“Há 50 anos, nossos precursores sempre encaravam como um desafio espinhoso e, ao mesmo tempo, delicioso empreender na Amazônia. Aprendemos com eles, a assimilar as lições de viver aqui, ajustar a cultura do empreendedorismo para ajudar a reduzir as acirradas diferenças entre o Norte e o Sul do Brasil, respirar a atmosfera florestal envolvente e transpirar sentimentos comprometidos com sua proteção.”
Entrevista com Jean Marc Hamon, , Diretor BIC Amazônia, Conselheiro do CIEAM
Por Alfredo Lopes
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“Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Em que medida esta frase de Arquimedes pode nos ajudar a compreender a história da BIC no mundo e na Amazônia?
Jean Marc – Refletindo sobre a trajetória da empresa a partir da Europa, e há 50 anos na Amazônia, a alavanca da BIC, sem sombra de dúvidas, é a cultura da empresa, seus fundamentos éticos, expressos em seus valores, objetivos e missão. Marcel Bich, nosso fundador, era movido por uma cultura muito forte de empreendedorismo e, ao mesmo tempo, de simplicidade, um valor determinante que se mantém em nossos dias. O empreendedorismo para poder revolucionar a escrita e a simplicidade para fabricar produtos singelos, como uma caneta acessível a uma infinidade de pessoas. A simplicidade desse produto, com um valor que pudesse ser alcançado por uma quantidade enorme de pessoas, alavancou a empresa.
Um objeto, que antes era cercado de luxo, a um custo que poucos podiam acessar, se universalizou. Antes da caneta BIC, só havia a caneta tinteiro, ou aquela que usava pena de aves nobres, molhada na tinta para escrever. Depois, vieram aquelas com penas de aço acessíveis a poucas pessoas. Quando a empresa lançou a caneta BIC, em 1950, foi um alvoroço a mostrar seus impactos de imediato.
Primeiramente nas vendas de muitos milhões, depois bilhões, de unidades. Um artefato simples que trouxe consigo muita energia e engenhosidade. E esta pequena e imensurável alavanca, na prática, moveu uma cultura empreendedora, em forma do ponto de apoio representado pelo trabalho das pessoas. E como dizia o poeta Virgílio, antes da Era Cristã, Omnia vincit labor, O trabalho vence tudo. E o resultado logo foi-se espalhando pelo mundo afora.
Os valores originais dessa cultura foram facilmente assimilados pelos colaboradores na ocasião: a Ética, a Simplicidade, o Trabalho em Equipe e a Engenhosidade. E tudo isso, permeado pelo cultivo permanente do espírito de confiança. A caneta BIC foi lançada em 1950 e, seis anos depois, já estava no Brasil e na maioria dos países da Europa e no Norte da África. Em 10 anos, a empresa já operava em todos os continentes. E nessa época, não havia internet, a comunicação era precária. Mesmo assim, com alguns telefonemas, Marcel Bich achava as pessoas que se identificavam com os valores de sua cultura.
Atentas aos imperativos competitivos envolvendo questões sociais e climáticas, as empresas passam a adotar a metodologia ESG. Quais as medidas tomadas pela BIC, empresa que atua na Amazônia há 50 anos, para assimilar os conceitos da ESG?
Jean Marc – O conceito da ESG, adotado pela BIC Amazônia tem uma história de aprimoramento e qualificação de governança corporativa. Começou com a implantação da ISO 9000, exigida pela Suframa, órgão que gerencia incentivos fiscais como instrumento de desenvolvimento regional. Todos precisavam de certificação da qualidade, que priorizou os mecanismos da gestão e qualificação de nossa indústria. Os padrões que vieram em seguida serviram para apontar as vantagens de termos boas auditorias, pessoas qualificadas que vem aferir nosso desempenho, seus avanços e benefícios.
Em seguida foi implementada a ISO 14000, focada no meio ambiente e nas melhorias da redução do consumo de água e energia, resíduos e todos os controles para não agredir os parâmetros ambientais. Na sequência, veio a ISO 18000, priorizando segurança e saúde na empresa. e hoje estamos vivenciando os avanços da ISO 45000, com a revisão da fábrica inteira, incluindo as máquinas. Então, podemos dizer que, aos 50 anos, de acordo com relatos dos auditores externos, estamos certificados e homologados.
