são cadastrados e georeferenciados por GPS. Em 13 anos, o INSTITUTO EXCELSA entregou 635.000 mudas a mais de 1.453 famílias de 183 comunidades do Amazonas.
Plantadores e parceiros
Esses pequenos agricultores poderão se tornar futuros fornecedores de ECONUT, que pagará preço adequado à qualidade do produto, ou seja, superior aos preços praticados pelo mercado. Também é nossa intenção criar uma REGIÃO DE DENOMINAÇÃO CONTROLADA DE CASTANHA, a exemplo do que é feito com os vinhos na Europa.
Além de ser extremamente nutritiva, o grande diferencial da Castanha-do-Brasil (semente da CASTANHEIRA) é ser a maior fonte de SELÊNIO conhecida da natureza. O teor de selênio é definido principalmente, pelo solo onde se desenvolve a castanheira e, na nossa região, esse teor é ideal para que apenas uma castanha por dia seja suficiente para suprir a necessidade diária de selênio no caso de um adulto. Constatam
Edição Especial sobre a DOMESTICAÇÃO DA CASTANHA DO BRASIL NO AMAZONAS por Sérgio Vergueiro
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