Alcançando cada vez mais novos e inesperados mercados, e mostrando que o futuro pode ser sustentável e próspero, o PPBio vem ajudando a impulsionar a bioeconomia na Amazônia utilizando recursos da Zona Franca de Manaus e investindo em startups e empresas comprometidas com a valorização de resíduos e produtos da biodiversidade criando inovação, riqueza, emprego e renda.
O açaí, estrela maior dos produtos amazônicos, chega agora a um setor nunca antes imaginado para os insumos da biodiversidade: o mercado de bikes, tanto as tradicionais como as elétricas, de crescente demanda em tempos de mudança climática. O feito corre por conta da inovação que une um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a fabricante de bicicletas OX da Amazônia, sediada em Manaus (AM), com a aposta no bioplástico de fonte florestal para produzir peças, a começar pelos pedais.
Aproveitamento sustentável do resíduo
A estratégia consiste no aproveitamento do caroço do açaí, hoje descartado em grande quantidade como resíduo das agroindústrias que fornecem ingredientes à fabricação de refrigerantes consumidos em todo o país.
“Estar na Amazônia representa um importante diferencial, com propósitos alinhados ao desenvolvimento econômico e ao meio ambiente”, aponta David Peterle, CEO da OX, dona da marca Oggi, instalada desde 2011 na Zona Franca de Manaus (ZFM) para obter isenção de imposto e concorrer com o produto chinês.
O bioplástico amazônico confere novos atributos às bicicletas, para além da mobilidade urbana e busca de uma vida saudável. A iniciativa representa uma solução contra a poluição plástica, com geração de renda e menor emissão de carbono, porque a garantia de fornecimento do insumo vegetal depende da floresta bem conservada. “É uma forma de agir economicamente contra o desmatamento”, reforça Peterle. Com a “marca Amazônia”, o plano é a expansão no mercado internacional em 2025.
Em área industrial de 20 mil metros quadrados, com 360 funcionários, a empresa deverá fabricar 160 mil bikes em 2023, voltadas ao mercado nacional, no total de R$ 400 milhões. Dessa produção, 8% são de elétricas, com previsão de crescimento de 50% nos próximos quatro anos, no rastro da infraestrutura de mobilidade em construção nas cidades e das novas regulações do setor.
Investimento e apoio público
O investimento inicial na tecnologia do bioplástico, cerca de R$ 1,1 milhão, se viabilizou por meio de recursos obrigatórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D) alocados pela empresa por meio do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e gerenciado pelo Idesam, que apoia inovações nascentes com recursos de contrapartida pela isenção fiscal.
Com o aporte financeiro, o objetivo é finalizar os testes de resistência e qualidade na indústria plástica que produzirá as peças para fornecimento à linha de produção da OX. A expectativa é de uso futuro em capacetes e outros componentes. “Olhamos para a bioeconomia dos resíduos da floresta como forma de reduzir o principal componente do lixo no Polo Industrial de Manaus”, afirma o químico Genilson Santana, à frente da startup AGflech, responsável pela inovação.
Conexão entre setores
Ao incorporar valor a fibras normalmente jogadas fora ou queimadas em fornos de olarias, a solução tecnológica conecta mundos diferentes: a produção dos extrativistas na floresta, a agroindústria, a fabricação de plásticos para uso industrial e as empresas de produtos acabados para o consumo final. “A inovação resolve problemas dos setores do plástico e dos alimentos, aproximando a indústria de bens e serviços à biodiversidade amazônica”, reforça o engenheiro mecânico Antonio Kieling, sócio da startup manauara. Resíduos do beneficiamento do guaraná e tucumã – fruto bastante apreciado na alimentação local – estão no radar do pesquisador, na expectativa de um dia ver celulares, computadores e televisores com peças contendo insumos da floresta.
No caso das bicicletas, a OX está investindo também em embalagens biodegradáveis para os kits de peças entregues aos clientes para montagem. A novidade, hoje em testes, consiste no uso de fécula de mandioca junto a fibras do caroço do açaí ou de outros vegetais, compondo um material que faz as vezes do isopor – porém, sem os impactos ao meio ambiente quando é descartado.
Estratégia de crescimento e sustentabilidade
“Queremos crescer licenciando e replicando a tecnologia por toda a Amazônia, a começar como solução de sustentabilidade para as indústrias da Zona Franca de Manaus”, revela a designer Erika Cardoso, criadora da Doka Biotecnologia.
A startup nasceu após o sucesso de um outro negócio mais antigo criado pela empreendedora: a Oka, sediada em Botucatu (SP), com a proposta de embalagens e copos à base de mandioca para o mercado de alimentação, diferenciadas pela promessa de serem biodegradáveis e até comestíveis, sem poluir rios e mares. Depois, veio a aposta no fornecimento de biocápsulas ao plantio de árvores em projetos de restauração florestal.
