5 de Setembro, dia da Amazônia: nós do portal BrasilAmazôniaAgora decidimos sempre valorizar a ideia de que para manter a floresta em pé se faz necessário dar a ela uma função econômica. Porque assim mantemos em pé também o ser vivo mais importante dessa equação que é o ser humano.
Nosso ideal é compartilhar os exemplos que mostram que fazer isso é mais do que possível, é a única maneira possível. Para hoje compartilhamos essa matéria que simboliza muito bem como juntar os atores regionais e fazer as coisas acontecerem.
Alcançando cada vez mais novos e inesperados mercados, e mostrando que o futuro pode ser sustentável e próspero, o PPBio vem ajudando a impulsionar a bioeconomia na Amazônia utilizando recursos da Zona Franca de Manaus e investindo em startups e empresas comprometidas com a valorização de resíduos e produtos da biodiversidade criando inovação, riqueza, emprego e renda.
O açaí, estrela maior dos produtos amazônicos, chega agora a um setor nunca antes imaginado para os insumos da biodiversidade: o mercado de bikes, tanto as tradicionais como as elétricas, de crescente demanda em tempos de mudança climática. O feito corre por conta da inovação que une um grupo de pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a fabricante de bicicletas OX da Amazônia, sediada em Manaus (AM), com a aposta no bioplástico de fonte florestal para produzir peças, a começar pelos pedais.
Aproveitamento sustentável do resíduo
A estratégia consiste no aproveitamento do caroço do açaí, hoje descartado em grande quantidade como resíduo das agroindústrias que fornecem ingredientes à fabricação de refrigerantes consumidos em todo o país.
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“Estar na Amazônia representa um importante diferencial, com propósitos alinhados ao desenvolvimento econômico e ao meio ambiente”, aponta David Peterle, CEO da OX, dona da marca Oggi, instalada desde 2011 na Zona Franca de Manaus (ZFM) para obter isenção de imposto e concorrer com o produto chinês.
O bioplástico amazônico confere novos atributos às bicicletas, para além da mobilidade urbana e busca de uma vida saudável. A iniciativa representa uma solução contra a poluição plástica, com geração de renda e menor emissão de carbono, porque a garantia de fornecimento do insumo vegetal depende da floresta bem conservada. “É uma forma de agir economicamente contra o desmatamento”, reforça Peterle. Com a “marca Amazônia”, o plano é a expansão no mercado internacional em 2025.
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Em área industrial de 20 mil metros quadrados, com 360 funcionários, a empresa deverá fabricar 160 mil bikes em 2023, voltadas ao mercado nacional, no total de R$ 400 milhões. Dessa produção, 8% são de elétricas, com previsão de crescimento de 50% nos próximos quatro anos, no rastro da infraestrutura de mobilidade em construção nas cidades e das novas regulações do setor.
Investimento e apoio público
O investimento inicial na tecnologia do bioplástico, cerca de R$ 1,1 milhão, se viabilizou por meio de recursos obrigatórios de pesquisa e desenvolvimento (P&D) alocados pela empresa por meio do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) e gerenciado pelo Idesam, que apoia inovações nascentes com recursos de contrapartida pela isenção fiscal.
Com o aporte financeiro, o objetivo é finalizar os testes de resistência e qualidade na indústria plástica que produzirá as peças para fornecimento à linha de produção da OX. A expectativa é de uso futuro em capacetes e outros componentes. “Olhamos para a bioeconomia dos resíduos da floresta como forma de reduzir o principal componente do lixo no Polo Industrial de Manaus”, afirma o químico Genilson Santana, à frente da startup AGflech, responsável pela inovação.
Conexão entre setores
Ao incorporar valor a fibras normalmente jogadas fora ou queimadas em fornos de olarias, a solução tecnológica conecta mundos diferentes: a produção dos extrativistas na floresta, a agroindústria, a fabricação de plásticos para uso industrial e as empresas de produtos acabados para o consumo final. “A inovação resolve problemas dos setores do plástico e dos alimentos, aproximando a indústria de bens e serviços à biodiversidade amazônica”, reforça o engenheiro mecânico Antonio Kieling, sócio da startup manauara. Resíduos do beneficiamento do guaraná e tucumã – fruto bastante apreciado na alimentação local – estão no radar do pesquisador, na expectativa de um dia ver celulares, computadores e televisores com peças contendo insumos da floresta.
No caso das bicicletas, a OX está investindo também em embalagens biodegradáveis para os kits de peças entregues aos clientes para montagem. A novidade, hoje em testes, consiste no uso de fécula de mandioca junto a fibras do caroço do açaí ou de outros vegetais, compondo um material que faz as vezes do isopor – porém, sem os impactos ao meio ambiente quando é descartado.
Estratégia de crescimento e sustentabilidade
“Queremos crescer licenciando e replicando a tecnologia por toda a Amazônia, a começar como solução de sustentabilidade para as indústrias da Zona Franca de Manaus”, revela a designer Erika Cardoso, criadora da Doka Biotecnologia.
A startup nasceu após o sucesso de um outro negócio mais antigo criado pela empreendedora: a Oka, sediada em Botucatu (SP), com a proposta de embalagens e copos à base de mandioca para o mercado de alimentação, diferenciadas pela promessa de serem biodegradáveis e até comestíveis, sem poluir rios e mares. Depois, veio a aposta no fornecimento de biocápsulas ao plantio de árvores em projetos de restauração florestal.
