Nossa academia está pronta para oferecer soluções tecnológicas, consistentes, com reconhecimento científico, de mercado, e sobretudo nacional. Dia 13 de maio está chegando e há três décadas a Lei Áurea formalmente se esvaziou e, assim como o tacão da Acatech, o interesse da indústria do Amazonas, segue nas mãos de Brasília, seus caprichos, interesses e distância crônica de nossa realidade, demandas e direitos. Isto é, a serviço do famoso manda quem pode… Até quando?
Alfredo Lopes e Sandro Breval
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“Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?”
O embarque no Navio Tumbeiro, ou Negreiro, é uma analogia às cartas marcadas da escravidão que nos manchou a História desde o desembarque de milhares de africanos acorrentados trazidos como suporte/artefato para a economia colonial nascente das Américas. Essa analogia se refere aos benefícios de alguns e à desumanização da maioria, no caso, a maioria negra em que se transformou a composição étnica e oprimida do país. Isso não deu certo, conduta constrangedora, avant-première da barbárie secular, dado que a segregação, paroxismo racista da exclusão, ainda não cedeu à libertação.
Reportamo-nos, em nossos dias, à indústria 4.0, uma plataforma futurista lançada em 2011, que se tornou cotidiana e – muito mais que uma quarta revolução industrial – se transformou num modelo de negócios. O nascimento na feira de Hannover, há 10 anos, marcou um processo de transição tecnológica e uma iniciativa de retomada da participação da indústria no PIB. Uma visão geral da indústria 4.0 é a introdução de tecnologias para a automação do fluxo de informação com repercussão na cadeia de valor da empresa, com elevada interoperabilidade e eficiência.
O que aconteceu? As empresas passaram a buscar a sua transição por questões de concorrência, de sobrevivência, e sobretudo de um novo posicionamento em seu mercado. E estas empresas demandam perguntas como: “por onde começar? O que fazer? Onde chegar?” Surgiram, portanto, os diagnósticos de medição da maturidade da indústria 4.0, a exemplo da Acatech (Academia de Ciência Alemã). Registre-se que hoje podemos identificar uma centena deles. A necessidade de adoção de um modelo de maturidade é importante para que a empresa consiga identificar, com precisão, suas deficiências e com base nelas desenvolver um plano de ação de melhorias, que poderíamos batizar de liberdade de maturação. O modelo Acatech abrange uma visão de processo, destacando áreas estruturais como recursos, sistemas de informações, estrutura organizacional e cultura medidas em 6 (seis) estágios. Trata-se de um paradigma que não pode ser exclusivo nem impeditivo a outros que diversificam oferta, opções e concorrência, itens inalienáveis da mercadoria, no conceito do materialismo dialético inserido no modo de produção capitalista.
Como um pano de fundo na rotina dos passageiros da agonia representados nas caravelas tumbeiras, podemos destacar a cumplicidade de que Somos todos malungos, isto é, da mesma laia de suor, sangue e lágrima. Eram assim que se tratavam os africanos que desembarcavam no Brasil. Numa versão atualizada, ainda dizemos que fulano ou beltrano é “meu malungo, no sentido de meu chegado”, alguém que posso chamar de quase irmão.
Uma metanálise dos modelos de maturidade foi realizada e publicada, no âmbito do Programa de Pós-graduação de Engenharia de produção da UFAM, onde foi possível classificar os modelos em três grandes pilares de enfoque: gestão, processo e tecnologia. Em grande maioria, os modelos atuam proporcionalmente nos pilares, a exemplo do Acatech, que mede 70% processo, 20% gestão e 10% tecnologia, e sua coleta de dados certamente não oferece validade amostral já que permite poucos registros na ferramenta de medição. E ainda, muitos utilizam médias ou regras básicas matemáticas para apurar o nível ou estágio de maturidade. E poucos retratam as relações da cadeia de valor. O espectro de estágios implica em ampliação de alternativas que retratam o tamanho das expectativas deste segmento tão promissor.
No Brasil já existem algumas iniciativas de medição com modelos próprios e que de uma certa forma espelham a realidade brasileira. É importante salientar que tecnicamente, no caso brasileiro, não faz sentido medir apenas processo, seja pelas restrições das fronteiras internas e externas, seja pelas relações e adaptações das técnicas fabris para o ambiente nacional. Aliás o modelo Acatech está disponível somente em alemão, inglês e turco e muito dependente dos consultores alemães quando da execução do diagnóstico. Isso é bom para quem?
