Operação deflagrada hoje a pedido do STF cumpre mandados de busca e apreensão contra o ministro do Meio Ambiente e afasta 9 autoridades, incluindo o presidente do Ibama, Eduardo Bim
A Polícia Federal cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em São Paulo, Distrito Federal e no Pará, com o objetivo de apurar crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando de produtos florestais no Ministério. A operação, batizada Akuanduba, teve início por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que também determinou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Salles. Além disso, Moraes ordenou o afastamento preventivo de 9 agentes públicos ocupantes de cargos e funções de confiança no Ibama e no Ministério do Meio Ambiente, entre eles Eduardo Bim, presidente do Ibama desde o começo da gestão de Salles.
Além de Bim, foram afastados também o assessor especial do gabinete do ministro do Meio Ambiente, Leopoldo Penteado Butkiewicz; o superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Wagner Tadeu Matiota; o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães; o analista ambiental e diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Ibama, João Pessoa Riograndense Moreira Junior; o também analista ambiental e coordenador-geral de Monitoramento do Uso da Biodiversidade e Comércio Exterior do Ibama, Rafael Freire de Macedo; o coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, Leslie Nelson Jardim Tavares; o coordenador de Inteligência de Fiscalização do Ibama, André Heleno Azevedo Silveira; e o analista ambiental do Ibama no Pará, Artur Vallinoto Bastos. Outro nome investigado é o de Olivandi Alves Azevedo Borges, que ocupou o cargo de diretor de Proteção Ambiental entre janeiro de 2019 e abril de 2020, e depois de secretário adjunto da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, onde ficou até setembro do ano passado.
Conforme apurado pela Polícia Federal, o esquema criminoso envolveria ainda cinco empresas madeireiras: Conflorestas, Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira no Pará (Aimex), Ebata Produtos Florestais, Tradelink Madeiras, e Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras.
Além de Ricardo Salles, a Petição (PET) 8975 emitida pelo STF também determinou a medida cautelar de busca e apreensão contra os outros investigados pela Operação, tanto os agentes públicos quanto as empresas madeireiras, assim como a quebra do sigilo bancário e fiscal.
O mandado inclui a apreensão de bens e objetos que tenham envolvimento direto com as infrações em apuração, além da autorização judicial “para o acesso aos dados constantes nos discos rígidos, mídias e telefones celulares apreendidos, incluindo-se, neste último caso, o histórico de mensagens trocadas por SMS (Short Message Service) e por meio de aplicativos que permitem comunicação telemática (WhatsApp e Telegram), e de correspondências eletrônicas que eventualmente estejam armazenadas nas mídias/aparelhos ou em ‘nuvens’”.
O STF determinou ainda a suspensão imediata do Despacho nº 7036900/2020/GAB/IBAMA, publicado em fevereiro de 2020, que revogou a necessidade de autorizações para exportação de madeira, e, com efeito retroativo, legalizou milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os anos de 2019 e 2020, sem a respectiva documentação. Com isso, volta a valer a regra anterior, estabelecida pela Instrução Normativa nº 15/2011.
Em fevereiro de 2020, atendendo pedidos da Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta) e da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex), o presidente do Ibama eliminou a necessidade de autorização específica para exportação de madeira de origem nativa em geral, como estabelecia a IN 15/2011. A autorização passou a ser necessária apenas em casos que envolvam espécies em perigo de extinção. A decisão de Bim foi assinada logo depois de uma reunião com representantes de madeireiras multadas em R$ 2,6 milhões, no início de fevereiro do mesmo ano, como mostrou à época a reportagem de Leandro Prazeres, em O Globo.