Agora, a expertise chega à Amazônia, em Lábrea, sul do Amazonas, nova fronteira de desmatamento após a expansão no Pará, Mato Grosso e Rondônia. Lá, o objetivo da Doka é desenvolver o protótipo do novo material para embalar peças de bicicletas e capacitar uma cooperativa local de 150 mulheres na produção, com maquinário adaptado à biomassa amazônica. “Faremos o licenciamento social da tecnologia, além de ajudar o setor industrial no alinhamento à Política Nacional de Resíduos Sólidos”, destaca a química Sandra Zanotto, cofundadora da startup.
Integração e valorização da ZFM e Bioeconomia
A iniciativa ocorre no cenário de busca por maior integração da Zona Franca de Manaus (ZFM) à bioeconomia, vista como um vetor de valorização da floresta para conter o desmatamento. Com um faturamento recorde de R$ 174 bilhões em 2022 e crescimento de quase 7% sobre 2021, o Polo Industrial de Manaus é um centro vital da economia local. “Precisamos sair do casulo dos incentivos fiscais para ajudar a região a ser mais competitiva e trazer desenvolvimento também para o interior da Amazônia”, observa Mariana Barella, CEO da indústria de plásticos Tutiplast.
Com recursos da Samsung e do Fundo JBS, a tecnologia está em fase final de desenvolvimento, usando resíduos da castanha-do-brasil para a produção de biomateriais. A matéria-prima vem da Agropecuária Aruaná, que descarta cerca de 50 mil ouriços por safra.
Estratégias para uma Nova Economia
“É preciso uma estratégia para valorizar o território a ponto de gerar uma nova economia e evitar o desmatamento“, aponta Carlos Koury, coordenador do PPBio. O programa da Suframa, gerenciado pelo Idesam, já soma R$ 91 milhões de investimentos aportados por 34 empresas do Polo Industrial de Manaus, com 31 projetos.
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Carlos Gabriel Koury é engenheiro florestal formado pela USP, trabalha como Diretor Técnico no Idesam e coordenada o Programa Prioritário de Bioeconomia da Suframa
Negócios que envolvem resíduos se alinham ao conceito de “bioeconomia circular”, focado em eficiência em água, energia e carbono, com retorno de insumos ao ciclo da natureza. Segundo estudo do WRI Brasil, um novo padrão de desenvolvimento, com investimentos em bioeconomia, pode adicionar R$ 40 bilhões anuais ao PIB da Amazônia a partir de 2050, criando 312 mil empregos adicionais e conservando mais 81 milhões de hectares de florestas.
Thiago Monteiro, CEO da Amazon BioFert, aponta que seu negócio no Amapá usa o caroço do açaí como matéria-prima para produzir biofertilizante e condicionador de solo. “Queremos transformar problemas ambientais em soluções e valor de mercado“, enfatiza. A inovação pretende resolver um dos maiores gargalos da região: a falta de fertilizantes, melhorando a produtividade agrícola em até 50% e reduzindo desperdícios.
O ecossistema de startups e empresas tradicionais na Amazônia está demonstrando que é possível unir desenvolvimento industrial e sustentabilidade. A integração de diferentes setores e o uso de recursos locais em uma bioeconomia circular não apenas valorizam a biodiversidade da região, mas também têm o potencial de trazer benefícios econômicos significativos, ao mesmo tempo em que contribuem para a mitigação das mudanças climáticas e do desmatamento.
Inovação em resíduos de açaí
A startup amapaense Engenho, liderada por Lázaro Gonçalves, foca na transformação dos resíduos de açaí em bebidas aromáticas semelhantes ao café. O desafio inicial foi aprimorar sabor e aparência, mas com alta concentração de vitaminas e antioxidantes, o produto tem potencial para mercados externos interessados em alimentação saudável de origem sustentável.
A pele do pirarucu, um dos maiores peixes de água doce do planeta e nativo da Amazônia, também está sendo valorizada. Antes descartada como resíduo, agora ganha vida nova como couro na indústria da moda. Frank Portela, cofundador da Yara Couros no Amapá, destaca o benefício ambiental de evitar o descarte desse material em aterros sanitários.
![Pedal de bicicleta feito de açaí? Idesam vem mostrando como fazer bioeconomia na Amazônia Yara Couro](https://brasilamazoniaagora.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Yara-Couro-foto-Divulgacao-2-1-566x630.jpg)
Novos horizontes na indústria do couro
Portela, que já atua na fabricação de produtos de couro tradicional, vê potencial na diversificação para couros de peixes como pirarucu, pescada-amarela, corvina e tilápia. Com investimentos de R$ 2 milhões, a empresa está instalando uma planta-piloto para validar a produção em maior escala.
Leia a matéria sobre essa iniciativa em:
Desafios e oportunidades
“Um dos desafios é vencer barreiras de custos para garantir uma remuneração justa aos fornecedores na ponta inicial da cadeia“, explica Portela. No entanto, o material tem alto valor agregado. Enquanto o metro quadrado do couro de boi é vendido a R$ 80, o couro de pirarucu pode alcançar R$ 1,4 mil. Isso se reflete nos preços finais dos produtos, como bolsas que chegam a custar R$ 2,5 mil em grifes de moda.
Estas iniciativas reforçam a ideia de que o desenvolvimento sustentável e a inovação podem andar juntos, especialmente em uma região rica em biodiversidade como a Amazônia. Além de gerar novas oportunidades de negócio e emprego, esses projetos ajudam a preservar o meio ambiente ao dar um destino sustentável a resíduos e subprodutos. Ao mesmo tempo, abrem caminhos para a valorização da biodiversidade local e para a mitigação dos impactos ambientais, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento sustentável.
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