Insistência em criar alíquota única para as empresas, e não mais de uma distinguindo setores, explica fracasso
A reforma tributária naufraga mais uma vez. Com a sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) cancelada nessa quarta-feira por falta de quórum, o cenário dos “pessimistas”, de que mais uma vez o tema renderia muita discussão e nenhuma decisão, vai se consolidando. E o fracasso do Congresso e do governo nesse tema de mais de três décadas traz ensinamentos importantes sobre falta de sensibilidade política e de leitura da complexidade do Brasil.
Está claro que o velho ditado (ou chavão) político de que o “ótimo é inimigo do bom” mais uma vez se prova verdadeiro. A coluna não pretende ser exaustiva sobre as diversas questões que envolvem esse tema de alta complexidade, mas considera que essa nova frustração reforça pontos a serem considerados nas próximas tentativas.
Um deles é sobre a necessidade de se trazer o amplo e diverso setor de serviços para realmente propor soluções e não deixá-lo como ator coadjuvante que, desesperado, se preocupa mais em jogar contra para preservar seu status quo. Na véspera da votação marcada para CCJ, houve verdadeiro esforço de representantes do setor junto a senadores para melar a votação. E conseguiram.
O centro da preocupação dos serviços é a alíquota única do IBS para todas empresas. Era a mesma inquietação que fez a categoria travar a votação da CBS (que só unificava os tributos federais) na Câmara: receio de um forte aumento de carga tributária. Só na parcela federal, a subida poderia ser de 3,65% (para alguns setores) para 10% a 12%.
A alternativa para isso seria trabalhar com mais de uma alíquota, distinguindo os setores de serviço e indústria. No livro A Reforma da Tributação Das Empresas, cujo pré-lançamento do segundo volume estava marcado para essa quarta-feira no Congresso, o advogado e especialista no tema Fabrício Alves Quirino mostra no artigo de sua autoria que a vasta maioria dos países trabalha com mais de uma alíquota em seus sistemas de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA). No texto, lembra, os países da União Europeia trabalham de duas a cinco faixas de tributação. A única exceção que opera com uma só faixa é a Dinamarca.
Em conversa com o JOTA na véspera do evento, Quirino ressaltou a crítica feita em seu texto que aponta os desafios para o Brasil chegar no padrão da OCDE em termos de tributação. Além disso, ponderou que a PEC 110 em tramitação enseja riscos relevantes de aumento da carga tributária.
Já o secretário-adjunto da Receita Federal, Sandro Serpa, defendeu a tese da alíquota única no IBS/CBS. Um dos 30 autores do livro organizado por Quirino, a quem recebeu junto com o JOTA em seu gabinete na terça-feira, Serpa argumentou que trabalhar com mais de uma alíquota adicionaria complexidade ao sistema, uma das questões que a reforma pretende resolver, e, dadas as interseções entre bens e serviços na sociedade moderna, haveria risco de muita judicialização.
O secretário, com vasta experiência no tema, tem um bom argumento, que também vem sendo vocalizado por grandes especialistas, como a coordenadora do núcleo de tributação do Insper e ex-assessora especial do ministro da Economia Paulo Guedes, Vanessa Canado, em webinar realizado com o JOTA recentemente.
Porém, é preciso considerar que a ideia de se trabalhar com alíquota única no Brasil vai sempre esbarrar na forte preocupação com o aumento da carga tributária em um setor intensivo em mão de obra.
“Desde 2015 o setor de serviços fala da possibilidade de avançar com uma reforma que melhore o sistema tributário, desde que tenha alíquotas variáveis para impedir aumento de carga sobre os setores. Os autores das propostas não aceitam e com isso continuam com problemas que afetam sua competitividade”, argumentou ao JOTA o consultor de entidades do setor de serviços e diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali.
Ele lembra que o Brasil tem uma base tributária que separa bens e serviços e isso não pode ser ignorado. “Empresas foram construídas sobre essa base. Além disso, mesmo que crie alguma dificuldade, acaba sendo bom a diferenciação, pois nos impostos sobre o consumo, em geral, onera menos os setores que empregam mais, visto que temos uma carga altíssima sobre a folha”, afirmou Casali, lembrando que há emendas à PEC que propuseram essa diferenciação de alíquotas. “Quase 90% da população brasileira é das classes C, D e E. Qualquer aumento sobre os serviços diminui diretamente a demanda e prejudicaria pesadamente os empregos das classes C, D e E”, completou.
O debate é de uma complexidade enorme e tem uma série de outras nuances, como as questões federativas, que não temos tempo para tocar aqui. De qualquer forma, fica claro que o caminho para a reforma andar é aceitar o bom no lugar do ótimo. E mesmo assim isso demandaria outros movimentos.
Um deles é o governo federal entender que, para ter um sistema tributário mais saudável, racional e justo, precisará aceitar perdas de arrecadação. Por isso, um ambiente de crescimento econômico intenso, no qual a arrecadação fica em alta e as condições fiscais estão mais robustas estruturalmente, é condição importante e a qual não temos no momento.
Infelizmente, o Brasil deve terminar mais um governo sem qualquer reforma tributária. Que pelo menos o aprendizado dos fracassos nesse último quadriênio sirvam para, como ocorreu na Previdência, fazer com que os próximos governo e Congresso acelerem o passo para tornar o sistema de impostos e contribuições minimamente decente.
FABIO GRANER – Analista de economia do JOTA em Brasília. Foi repórter e colunista de economia no Valor Econômico e também atuou no Estadão, DCI e Gazeta Mercantil, com mais de 20 anos de experiência, incluindo setor público. E-mail: [email protected]
Fonte: Jota
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