Um desastre de grandes proporções está ocorrendo na região Norte. A situação, que já é complexa, vai piorar até o final do ano. Segundo pesquisadores, o fenômeno El Niño ainda não entrou com força na Amazônia, o que deve ocorrer entre novembro e dezembro. No momento, o aquecimento extremo das águas do Atlântico Norte é a principal causa da seca histórica no Amazonas. Mais pessoas serão afetadas nos próximos meses.
Por Vanessa Pinsky
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Vivemos uma tripla crise planetária com a intersecção de três crises ambientais globais: poluição, mudança climática e perda da biodiversidade (ONU). O aumento dessas ameaças ambientais e da emergência climática constitui um desafio para os direitos humanos, pois amplia conflitos e desigualdades estruturais. Fatos recentes evidenciam que o impacto que causamos no meio ambiente, com o aumento das emissões de gases do efeito estufa, já se materializa em danos humanitários e econômicos sem precedentes.
Os governos e as empresas estão preparados para lidar com a complexidade que o mundo requer com as mudanças climáticas?
A seca sem precedentes na Amazônia já colocou 55 municípios em estado de calamidade e de emergência até 05/10/2023. Todos os grandes rios da Amazônia estão abaixo do nível histórico. O rio Solimões, localizado no Oeste do Amazonas e com uma extensão navegável total de 1.620 km, virou deserto em diversos trechos. Suas águas volumosas foram substituídas por enormes bancos de areia. Fonte de alimento, transporte, comércio, pesquisas científicas e lazer, o rio Solimões é importante para a vida e economia da população na região Norte.
Cientistas vem alertando desde o início do ano para os impactos do El Niño no agravamento dos extremos climáticos, mas pouco (ou nada) foi feito na adaptação das comunidades ribeirinhas com a seca intensa prevista na região Norte. Não há políticas públicas transversais no Brasil capazes de agir preventivamente na adaptação aos eventos climáticos extremos, em especial quando atingem comunidades mais vulneráveis.
Um desastre de grandes proporções está ocorrendo na região Norte. A situação, que já é complexa, vai piorar até o final do ano. Segundo pesquisadores, o fenômeno El Niño ainda não entrou com força na Amazônia, o que deve ocorrer entre novembro e dezembro. No momento, o aquecimento extremo das águas do Atlântico Norte é a principal causa da seca histórica no Amazonas. Mais pessoas serão afetadas nos próximos meses.
No estado do Amazonas, o rastro da seca histórica está em toda parte. A população depende das águas dos rios para locomoção. A taxa de reprodução dos peixes está caindo, a população não consegue escoar a produção de farinha de mandioca. A região, que já sofre pela ausência de saneamento básico e acesso à água potável, com a seca extrema até a água barrenta dos poços está secando.
O paradoxo de ver comunidades que vivem na beira do rio, no bioma que detém cerca de 15% da água doce do planeta, e que em breve ficarão sem água para beber. Comunidades no entorno do rio Solimões não conseguem tratar a água barrenta, e os problemas decorrentes do consumo da água imprópria só aumentam – diarreia, vômito, febre e dor de estômago, em especial nas crianças.
Sociedade desamparada em situação de isolamento, desabastecimento de alimentos, impactos na saúde e na educação. Com a seca dos rios, crianças de comunidades ribeirinhas não conseguem chegar nas escolas e o acesso a hospitais fica comprometido. Tragédia humanitária.
Florestas secas e mais vulneráveis a queimadas criminosas e naturais. Segundo do Ministério do Meio Ambiente, os incêndios identificados por satélite no estado do Amazonas somaram 1.664 focos de fogo ativos até 12/10. O fogo tem tornado o ar de Manaus extremamente poluído, com a qualidade do ar dez vezes pior que a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). O dano na saúde e no bem-estar das pessoas é significativo.
ZFM e o impacto econômico
A seca extrema no Amazonas, além de gerar danos humanitários e ambientais, dificulta o transporte de produtos da Zona Franca de Manaus (ZFM) e deixa o frete mais caro no Brasil.
Com os níveis dos rios baixos, os navios não podem operar com carga máxima. Embarcações de cabotagem que levavam 4 mil contêineres estão operando com 2 mil. Aumenta o custo e a demora da entrega de produtos para todo o país. O frete já subiu 50% esse ano por conta da seca. E a tendência é piorar nas próximas semanas.
A ZFM é responsável por 100% da produção nacional de ar-condicionado, televisores, lavadoras de louça e micro-ondas, segundo a Eletros – Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos. Além de produzir entre 40% e 70% de celulares, computadores e monitores de vídeo.
Emergência climática e perda da biodiversidade
O impacto da seca extrema já atinge a biodiversidade, com danos de difícil reparação. Mais de 140 botos-vermelhos e tucuxis morreram região de Tefé, no Médio Solimões do Amazonas. A média histórica da temperatura da água no Lago Tefé é de 32ºC e, no dia 04/10/23, pesquisadores aferiram 39ºC até três metros de profundidade. Uma das hipóteses é de que água muito quente reduz o oxigênio dissolvido e, ao mesmo tempo aumenta a taxa respiratória dos peixes, que afeta o metabolismo e provoca morte por asfixia.
Esse evento de mortalidade incomum de botos amazônicos localizado no Lago Tefé não é o único. Outro incidente está sendo monitorado em Alto Juruá, envolvendo uma grande mortandade de peixes. Outros virão.
As empresas e a inação climática
Imprevisibilidade, crises interligadas, extremos climáticos impactando a economia e o bem-estar humano é o novo normal.
Será que as empresas e gestores que fazem parte da inação climática têm consciência da complexidade e dos danos para os negócios e sociedade em não reduzir drasticamente suas emissões com senso de urgência? Acredito que muitos não.
Impactamos o planeta com o aumento das emissões dos gases de efeito estufa, e os danos se materializam na população e nos negócios. O efeito é sistêmico, sendo que os mais impactados são os mais vulneráveis. Precisamos reverter a tripla crise planetária. Isso implica repensar políticas públicas transversais com foco em adaptação e mitigação. O desenvolvimento de um novo modelo econômico de baixo carbono, circular, regenerativo e inclusivo é uma agenda inadiável.
Vanessa Pinsky – Especialista em sustentabilidade | ESG com mais de 20 anos de experiência profissional em corporações, consultoria empresarial, ensino e pesquisa. Conselheira consultiva, consultora, palestrante e mentora. Pesquisadora pós-doutoranda na FEAUSP e professora em escolas de negócios. LinkedIn Top Voice em Sustentabilidade.
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