A apuração da Polícia Federal, que embasa a operação do STF, confirma a participação de Eduardo Bim na reunião com representantes do setor produtivo, da qual teriam participado ainda servidores do ibama, parlamentares e o próprio ministro, e na qual teria sido apresentado o pleito das madeireiras que motivou o despacho publicado em seguida. O texto da decisão judicial reforça ainda que além do esforço incomum e pessoal de Bim para atender a demanda apresentada pelas madeireiras para legalização das exportações já realizadas, “os depoimentos colhidos demonstraram, em tese, uma gestão voltada ao esvaziamento do órgão sob seu comando (especialmente dos setores incumbidos da fiscalização) e uma franca política de perseguição contra os servidores que a ela se oponham, em verdadeiro descompasso com o seu cargo”.
O afastamento do presidente do Ibama e de outros oito agentes públicos no âmbito do Ministério do Meio Ambiente foi justificado pelo ministro do STF em sua decisão, como medida cautelar, visto que, ao menos nesse primeiro momento da investigação, a “manutenção dos agentes públicos nos respectivos cargos poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e de intimidação a outros servidores públicos”.
O texto ressalta ainda que quatro testemunhas ouvidas pela PF manifestaram medo de sofrer represálias do Ibama após os seus depoimentos, uma vez que os acusados ocupam cargos mais altos na hierarquia do órgão.
((o))eco entrou em contato com as assessorias de imprensa do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente em busca de um posicionamento sobre a operação da Polícia Federal, mas até a publicação da reportagem não obteve resposta. O espaço segue aberto.
Autoridades americanas foram ouvidas pela PF
A Embaixada dos Estados Unidos também forneceu à Polícia Federal amostras das respectivas madeiras apreendidas pelas autoridades norte-americanas. O material passará por perícia na PF para verificação da origem geográfica das madeiras. Em janeiro de 2020, o United States Fish and Wildlife Service (FWS) deteve para inspeção três containers de madeira exportados do Brasil pela empresa Tradelink. Como as cargas não possuíam documentação do Ibama, o FWS solicitou ao órgão ambiental a confirmação relativa à legalidade dos embarques. Uma semana depois, uma carta do Ibama informou que as cargas não foram analisadas e que as cargas haviam sido exportadas sem autorização prévia. Entretanto, no mês seguinte, o então superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães, enviou diversas cartas na tentativa de garantir a liberação das cargas, e apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação feita anteriormente pelo próprio Ibama, as cartas do superintendente legitimavam os envios e defendiam sua libertação da detenção.
“Em 25 de fevereiro de 2020, o FWS recebeu uma cópia da Ordem de Interpretação Despacho n° 7036900/2020-GABIN, Processo nº 02001.003227/2020-84, assinada pelo Presidente do IBAMA, Eduardo Bim. Nas páginas finais e Conclusão, a carta forneceu uma explicação das ações do escritório do IBAMA no Pará e uma interpretação de vários processos do IBAMA e das Instruções Normativas, concluindo finalmente que um DOF [Documento de Origem Florestal] de Exportação é suficiente para exportar madeira nativa do Brasil”, conta um trecho do ofício encaminhado pela Embaixada dos EUA. “No entanto, apesar de todas as informações fornecidas pela TRADELINK e IBAMA, os embarques permanecem retidos, em aparente violação de várias Instruções Normativas do IBAMA (lei brasileira), enquanto a verdadeira origem e legalidade da madeira permanece em questão. À luz do exposto, o FWS tem preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da TRADELINK e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica. O FWS abriu uma investigação relativa à TRADELINK EUA, suas práticas de compras, histórico de importação do Brasil e possível envolvimento em práticas corruptas, fraudes e outros crimes”, completa o texto assinado por Bryan Landry, do FWS.
O assessor de Salles
Um dos depoimentos ouvidos pela Polícia Federal, feito pelo servidor do Ibama Hugo Leonardo Mota Ferreira, lotado na Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (SIAM/GAB/IBAMA), indicou o envolvimento do assessor do ministro, Leopoldo Penteado Butkiewicz, que desde janeiro de 2021 teria passado a atuar de forma direta no Ibama. De acordo com a depoimento, o assessor, braço direito de Salles, participaria dos grupos de Whatsapp da superintendência e “tendo por diversas vezes dado ordens diretamente ao depoente e intercedido em favor de autuados”.