E isso significa que estamos no melhor nível brasileiro e mundial de performance empresarial. Foi também implementada a SA 8000, uma certificação mundial da responsabilidade social, ou seja, estamos trabalhando rigorosamente dentro da Lei e dos contratos. Sempre atentos ao respeito mútuo, combate à discriminação de qualquer natureza, ou de abuso em quaisquer relacionamentos do cotidiano. Temos canal aberto aqui e em todas as fábricas do mundo, onde as pessoas podem reclamar de forma anônima.
Além disso temos o compromisso de levar esse conceito para os fornecedores, com quem fazemos treinamentos uma vez por ano. Todo esse conjunto de ações se insere na metodologia ESG, pois precedem sua adoção. E a BIC Amazônia já está com todas essas normas implementadas e num alto grau de maturidade. Ou seja, estamos trabalhando para ser uma referência corporativa da Amazônia para o país.
No detalhamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o Acordo de Paris refere-se à Amazônia como parte do problema ou solução da gestão climática. Como sua empresa interpreta e conduz essa equação?
Jean Marc – Sobre a questão do Acordo de Paris e suas considerações que incluem a proteção da Amazônia, apenas confirmam a importância deste bioma, com a proteção da floresta e das pessoas que aqui vivem. A BIC, através dos seus executivos a nível mundial, tem uma visão genérica da Amazônia, uma visão do que é divulgado pela imprensa, dos relatórios de órgãos. É uma visão externa. Para a BIC Amazônia, o diferencial em relação às outras corporações mundiais, é que nós assimilamos a visão das pessoas que trabalham conosco na fábrica.
O que nos permite dizer que a solução para a Amazônia passa pelos amazônidas, suas expectativas, necessidades e visão de mundo. Portanto, não existe uma solução para Amazônia sem ter uma solução para homens e mulheres que vivem aqui. É algo muito mais complexo do que dar dinheiro para algumas ONGs que, muitas vezes, não sabemos direito o que estão fazendo. E sempre me refiro neste debate ao papel do Polo Industrial de Manaus, embora não seja um especialista no assunto.
A ZFM é uma solução proveitosa para as pessoas da região. É uma possibilidade de desenvolver sem agredir o meio ambiente. Se não fosse o radicalismo de alguns ambientalistas da intocabilidade, poderíamos aproveitar alguns recursos de modo sustentável, e isso não iria destruir a Amazônia. Alguns recursos minerais, a partir do gás natural e outras jazidas, por exemplo. Os insumos da biologia molecular são, com certeza, as respostas que a humanidade procura em termos de fármacos, dermocosméticos e alimento funcional, os suplementos. É importante enfatizar que é sempre muito delicado opinar sobre a Amazônia.
E temos certeza de que as fábricas tem, indiretamente, um papel positivo na proteção da floresta, oferecendo emprego e oportunidades para evitar a economia predatória. Afinal, a indústria da ZFM gera muita riqueza, o que permitiria robustos investimentos para fornecer uma saída econômica que não seja o desmatamento.
Entre os valores e missões de uma empresa que produz artigos escolares, a educação tem destaque como fator de promoção do tecido social e suas implicações na ordem econômica. Qual sua opinião a respeito?
Jean Marc –De fato, a BIC é uma empresa que se consolidou a partir de produtos destinados, particularmente, ao ensino. Antes da BIC, escrever era um privilégio. E nossa empresa colocou no mercado um produto escolar que deu acesso à escrita a milhões e bilhões de pessoas. Diversificamos, com o tempo, nossa linha de produtos, mas não abrimos mão de criar uma Fundação integralmente voltada para a Educação. Com ela, selecionamos criteriosamente e financiamos projetos de extrema relevância educacional, sempre priorizando a ética, o respeito, a simplicidade e o trabalho em equipe, com destaque especial para a criatividade. Esclarecemos que a ênfase no desenvolvimento da criatividade das crianças não abre mão das habilidades fundamentais, como ler, escrever e fazer contas.
