“Não podemos estigmatizar a Amazônia com a errônea visão de que ela é uma geradora de pobreza.”
Juarez Baldoino da Costa
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Conceitualmente considere-se que a Amazônia ora abordada e que não compõe o PIB do G20 incluindo o do Brasil, é a que está no imaginário do planeta, ou seja, a Amazônia biológica da superfície, na qual se encontram a seiva da seringueira, os propalados créditos de carbono, a madeira, o abacaxi certificado, o açaí e as queimadas, estas, mesmo invisíveis para alguns, são as mais conhecidas referências.
Esta Amazônia é a mesma exaltada em 22/09/20 pelo senador Flávio Bolsonaro no Senado Federal após sua recente visita à região quando postou vídeo da floresta visitada, a mesma sobre a qual o Pará ressaltou através dos traços do açaí na folha de sua Marca Pará para o turismo, a que está nas pinturas de Moacir de Andrade expostas na recepção da sede da Suframa por onde transitam investidores, no vídeo do CODESE – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Manaus que lançou ontem, 23/10, a campanha para a Marca Manaus apoiada pelo Grupo TV Lar, com uma onça e uma arara na imagens.
O barco Capt.Peacock faz expedições incluindo pescarias de tucunaré por USD 8 mil por pessoa segundo consta em seu site (https://www.captpeacock.com/itinerary-dates-rates.php), e não inclui nenhuma paisagem que não seja a floresta natural.
O PIM – Polo Industrial de Manaus tem a marca de uma Garça em pleno voo que deve ser exibida em todos os produtos lá produzidos, e o polo só existe porque existem a floresta e seus obstáculos naturais.
Aos turistas dos transatlânticos endinheirados que passam pelo Ver o Peso, por Parintins ou por Manaus e que trazem divisas, o que se lhes mostra são as penas dos pássaros, o artesanato indígena e os dançarinos de Boi Bumbá com seus trajes de elementos da floresta. Não querem ver pasto nem soja nem estradas, e certamente não viriam a Amazônia se somente isto houver.
Também as questões climáticas às quais se tem dado valor expressivo, estão relacionadas tão somente à Amazônia biológica da superfície, tema sobre o qual a ex-presidente do Equador Rosalía Arteaga, também membro do Conselho da PanAmazônia do qual fora presidente anteriormente, foi eleita em 22/10/20 como uma das mais influentes personalidades mundiais pela ONG Sachamama.
A questão climática foi também objeto do estudo global do LBA – Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia Liderado pelo Brasil, o maior projeto de cooperação científica internacional já criado, com a meta de estudar as interações entre a Floresta Amazônica e as condições atmosféricas e climáticas em escala regional e mundial, que incluiu Prêmios Nobel e a NASA entre seus participantes. Deste experimento se descobriu, por exemplo, a relação das chuvas para Itaipú e para os plantios do Centro Oeste.
O Exército Brasileiro tem originário no CMA – Comando Militar da Amazônia o brado Selva!, e seu símbolo é uma onça pintada.
Os fármacos e outros potenciais recursos da floresta não contribuem ainda com o PIB brasileiro por desconhecimento generalizado, principalmente por falta de pesquisa, situação que não permite avanço para o resultado do trabalho do Museu Goeldi em Belém ou do INPA – Instituto de Pesquisas da Amazônia, ou ainda do CBA – Centro de Biotecnologia da Amazônia em Manaus. Todos eles precisam de floresta antes mesmo dos recursos.
O Estreito de Óbidos no Pará registra diariamente a vasão do Rio Amazonas em 3.000 litros de água para cada um dos 7,6 bilhões de habitantes do planeta. A ONU considera necessários 300 litros por dia por habitante. Esta é a Amazônia da superfície.
Por todo este contexto, a floresta parece paradoxalmente ser mais produtiva e geradora de benefícios estando inerte.
No sentido apenas figurativo evidentemente, sem a floresta, perderiam a razão de ser ou até deixariam de existir as excursões do barco Peacok, os convites de Bolsonaro no Senado, os cruzeiros dos transatlânticos endinheirados, os objetivos do INPA, do CBA e do Museu Goeldi, a Garça do PIM e a folha da Marca Pará.