Em maio deste ano, Leopoldo Penteado e a testemunha, o servidor Hugo Ferreira, protagonizaram um bate-boca na sede do Ibama, no dia seguinte à publicação de um relatório, assinado por Hugo, que evidenciava a ineficiência do novo modelo de autuações e sanções ambientais impostos pela atual gestão. O episódio rendeu uma denúncia, protocolada por Hugo na corregedoria do Ibama, na qual o servidor relata ameaças feitas por Leopoldo Penteado, endossadas pelo superintendente Wagner Tadeu Matiota.
Despacho já era questionado na Justiça
Em junho de 2020, o Instituto Socioambiental, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente e o Greenpeace Brasil, com subsídios técnicos do Observatório do Clima, já havia protocolado na 7ª Vara da Justiça Federal do Amazonas, uma ação civil pública que solicitava a suspensão imediata dos efeitos do despacho publicado em fevereiro do ano passado, que revogou a necessidade de autorização para exportação de madeira.
Em abril deste ano, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio do Ministério Público Federal também pediu a abertura de investigação para apurar a eventual responsabilidade do presidente do Ibama por assinar despachos que liberaram a exportação de madeira sem fiscalização ambiental, para averiguar se houve improbidade administrativa.
Por decisão liminar de Alexandre Moraes, a validade do despacho foi suspensa nesta quarta-feira (19).
“Vamos ver agora quais crimes que serão descobertos. O fato é que Salles montou um verdadeiro escritório do crime ambiental no Ministério do Meio Ambiente e um dia teria que responder por isso”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
A decisão judicial do ministro do Supremo ressalta ainda um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) envolvendo o ministro, que indicou uma movimentação extremamente atípica envolvendo o escritório de advocacia de que Salles é sócio com 50% de participação. Conforme o RIF, no período entre 1º de janeiro de 2012 e 30 de junho de 2020, foram movimentados R$14,1 milhões. “Situação que recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos”, aponta Moraes.
Clique aqui para ler a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, na íntegra.
Reabertura do caso
O teor da petição (PET 8975) veio de uma notícia-crime apresentada no ano passado contra o ministro Salles pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES), pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) e pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que apontava os supostos crimes de prevaricação e crimes de responsabilidade em razão da manifestação de Salles durante a reunião ministerial realizada em abril de 2020, que eternizou a frase “vamos passar a boiada”.
O caso havia sido arquivado em outubro do ano passado, quando o ministro Alexandre de Moraes acolheu parecer do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que argumentou que na reunião Salles se limitou a manifestar opinião sobre “temas relacionados às diretrizes que poderiam vir a ser, ou não, adotadas pelo Poder Executivo” e que não havia, na petição, nenhum indício real de fato típico praticado por ele. O ministro do STF determinou o desarquivamento a pedido da PF, que apresentou por meio de representação novas provas relacionadas aos fatos descritos na petição.
Líder da oposição na Câmara dos Deputados e um dos parlamentares que assinou a notícia-crime que motivou a petição, Alessandro Molon comentou em suas redes sociais a necessidade de instaurar uma CPI do Meio Ambiente. “Essa operação de hoje da Polícia Federal só reforça a necessidade de se instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] na Câmara dos Deputados com o objetivo de investigar a gestão de Ricardo Salle. Desde que assumiu a pasta, diversas denúncias de atos ilícitos envolvendo o ministro ou subordinados seus se acumulam, e já passou da hora de investigar essas denúncias. Por isso, nós da Oposição vamos reforçar a coleta de assinaturas para instalar a CPI e a nossa expectativa é alcançar o número necessário ainda hoje”, declarou Molon no vídeo publicado nesta quarta-feira (19).
Fonte: O Eco
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