“Descobrimos também que a generosidade e o voluntariado são as melhores coisas que vão sobrar para o novo normal. Por isso é que não vamos parar o exercício de movimento solidário.”
Entrevista com Régia Moreira Leite
Considerada a melhor surpresa entre os novos conselheiros indicados em 2019 pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas, a empresária Régia Moreira Leite deu um toque feminino numa entidade de classe composta historicamente por lideranças masculinas. Durante a pandemia, em vez de isolamento ela foi para as fábricas coletar e distribuir toneladas de alimentos na periferia de Manaus e produzir em sua empresa equipamentos de proteção individual para doar aos profissionais da saúde. Nessa entrevista ela compartilha essa experiência. Confira por Alfredo Lopes
1. BrasilAmazoniaAgora- O que significa deixar a empresa numa hora tão complicada de pandemia para assumir um trabalho voluntário e solidário junto à população mais vulnerável e aos profissionais de saúde sem equipamento de proteção ?
Régia Moreira Leite – A COVID-19 pegou a todos nós no contrapé. E logo percebemos que também o poder público não estava preparado para enfrentar essa tragédia. Os equipamentos de proteção para os profissionais de saúde, tradicionalmente vindos da Ásia, ficaram pelo caminho e o cidadão e sua família, com os quais não nos preocupamos diretamente, com o isolamento, perderam oportunidade de ganhar o pão de cada dia. Em pouco tempo, a fome bateu em milhares de portas em nossa cidade e região. Como ficar parado? Como ficar indiferente a uma situação tão problemática e assustadora? Fomos à luta e descobrimos que este sentimento chamado solidariedade passou a ser compartilhado com muito mais gente do que imaginávamos. Muitos empresários, no isolamento social, fizeram seu Home Office solidário de forma surpreendente e estimulante. Até aqui, posso dizer que os maiores beneficiados somos nós os voluntários. Descobrimos o sentido vivo do preceito bíblico segundo qual há maior alegria em dar do que em receber.
2. BAA – Com pouco mais de um ano, ocupando um lugar de conselheira do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, você demonstrou o diferencial administrativo e participativo do fator feminino? Como está sendo essa experiência?
R.M.L.– Aceitei a indicação para o Conselho do CIEAM com muito receio. Não que o trabalho me assuste ou intimidade. Mas trabalhar num contexto de tanta pressão como aquele que as empresas experimentam no cotidiano pela insegurança jurídica, em parte pelo desconhecimento do Brasil sobre nosso trabalho, em parte pela má-fé de alguns que buscam destruir nosso programa de desenvolvimento regional. E isso é sempre preocupante. Neste momento, eu me sinto apenas agradecida pela riqueza de experiências, pelas lições e pelo crescimento pessoal e profissional da experiência. Trabalhar junto com lideranças que pensam tanto na no seus negócios como no interesse público desta terra não tem preço. Mais do que isso: O grupo sabe trabalhar em equipe, extremamente solidário e motivador. Estamos trabalhando em quatro entidades de classe, CIEAM, FIEAM, ELETROS e ABRACICLO, com gente de todo Brasil, debatendo riscos e direitos do programa ZFM e dispostos a achar caminhos para a economia do Amazonas, e sua peculiaridade da proteção florestal. É uma pena que o Brasil vire as costas para esta terra, porque aqui o trabalho é decisivo e dedicado, e precisaria ser integrado com o resto do País.
3. BAA – Escolhida por unanimidade para dirigir a Ação Social Integrada, do Polo Industrial de Manaus, você defende que as empresas continuem a ajudar a população. Por que?
R.M.L. – Nós já distribuímos mais de 220 toneladas de alimentos. Isso é suficiente? Não é. Tenho acompanhado nossas equipes junto às dezenas de instituições sociais que estamos atendendo. A fome continua. Uma cesta básica para uma família dura no máximo 20 dias. E depois? O auxílio emergencial do governo federal é muito pouco diante das dimensões assustadoras da situação. E quem tem fome, como dizia o Betinho, tem pressa. Digo isso com coração apertado, pois vejo o apelo e à esperança nos olhos das crianças, dos idosos, dos doentes, dos indígenas, dos refugiados, enfim, de um batalhão incalculável de pessoas em estado vulnerabilidade. Tenho certeza que as empresas, em sua maioria, serão sensíveis à continuidade desta ação social e voluntária. Em resumo, posso dizer com muita convicção que, em plena pandemia, obrigados a usar máscaras, aprendemos a sorrir com os olhos, abraçar com a alma porque tocar em nosso semelhante pode lhe oferecer riscos de vida. Descobrimos também que a generosidade e voluntariado são as melhores coisas que vão sobrar dessa tragédia a partir do novo normal. Por isso é que não vamos e não queremos parar o exercício da solidariedade. A fome tem pressa.
4. BAA – Estamos vivendo uma movimentação política no Congresso Nacional em torno da reforma tributária que poderá remover a contrapartida fiscal da economia do Amazonas. O que você pensa a respeito?
R.M.L. – Fico me perguntando se existe no país algum programa de desenvolvimento regional semelhante ao que existe no Amazonas, que produza tantos resultados para a população. E se mais não é feito é por que os recursos gerados pela ZFM, destinados a atender o interior, principalmente, não chegam as famílias. As empresas do pólo industrial de Manaus pagam integralmente a Universidade do Estado do Amazonas. No frigir dos ovos, esse repasse para ajuda aos ribeirinhos e à periferia chega a US$ 200 milhões por ano. Infelizmente, a gestão desses recursos não os transforma em resultados a favor da população. Estamos trabalhando, através do Comitê indústria ZFM COVID-19, para transformar esses recursos num fundo capaz de alcançar essa população que foi excluída do baile social. E é esse formato de luta que estou aprendendo não só a debater como também a colaborar na renovação deste programa de acertos e paradoxos chamado Zona Franca de Manaus.
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