Em ofício, presidente do Ibama afirmou que as proposições “dizem respeito às ações governamentais (políticas públicas) que não competem ao Ibama”. Sociedade civil pede para que MPF tome providências
O presidente do Ibama, Eduardo Bim, ignorou a consulta que o próprio gabinete da presidência estava fazendo nas diretorias do órgão e respondeu, via ofício, que as demandas propostas pelo Ministério da Economia para modificar pontos importantes da legislação ambiental – como ampliar a área de Mata Atlântica que pode ser suprimida sem autorização do Ibama – não cabia ao órgão executor “do Sistema Nacional do Meio Ambiente”. Mais de 130 entidades repudiam a lista com pedidos para flexibilizar a legislação ambiental.
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“Sobre o assunto, informo que as informações solicitadas por esta Secretaria Executiva acerca das demandas apresentadas pelo setor privado e elencadas no Anexo do Ofício SEI nº 123719/2021/ME, dizem respeito às ações governamentais (Políticas Públicas) que não competem ao Ibama, órgão executor do Sistema Nacional do Meio Ambiente, de modo que avaliação das proposições deve ser feita pelas instâncias competentes, as quais se incluem órgãos externos ao Poder Executivo”, resume Eduardo Bim, em resposta enviada no dia 23, um dia após o assunto vir a público.
Assinada pelo secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, Jorge Luiz de Lima, a demanda foi encaminhada em maio para o Ministério do Meio Ambiente e contém 14 propostas que foram levantadas no âmbito do Projeto de Redução do Custo Brasil. Segundo o governo, o objetivo do programa é “identificar e eliminar dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que elevam o custo de se fazer negócios no país”.
Apenas no dia 16 de setembro, há quase duas semanas, a Secretaria Executiva do MMA encaminhou ofício para apreciação do Ibama. O gabinete da presidência do Ibama, por sua vez, direcionou o documento às suas diretorias no último dia 20, pedindo que elas se manifestem até 29 de setembro, no sentido de informar o status de cada proposição feita pelo Ministério da Economia: se “em análise”, “em formulação”, “em tramitação”, “em implementação” ou “implementada”. Com a repercussão da lista na imprensa, essa consulta que estava passando nas diretorias foi cancelada.
Movimento Brasil Competitivo nega ser pai das propostas antiambientais
As propostas de flexibilização ambiental foram criadas pelo Ministério da Economia em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), uma organização da sociedade civil formada por empresários e executivos das maiores empresas do país, como a siderúrgica Gerdau S.A. Ao menos é o que consta no ofício do Ministério da Economia enviado ao Ministério do Meio Ambiente. Em nota, divulgada no dia 22, quando o caso estourou, o MBC, que reúne grandes empresas como a Gerdau, a Amazon, o Google e a Microsoft, publicou uma nota desmentindo a informação e dizendo que o grupo atua na defesa da “competitividade brasileira baseada na economia sustentável, com foco nos pilares de governança e gestão, redução do Custo Brasil, transformação digital e educação.”
Segundo a nota, o Movimento Brasil Competitivo realizou em 2019 um projeto de diagnóstico do Custo Brasil em parceria com o Ministério da Economia, mas que neste estudo “não constam propostas de iniciativas, somente indicadores e comparativos com a OCDE”. O movimento esclarece também que houve uma segunda etapa do diagnóstico, “no mapeamento das iniciativas já existentes ou em desenvolvimento no governo federal que poderiam contribuir com a redução do Custo Brasil, sem entrar no mérito ou defesa de tais propostas. Não participamos da elaboração ou debate das proposições citadas em ofício do Ministério da Economia”, se defende.
Já a Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec) do Ministério da Economia diz que mantém um canal aberto com o setor privado e que quando há demandas, apenas encaminha as demandas para análise do setor responsável antes de responder, pois não cabe à Sepec descartá-la de antemão”.
As quatorzes demandas do setor privado
Na quarta-feira (22), a repórter Cristiane Prizibisczki listou as 14 propostas, algumas delas muito polêmicas, como mudanças na Lei da Mata Atlântica, no sentido de excluir o Ibama dos processos de decisão sobre novos desmatamentos no bioma e enfraquecer os mecanismos de proteção dos remanescentes.
A lista do setor privado ainda contém proposta de revogar resoluções do Conama para extinguir, nos processos de licenciamento ambiental, a lista que serve de referência para as atividades sujeitas à apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA). A definição ficaria a cargo do órgão ambiental competente, propõe o documento da Economia.
O documento também propõe afrouxar as leis que regulam a exportação de agrotóxicos e dispensar de licenciamento ambiental empreendimentos que se utilizem de rejeitos de mineração, como os de Brumadinho e Mariana, pivôs de catástrofes recentes.
Há ainda a solicitação para emissão de licença automática por decurso de prazo, que é quando o órgão ambiental demora a responder. Esse ponto é polêmico porque é no momento da emissão da licença que as condicionantes para a realização do empreendimento são fixadas.
A maioria das mudanças propostas pela Economia e setor privado necessitam de aprovação do Congresso Nacional para serem implementadas.
No entanto, o cenário político indica que o governo poderá tentar revogar resoluções que regulamentam as leis ambientais relacionadas aos temas propostos por meio de atos infralegais, assim como fez Ricardo Salles, ou por meio do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que foi esvaziado por Bolsonaro e hoje é formado majoritariamente por membros do governo.
130 entidades repudiam lista do setor privado
Diferentes entidades e especialistas manifestaram-se, nesta segunda-feira (27), pedindo providências contra as propostas de mudanças nas leis ambientais brasileiras enviadas pelo Ministério da Economia à pasta ambiental. Para os signatários, as propostas precisam ser “devidamente rejeitadas e arquivadas, evitando-se maior prejuízo aos ecossistemas e biomas brasileiros”.
A nota de repúdio foi encaminhada ao Ministério Público Federal, aos Ministérios Públicos Estaduais, à Defensoria Pública da União e dos estados e à Controladoria Geral da União, “solicitando as medidas cabíveis”.
Leia a nota na íntegra.
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