Mas a criatividade será a ferramenta decisiva num mundo em que as máquinas são e serão, cada vez mais, encarregadas das atividades repetitivas do cotidiano. A economia será, pois, obrigatoriamente criativa. Um exemplo recente é o ChatGPT 4.0, capaz de escrever como um bom. produtor de conteúdos, resolver problemas, corrigir, sugerir, e até fazer poesias. Basta perguntar qualquer coisa que a Inteligência Artificial responde, sejam perguntas simples ou complexas. E então, o que realmente vai sobrar aos seres humanos, a não ser essa dimensão criativa, que somos capazes de cultivar e expandir. Por isso, a Fundação BIC está financiando projetos com o objetivo de alcançar 250 milhões de crianças até 2050.
De diversas formas, as ações voltadas para desenvolver a criatividade serão financiadas e apoiadas pela Fundação. E nós já estamos mapeando bons projetos para selecionar os melhores, aqui na Amazônia. E educação foi motivo especial de celebração de nosso Cinquentenário na ZFM. Nos festejos, anunciamos que cada fábrica vai dispor de um valor em dinheiro, para ajudar a escola da comunidade e seu entorno. Municípios do interior, como Itacoatiara, Manacapuru, Presidente Figueiredo, por exemplo, vão poder apresentar projetos destinados exclusivamente para educação. Além do valor, entraremos com voluntários da empresa, comprometidos com o desafio educacional.
E o item básico é o da manutenção. Isso significa deixar o espaço escolar do melhor jeito que possa impulsionar o espírito criativo das crianças. Vamos iniciar com R$200 mil/ano, que podem beneficiar um ou mais projetos, de acordo com as prioridades. Com esses recursos iniciais, já podemos prever muita criatividade como prenúncio de novas oportunidades em múltiplas direções.
Passado os 50 anos de implantação da BIC na Amazônia, que lições e descobertas foram assinaladas nesta caminhada empreendedora no coração da floresta?
Jean Marc – Esta questão me permite voltar ao tema do empreendedorismo. A importância de uma cultura que seja bem estruturada no alicerce da ética, da simplicidade, do respeito mútuo e no trabalho em equipe, premissas da confiança como valor sagrado, como conduziu o fundador da empresa Marcel Bich. Na celebração dos 50 anos da BIC Amazônia, fizemos questão de recuperar/destacar/propagar este lado empreendedor.
Por isso, lembramos a figura do Dr. Douglas Ribas, um advogado, que era consultor jurídico da BIC em São Paulo, nos anos 70, a quem coube a espinhosa missão de explicar o funcionamento da ZFM em Manaus, assim como o intrincado sistema tributária para os executivos da BIC na França.
Hoje, tenho certeza, que valeu muito mais toda confiança que eles tinham no Dr. Douglas, do que as explicações que deu aos executivos. Então, no final das contas, o valor da confiança que ele desfrutava diante da empresa, acabou definindo a vinda para Manaus. A confiança, portanto, mais uma vez, influenciou fortemente o empreendedorismo corporativo. Mais tarde, quando começamos a produção de isqueiros, os relatos da época de instalação de uma fábrica no coração da maior floresta tropical do planeta, eram compartilhados como uma verdadeira epopeia, uma aventura inesquecível.
Estes relatos influenciaram minha decisão de mudar de vez para Manaus, contagiada pela poderosa energia do empreendedorismo e da confiança que paira no ambiente BIC desde sempre. Há 50 anos, nossos precursores encaravam como um desafio delicioso empreender na Amazônia. Aprendemos, assim, a assimilar as lições de viver aqui, ajustar a cultura do empreendedorismo e ajudar a reduzir as acirradas diferenças entre o Norte e o Sul do Brasil, respirar a atmosfera florestal envolvente e transpirar sentimentos comprometidos com sua proteção.
Acredito que, se fôssemos a outro lugar, com um sistema burocrático e controlador, como tem muitos por aí, nada disso teria acontecido. O empreendedorismo se transformou em coragem e gerou aprendizados e conquistas preciosas, cinquenta anos depois. Muito obrigado, Amazônia e Amazônidas!
Jean Marc Hamon é diretor industrial da BIC Amazônia, Universidade Saint Brieuc
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