“…considerar o homem como parte integrante deste bioma, desses ricos ecossistemas, conferindo-lhe o papel de condutor e líder do processo de avanço, e mudança do mundo que o cerca”.
Alfredo Lopes
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Na sequência do projeto Pioneiros e Empreendedores do Brasil e o Estado do Amazonas, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), que está resgatando a história da economia da Amazônia, no século XX, seus empreendedores e protagonistas da resistência logo após o esvaziamento da economia da borracha, Samuel Benchimol, aquele entre os pioneiros que integrou a recomposição da esperança e encarou o desafio da prosperidade na região, voltou à USP, a academia de maior densidade na América Latina.
Aí ele já figura na galeria dos grandes pioneiros do Brasil, que conciliou o saber de seus mais de 115 títulos publicados e o empreender, na dialética do conhecimento com a pertinácia da geração de riqueza e oportunidades. Dessa vez, no Seminário Amazônia: Cenários, Pioneiros e Utopias, o objeto de discussão se deu em torno de Novas Matrizes Econômicas, a partir das lições do pioneirismo na região. Na pauta dos debates, às lições de Samuel Benchimol juntaram-se a saga de Isaac Benayon Sabbá, Petronio Pinheiro, Cosme Ferreira, Antônio Simões, Mário Guerreiro, Moyses Israel, entre outros, que cravaram na história da Amazônia o próprio espaço de prestígio com seu legado empreendedor.
Pela sua importância, o evento se inseriu nas atividades do Programa de Pós-Graduação sobre Pioneirismo Brasileiro, daquela instituição, sob a batuta do professor Jacques Marcovitch, e cumpre o objetivo estratégico de reduzir a distância entre economia e academia, uma equação necessária à escassez de mão de obra em diversas áreas do setor produtivo brasileiro, desde a gestão e liderança, à inovação e ciências aplicadas.
Adicionalmente, o evento focou na maior integração entre dois estados com histórias de similaridades na economia e na história, Amazonas e São Paulo. O curioso nessa incursão da memória do pioneirismo, para jogar luzes no presente e no planejamento de novos cenários, é revisitar a formação econômica de um estado que recebeu, na consolidação do Ciclo do Café, a migração de investimentos que deixaram a Amazônia com a debacle do Ciclo da Borracha, há cem anos.
A história é discreta a respeito, atestando o desconhecimento e distância do Brasil desse Brasil amazônico, que representa dois terços de seu território. Daí a relevância de recuperar a memória para justificar essa brasilidade cúmplice que se impõe e que precisa tornar-se mais ainda robusta pela via do conhecimento da história integral e integrada e da geografia humana.
Gilberto Freyre, ao concluir a leitura de Formação Social e Cultural da Amazônia, de Samuel Benchimol, se deu conta que ali estava mais do que um ensaio sobre a história de uma Amazônia distante, que os compêndios escolares ignoram, mas de uma obra abrangente e obrigatória para o Brasil. “Uma empolgante leitura, um estudo monumental da Amazônia (…) que dá ao saber a dimensão magnífica da sabedoria, e a seu caráter de obra clássica, a modernidade do arrojo futurológico”.
A USP debate o Amazonas, por intermédio da obra de Samuel Benchimol, já há algumas décadas. Em 1992, quando o mundo decidiu escolher o Brasil para analisar a questão climática, na relação entre desenvolvimento e meio ambiente, os países poluidores trataram de escolher as supostas queimadas da Amazônia como o “bode expiatório” do aquecimento global.
Naquela ocasião, a Universidade promoveu o Seminário sobre Alternativas de Desenvolvimento Sustentável na Amazônia, no qual Samuel, conferencista no Fórum Global, apresentou as teses de sua Guerra na Floresta, obra em que antecipou as premissas da sustentabilidade de empreender na região, hoje aceitas por investidores e ambientalistas como parâmetro a seguir.
“O mundo amazônico não poderá ficar isolado ou alheio ao desenvolvimento brasileiro e internacional, porém ele terá que se autossustentar em quatro parâmetros e paradigmas fundamentais: isto é, ele deve ser economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo”.
E foi esse o mote que perpassou o debate acadêmico, no qual a Amazônia surge como referência norteadora de sustentabilidade, na premissa de satisfazer urgências contemporâneas sem afetar as gerações que virão. Referência do século XXI, a região exige a vertente científica que agrega valor aos produtores da nutracêutica, a indústria do rejuvenescimento, com os produtos naturais da Amazônia. A bioindústria se prepara para ocupar espaço e novos rumos para adensar, diversificar e interiorizar a economia na região. A ideologia do preservacionismo, da intocabilidade da floresta, é uma forma de desrespeitar as pessoas que habitam esse bioma. A despeito das infinitas possibilidades da biota, o Amazonas tem 11 municípios entre os 50 piores do país em desenvolvimento humano.
As lições dos pioneiros apontam para o manejo inteligente dos recursos locais, a alternativa correta e eficiente de conservar a natureza e desenvolver capacidades a aptidões das pessoas. A melhor forma de preservar um bem, dizem os sábios, é atribuir-lhe uma função econômica. A Amazônia, com sua extensão e biodiversidade, abriga a resposta para a maioria das perguntas que a ciência tenta responder hoje, na medicina, na agricultura, nas fontes energéticas e na equação enigmática entre crescimento econômico e recomposição dos estoques naturais.
A Amazônia, desse ponto de vista, é “cérebro do mundo”, especialmente se considerada no âmbito de sua amplitude continental. E isso remete à produção e aplicação de conhecimentos e tecnologias no tratamento de sua biodiversidade. Só assim faz sentido preservar a floresta, oferecer oportunidades que assegurem manter em pé a dignidade das pessoas, de todas as pessoas. Este é o alerta e a razão do prêmio Samuel Benchimol.
Artigo publicado no portal IBICT em 2019 e republicado em Agosto de 2021
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