Há narrativas ainda de que as colheitas do Centro Oeste diminuiriam e as turbinas de Itaipú precisariam lidar com menor vasão hídrica.
Não mais caberia o brado militar de Selva!
Por este contexto é que pude concluir que:
“Talvez não haja no planeta um lugar com tanto valor sem ação humana, e que se desvalorize tanto pela sua interferência”.
As atividades exógenas ao território como as plantações extensivas de grãos e as pastagens para o gado não podem ser consideradas como produto amazônico por não terem qualquer relação com a Amazônia, estando fora do imaginário mundial de “floresta amazônica”. A mineração da Amazônia também não tem qualquer relação com o bioma da superfície por ser originada do subsolo e, portanto, também fora do imaginário mundial; os minérios estão a salvo das queimadas e das questões climáticas.
Assim como o Rio de Janeiro é conhecido e admirado no planeta pelas praias e pelo carnaval, e não pelo petróleo da Bacia do Pré-Sal, a Amazônia é conhecida e admirada no planeta pelas suas características geográficas e de relevo, e não pelos minerais ou pastagens e plantações.
Esta Amazônia é justamente a que não contribui com o PIB em volume que se possa destacar, e é a que, entendo, não será o caminho obrigatório para o Brasil se desenvolver no curto ou no médio prazos.
Entretanto, já fazem parte do PIB brasileiro de forma expressiva, a soja da Bahia ou de Mato Grosso, o ferro de Goiás e o da líder Minas Gerais e o amazônico de Carajás no Pará, o nióbio de Araxá-MG ou o de Pitinga no Amazonas, e o petróleo do Rio de Janeiro, como foi o manganês da Serra do Navio no Amapá.
A Potássio Brasil assim que atender aspectos legais obrigatórios de seu projeto deve iniciar as operações de extração do mineral em Autazes no Amazonas, e só não começou antes porque houve lapso no entendimento da legislação.
Entre os 10 principais produtos exportados pelo Brasil, nenhum é da Amazônia biológica.
São amplos os benefícios gerais das exportações irradiados para a economia, e para os amazônidas que trabalham no setor, os salários, os planos de saúde e a capacitação profissional talvez sejam os principais.
Contudo, nada disto tem a ver com a Amazônia mundialmente conhecida e discutida, a Amazônia do clima, do turismo, do carbono, dos fármacos e do dito potencial dos demais produtos florestais. O subsolo brasileiro é rico em minerais, em qualquer de suas regiões.
Considere-se ainda que a mineração no planeta é uma das atividades mais geradoras de Caixa do sistema econômico, em razão de que, em sua maioria, não têm custo de compra e definem o preço de venda. Diferentemente, uma loja que vende fogão tem no custo de compra da fábrica o seu maior custo.
Os benefícios da mineração também são amplos na economia, a exemplo das exportações, e igualmente para os amazônidas que nela trabalharem, o salário, os planos de saúde e a capacitação técnica talvez sejam também os principais resultados. Os demais fatores de produção são distribuídos principalmente para fabricantes de equipamentos, insumos e operações de logística.
Todos estes setores exportadores e minerais que têm relação com a Amazônia empregam determinado contingente de mão de obra, muitos originários de fora da Amazônia.
Assim, entendo que distribuir riqueza amazônica mineral ou vegetal para os milhões de amazônidas ainda não inseridos nestas atividades (através de salários e outros benefícios indiretos), não está no horizonte, mesmo porque esta riqueza teria ainda que ser produzida adicionalmente aos volumes reais atuais.
O conjunto econômico amazônico atualmente produzido emprega determinado número de pessoas. A Vale em Carajás, por exemplo, uma das maiores empregadoras, tem cerca de 10.000 funcionários, e no Brasil, a mineração como um todo emprega cerca de 190.000 pessoas. Se considerarmos apenas os 8 milhões de amazônidas moradores fora das áreas urbanas, dos quais estimo que a metade estaria apta ao trabalho, seriam necessárias 3 centenas de mineradoras do porte da Vale. Uma só a mais já seria um grande empreendimento; o que se dirá de outras 299? O que minerariam e para qual mercado?