Agora, a expertise chega à Amazônia, em Lábrea, sul do Amazonas, nova fronteira de desmatamento após a expansão no Pará, Mato Grosso e Rondônia. Lá, o objetivo da Doka é desenvolver o protótipo do novo material para embalar peças de bicicletas e capacitar uma cooperativa local de 150 mulheres na produção, com maquinário adaptado à biomassa amazônica. “Faremos o licenciamento social da tecnologia, além de ajudar o setor industrial no alinhamento à Política Nacional de Resíduos Sólidos”, destaca a química Sandra Zanotto, cofundadora da startup.
Integração e valorização da ZFM e Bioeconomia
A iniciativa ocorre no cenário de busca por maior integração da Zona Franca de Manaus (ZFM) à bioeconomia, vista como um vetor de valorização da floresta para conter o desmatamento. Com um faturamento recorde de R$ 174 bilhões em 2022 e crescimento de quase 7% sobre 2021, o Polo Industrial de Manaus é um centro vital da economia local. “Precisamos sair do casulo dos incentivos fiscais para ajudar a região a ser mais competitiva e trazer desenvolvimento também para o interior da Amazônia”, observa Mariana Barella, CEO da indústria de plásticos Tutiplast.
Com recursos da Samsung e do Fundo JBS, a tecnologia está em fase final de desenvolvimento, usando resíduos da castanha-do-brasil para a produção de biomateriais. A matéria-prima vem da Agropecuária Aruaná, que descarta cerca de 50 mil ouriços por safra.
Estratégias para uma Nova Economia
“É preciso uma estratégia para valorizar o território a ponto de gerar uma nova economia e evitar o desmatamento“, aponta Carlos Koury, coordenador do PPBio. O programa da Suframa, gerenciado pelo Idesam, já soma R$ 91 milhões de investimentos aportados por 34 empresas do Polo Industrial de Manaus, com 31 projetos.
Carlos Gabriel Koury é engenheiro florestal formado pela USP, trabalha como Diretor Técnico no Idesam e coordenada o Programa Prioritário de Bioeconomia da Suframa
Negócios que envolvem resíduos se alinham ao conceito de “bioeconomia circular”, focado em eficiência em água, energia e carbono, com retorno de insumos ao ciclo da natureza. Segundo estudo do WRI Brasil, um novo padrão de desenvolvimento, com investimentos em bioeconomia, pode adicionar R$ 40 bilhões anuais ao PIB da Amazônia a partir de 2050, criando 312 mil empregos adicionais e conservando mais 81 milhões de hectares de florestas.
Thiago Monteiro, CEO da Amazon BioFert, aponta que seu negócio no Amapá usa o caroço do açaí como matéria-prima para produzir biofertilizante e condicionador de solo. “Queremos transformar problemas ambientais em soluções e valor de mercado“, enfatiza. A inovação pretende resolver um dos maiores gargalos da região: a falta de fertilizantes, melhorando a produtividade agrícola em até 50% e reduzindo desperdícios.
O ecossistema de startups e empresas tradicionais na Amazônia está demonstrando que é possível unir desenvolvimento industrial e sustentabilidade. A integração de diferentes setores e o uso de recursos locais em uma bioeconomia circular não apenas valorizam a biodiversidade da região, mas também têm o potencial de trazer benefícios econômicos significativos, ao mesmo tempo em que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas e do desmatamento.
Inovação em resíduos de açaí
A startup amapaense Engenho, liderada por Lázaro Gonçalves, foca na transformação dos resíduos de açaí em bebidas aromáticas semelhantes ao café. O desafio inicial foi aprimorar sabor e aparência, mas com alta concentração de vitaminas e antioxidantes, o produto tem potencial para mercados externos interessados em alimentação saudável de origem sustentável.
A pele do pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do planeta e nativo da Amazônia, também está sendo valorizada. Antes descartada como resíduo, agora ganha vida nova como couro na indústria da moda. Frank Portela, cofundador da Yara Couros no Amapá, destaca o benefício ambiental de evitar o descarte desse material em aterros sanitários.
Novos horizontes na indústria do couro
Portela, que já atua na fabricação de produtos de couro tradicional, vê potencial na diversificação para couros de peixes como pirarucu, pescada-amarela, corvina e tilápia. Com investimentos de R$ 2 milhões, a empresa está instalando uma planta-piloto para validar a produção em maior escala.
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Desafios e oportunidades
“Um dos desafios é vencer barreiras de custos para garantir uma remuneração justa aos fornecedores na ponta inicial da cadeia“, explica Portela. No entanto, o material tem alto valor agregado. Enquanto o metro quadrado do couro de boi é vendido a R$ 80, o couro de pirarucu pode alcançar R$ 1,4 mil. Isso se reflete nos preços finais dos produtos, como bolsas que chegam a custar R$ 2,5 mil em grifes de moda.
Estas iniciativas reforçam a ideia de que o desenvolvimento sustentável e a inovação podem andar juntos, especialmente em uma região rica em biodiversidade como a Amazônia. Além de gerar novas oportunidades de negócio e emprego, esses projetos ajudam a preservar o meio ambiente ao dar um destino sustentável a resíduos e subprodutos. Ao mesmo tempo, abrem caminhos para a valorização da biodiversidade local e para a mitigação dos impactos ambientais, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável.
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