Quem vive na Amazônia ou já esteve em uma área de ocorrência deste bioma pode achar que aquele “mar verde” não tem fim, mas aparências enganam. A maior floresta tropical do mundo — que abriga 30 mil espécies de plantas — está secando lentamente.
Durante o século XX, a temperatura média da floresta aumentou entre 1°C e 1,5 °C. Isso fez com que a estação seca se expandisse, afetando a vegetação. Em 2018, um estudo mostrou que as plantas que dependem mais de condições úmidas estão morrendo em maior quantidade na Amazônia, enquanto as espécies que se saem melhor no tempo seco estão se reproduzindo mais. Isso ocorre ao mesmo tempo em que gigantescos fragmentos da floresta estão sendo cortados e queimados, permitindo que a luz do sol e o vento penetrem no interior da mata. O Brasil tem o maior percentual de Floresta Amazônica, mas já destruiu 19%.
O tipping point
Com a temperatura do planeta subindo e o desmatamento da Amazônia aumentando, cientistas começam a identificar em seus estudos que a floresta se aproxima de um ponto de viragem — o chamado tipping point da Amazônia, como o fenômeno está sendo mundialmente chamado.
A floresta tem mecanismos de autopreservação, como a reciclagem da água para produção de chuvas. Se a seca, o fogo ou o desmatamento destruírem muitas árvores, a redução da precipitação leva a menos vegetação, e assim por diante em um ciclo de contração. Nesse cenário, grandes regiões da Amazônia se tornaram um ecossistema mais parecido com uma savana, mas com muito menos biodiversidade do que as savanas tropicais do Cerrado.
Apenas a Amazônia ocidental mais próxima da Cordilheira dos Andes teria chances de permanecer exuberante — ali, as correntes de ar são forçadas para cima das montanhas, fazendo com que o vapor de água se condense e caia como chuva.
O alerta mais contundente sobre a iminência de um tipping point na Amazônia foi publicado em 2018, em um editorial na revista Science Advances. No texto, o Climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, e Thomas Lovejoy, cientista ambiental da Universidade George Mason, em Fairfax, na Virgínia, afirmam que a floresta pode estar muito próxima de um ponto de inflexão.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão apocalíptica a partir de simulações de cenários futuros, investigando como a floresta chegaria a 2050 a partir do que ela já foi nos anos 1970. Eles concluíram que se o bioma perder apenas 20-25% de sua área, as frações orientais, meridionais e centrais da Amazônia, a maior parte delas no território brasileiro, começariam a se transformar em um matagal seco. Em dezembro de 2019, a dupla repetiu o alerta:
“Se a mortalidade das árvores que vemos continuar por mais 10-15 anos, então o sul da Amazônia se transformará em uma savana”, disse Nobre à revista Nature.
Consequências da mudança da Floresta Amazônica
Se os pesquisadores tiverem razão, as consequências seriam as seguintes: morte de pessoas e de milhões de animais; aumento das emissões de dióxido de carbono na atmosfera, contribuindo ainda mais para o aquecimento global que já afeta florestas em todo o mundo; alteração de padrões climáticos; e menos chuva na América do Sul.
Esse cenário é especialmente assustador para o Brasil, que tem a maior parte do seu PIB concentrado na região Sudeste e grande parte de seu agronegócio industrial instalado em áreas de Cerrado, zonas que dependem das chuvas geradas na Amazônia e distribuídas pelos rios voadores.
Painel Científico para a Amazônia
Nem todos concordam com o número de 20-25%. Para alguns cientistas, estabelecer uma meta como esta pode dar a falsa impressão de que não é perigoso destruir a floresta abaixo desse patamar. Outros apontam a dificuldade em modelar o impacto dos incêndios, já que eles não ocorrem naturalmente e são intencionais, ainda mais em um contexto de mudanças climáticas.
Esse debate já deu origem a um esforço científico importante: a formação de um Painel Científico para a Amazônia, com pesquisadores de diferentes países e áreas de formação que investigam evidências de um tipping point e a condição ambiental geral do bioma. Os resultados serão apresentados na próxima Conferência das Nações Unidas para o Clima na Escócia (COP26), em novembro. Algumas recomendações do relatório já são esperadas, como a necessidade de investir na restauração dos fragmentos de Amazônia que foram destruídos.
No Acordo de Paris de 2015, o Brasil já tinha se comprometido a restaurar 120 mil km2 de florestas até 2030, além de combater o desmatamento. Se o país cumprir sua palavra e investir em atividades econômicas que valorizem a floresta em pé, como a cultura da castanha-do-pará, açaí, guaraná, cacau, cupuaçú, manteigas vegetais de aplicação cosmética e farmacêutica, produção de alimentos em sistemas agroflorestais, entre outros, estará beneficiando não apenas os amazônidas e demais brasileiros, como também ajudando a estabilizar o clima da Terra. As outras florestas do planeta dependem desse equilíbrio.
Este texto é uma homenagem do projeto O Clima Que Queremos ao dia Dia Internacional das Florestas, 21 de março
Fonte: ClimaTempo
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