Este quadro não é factível.
Garimpo, outra possibilidade, aguarda formato que evite as práticas comuns já conhecidas desta atividade como a disseminação de exploração sexual, a criminalidade, desvio de produção, invasões de terras, sonegação de tributos e a degradação ambiental. Além disto, o resultado não será exclusivo para os amazônidas, que disputarão os lucros com garimpeiros profissionais vindos de todos os lugares, inclusive da china.
Com relação ao conceito de intocabilidade da Amazônia, data vênia, entendo que não há intocabilidade para a exploração mineral na Amazônia, dado que a legislação é federal e não regional. Pode-se até criticar a intocabilidade nos seus exageros eventualmente existentes para a exploração mineral, mas desde que para qualquer região do país, sem exclusividade para a Amazônia. Sabemos, entretanto, que o caminho para mudança no quadro regulatório é o Congresso Nacional.
Carajás (Vale), Pitinga (Paranapanema), Juruti (Alcoa), Barcarena (Hydro) e outras áreas de mineração amazônica estão operando normalmente há décadas e a princípio se entende que estariam cumprindo a legislação, mesmo que hajam acidentes, sem entrar neste mérito. Entendo, por este prisma, que não há impedimento nem intocabilidade.
Quanto a intocabilidade da floresta, neste mundo de espertos, o cuidado é conseguirmos evitar o efeito da semente da seringa levada para a Ásia sem autorização do Brasil no século passado. A pirataria é desenfreada, e embora talvez se tenha a impressão de haver amarras, e conhecendo mais detalhes da regulamentação, se pode reler a situação até para redefinir até onde deve ir a regulamentação, desde que dentro do limite da proteção dos interesses nacionais. Novamente me parece que o caminho é somente o Congresso Nacional.
Isto não quer dizer em absoluto que não se deva desenvolver já a Amazônia, desejo elementar de todos.
A par das considerações dos efeitos que as exportações e a mineração amazônica teriam para os amazônidas como já acima comentado, há questões que ainda não estão suficientemente consensadas.
Para tratar de desenvolvimento, penso que a questão é, primeiro: caracterizar o que é desenvolvimento para a região – e isto certamente não é cobri-la de asfalto e erigir centenas de Shopping Centers, pelo menos nas próximas décadas, que é também o padrão Sul/Sudeste; segundo: é preciso considerar que os 17,7 milhões de habitantes das 9 capitais e das áreas urbanas das demais 763 cidades da região amazônica, utilizam cerca 772 mil Km² (na base de 1.000 Km² cada uma), com uma densidade demográfica média de 23 habitantes/Km²; gerar atividade econômica, levar saneamento, educação e saúde nestas condições, tem um determinado grau de dificuldade. Mas para os 4,3 milhões de KM² restantes ocupados por 8 milhões de amazônidas que habitam as áreas rurais ou florestais propriamente ditas, sem infraestrutura, com uma densidade média demográfica de 1,86 habitante por Km² chegando certos locais a 0,5 habitante por Km², o grau de dificuldade é por vezes intransponível.
Assim, data vênia, não me parece que há uma população de “milhões de brasileiros no limite máximo da pobreza”, pelo menos não entre os 17,7 milhões de amazônidas urbanos; se há pobreza entre eles, e há, não é causada pelas políticas da Amazônia com a qual pouco se relacionam, mas sim pelos mesmos motivos da pobreza da periferia de São Paulo ou Aracajú, todas de cunho nacional, em nada relacionadas à Amazônia, oriundos da política nacional para o tema.
Não podemos estigmatizar a Amazônia com a errônea visão de que ela é uma geradora de pobreza.
Não há recursos nem objetividade nem viabilidade econômica ou social em prover infraestrutura razoável para densidades demográficas de menos de 2 habitantes por KM².
Caracterizando e definindo o que é desenvolvimento para a região, e admitindo a realidade de seu ambiente físico e social, se poderá desenvolver a Amazônia, mas do seu jeito.
De outra forma, serão só desejos.
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