A carta, dizemos, a Portaria, firmada em 2018, atravessou o Atlântico de Navio tumbeiro. Ou seja, os titulares da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec), onde está inserida a Suframa, com um pacote pesado de demandas e desafios em início de mandato, demoraram(?) a entender as amarras tecnológicas impostas pela Portaria nº 2.091- SEI, de 17 dezembro de 2018, publicada em plena transição de Michel Temer para o governo Bolsonaro. Tanto o general Polsin, atual titular da autarquia, como seu antecessor, Coronel Menezes, foram contatados pelos interessados e descobriram que a sugestão veio de Brasília. As empresas instaladas em Manaus, que se inserem no Programa ZFM, de desenvolvimento regional, portanto, são obrigadas a utilizar os grilhões do modelo Acatech, para medir seu nível de maturidade e prontidão quanto à industrial 4.0. Manda quem pode, isto é, os poderosos do convés e, por sincronia, os acorrentados – por obra e graça do alguém que pode – precisam obedecer para receber a comunhão dos “bem-aventurados”, ou malungos comportados, para habilitarem-se ao desembarque.
Quem quiser disputar espaço nas prioridades de verbas de P&D (pesquisa e desenvolvimento) na do Polo Industrial de Manaus voltadas para a indústria 4.0, não pode sequer lembrar de medições mais coerentes com o perfil de seus investimentos. Apenas a Acatech tem o condão, inclusive, de definir percentuais de investimento a partir dos estágios de medição. É importante um modelo referencial, ainda que não seja aderente à realidade brasileira, mas com os cuidados para não engessar o segmento e retardar a nossa transição tecnológica. Não é o caso do Polo Industrial de Manaus. Um modelo único e obrigatório não espelha a realidade do país, limita, em termos de medição, em outra língua, e não abrange o alcance da cadeia de valor. Isso não faz qualquer sentido. Defendemos que o modelo deve sempre contemplar maturidade e prontidão, sendo a maturidade relacionada com gestão e processo e prontidão com a tecnologia. Sua coleta de dados deve alcançar todos os níveis organizacionais e, se possível, os atores da cadeia de valor (fornecedores e clientes), e de preferência em nossa língua-pátria.
O pintor Jean-Baptiste Debret “fotografou” um escravo com Máscara de Flandres, em 1835. Essa máscara era usada para prender, transportar, maltratar ou sujeitar os escravos. Até aqui foram inúteis as tentativas de debater e rever as amarras da escolha tedesca, típicas dos passos de ganso do exército da Alemanha da II Guerra, do mesmo modo que o decreto assinado pela Princesa Isabel, em 1888 – que entrou em caducidade legal 100 anos depois – segue transformado em bandeira abolicionista efetiva e substantiva, à luz da realidade racista e opressiva em que vivemos.
Existe uma característica na realidade brasileira que deve ser contemplada: a interoperabilidade como um vetor de mitigação dos riscos da cadeia de valor. A exemplo do PIM, as empresas que atuam com JIT-KANBAN possuem uma operação adaptada para que consigam abastecer a linha de produção.
O que se passa é a necessidade das empresas de um entendimento dimensional de suas lacunas, sendo que tais dimensões estariam afetas ao comportamento da entidade principal da empresa (produto e serviços) ao longo do processo de transformação. Por isso que precisamos obter a percepção – o modelo deve demonstrar – de qual momento a empresa deve mudar e como.
Na Alemanha a relação da manufatura e a logística possui uma interação específica, a qual aqui no Brasil é completamente diferente. É claro que as variáveis da indústria 4.0 não mudam, mas sua aplicabilidade e ambiente são muito distantes dependendo do segmento e do porte da empresa.
Medir se a empresa coleta dados é o básico, precisamos entender o que ela faz com eles, se de fato ocorre a migração do conceito “on-line” para o “in-line” que implica em melhor gestão, processos mais eficientes e tecnologias voltadas para a realidade da planta fabril. Fora isso, em lugar do livre direito de pensar, escolher e agir, o que nos impõem é máscara de flandres.
Em 2018 a Lei Áurea, a lei de Ouro, não se sabe bem pra quem, tinha em seu teor a data de 100 anos de validade. Em 2018, ela já estava caduca, portanto, há 30 anos.
“Com base na permanência da escravidão sob outras formas, constata-se que não são apenas as velhas formas que se inserem nas novas, mas as novas recorrem às velhas sempre que possível”
Leonardo Sakamoto, USP, 2008.
As empresas devem escolher como medir sua maturidade e desenvolverem seus planos de ação (roadmap), a partir de sua realidade e ecossistema de negócios. Obviamente que ela precisa utilizar modelos que tenham características técnicas adequadas, testados e implantados em empresas no Brasil.
Nossa academia está pronta para oferecer soluções tecnológicas, consistentes, com reconhecimento científico, de mercado, e sobretudo nacional. Dia 13 de maio está chegando e há três décadas a Lei Áurea formalmente se esvaziou e, assim como o tacão da Acatech, o
interesse da indústria do Amazonas, segue nas mãos de Brasília, seus caprichos, interesses e distância crônica de nossa realidade, demandas e direitos. Isto é, a serviço do famoso manda quem pode… Até quando?
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