Parecer do jurista Raymundo Nonato Botelho de Noronha
A propósito do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 26/2015, a ser avaliado pelo Supremo Tribunal Federal na próxima semana, o CIEAM solicitou manifestação do jurista Raymundo Noronha, a maior autoridade na legislação da Zona Franca de Manaus. Para esclarecer os associados, o parecer analisa as implicações práticas no cotidiano dos segmentos que estejam diretamente ligados à questão. O Projeto dispõe sobre o quórum de aprovação de convênio que permita a concessão de remissão dos créditos tributários constituídos ou não em decorrência de isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com a deliberação prevista no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, e a reinstituição das respectivas isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais; e dá outras providências. Para o jurista, o PLC trata essencialmente de duas matérias do interesse imediato da indústria do PIM: (1) a modificação do quórum de celebração de convênio para a aprovação de incentivos fiscais ou financeiros-fiscais vinculados ao ICMS e (2) a reinstituição de incentivos fiscais ou financeiros-fiscais igualmente vinculados ao ICMS.
A PRIMEIRA MATÉRIA – A modificação do quórum
A Lei complementar que poderá, eventualmente, decorrer desse projeto, é francamente inconstitucional no que respeita à reinstituição dos aludidos incentivos. A uma, porque não é possível modular (no tempo) a eficácia da declaração de inconstitucionalidade que vier a ser proclamada pelo STF, no julgamento de ação própria, proposta por quem tenha legitimidade ativa para fazê-lo (CF/88: art. 103). De fato, o art. 27 da Lei nº 9.868/99, que disciplina o processo pertinente a essa espécie de ação, somente admite a modulação dos efeitos da decisão judicial nos casos de “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”. Ora, razões de segurança jurídica não poderão ser invocadas, seja por força de que a norma jurídica violada (Lei Complementar nº 24, de 1975, recepcionada pela ordem constitucional vigente, conforme proclamado pelo STF) já exigia unanimidade dos votos das Unidades da Federação para a celebração de convênios que estabelecessem incentivos fiscais ou fiscais-financeiros vinculados ao ICMS, ao mesmo tempo em que previa quórum majoritário para a revogação desses convênios.
O Artigo 41 Disposições Constitucionais
É importante assinalar que o art. 41 do Ato das Disposições Constitucional Transitórias da Carta Magna de 1988 não deixou margem a dúvidas quanto à revogação desses incentivos fiscais de natureza setorial:
“Art. 41. Os Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reavaliarão todos os incentivos fiscais de natureza setorial ora em vigor, propondo aos Poderes Legislativos respectivos as medidas cabíveis.
- 1º – Considerar-se-ão revogados após dois anos, a partir da data da promulgação da Constituição, os incentivos que não forem confirmados por lei.
- 2º – A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo.
- 3º – Os incentivos concedidos por convênio entre Estados, celebrados nos termos do art. 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, também deverão ser reavaliados e reconfirmados nos prazos deste artigo.”
Histórico das Sentenças Finais
É importante assinalar que o art. 23, § 6º, da Constituição de 1967, com a redação da EC nº 1/69, também impunha o mecanismo de isenção do ICMS, “segundo o disposto em lei complementar”, lei essa que veio a ser a Lei Complementar nº 24, de 1975. A duas, porque o STF, uniformemente, como por todos sabido, proclamou a inconstitucionalidade de todas as leis estaduais que estabeleceram incentivos fiscais ou financeiros vinculados ao ICMS. Logo, tão-somente para argumentar, ainda que o STF viesse a ser instado a proclamar a constitucionalidade, a partir de um determinado evento futuro, de dispositivo da lei complementar projetada que prevê a reinstituição, por convênios entre os Estados, de incentivos fiscais, faltaria base jurídica para tanto, já que a ninguém seria lícito invocar razões de segurança jurídica. Nem as Unidades da Federação, nem as organizações empresariais desconheciam, à época das leis estaduais abusivas, a vedação constitucional e a LC nº 24/1975.
Ao arrepio da Lei
Assim, não é possível conceber, num Estado Democrático de Direito, que incentivos fiscais concedidos ao arrepio da Constituição venham a se constitucionalizar por força de dispositivo de uma lei complementar, assim como não parece razoável que as Unidades da Federação, com problemas de gestão econômico-financeira, fiquem desobrigadas, por força da lei complementar projetada (art. 4º) e de convênios que venham a firmar, de observar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estipula:
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.”
A matéria – saneamento de lesões à ordem constitucional – pode ser objeto de emenda constitucional, não de lei complementar ou de convênios entre as Unidades Federadas.
A SEGUNDA MATÉRIA: a quebra da unanimidade
No que concerne à instituição de quórum majoritário em substituição à unanimidade para a celebração de convênios com vistas à concessão de incentivos fiscais ou fiscais-financeiros, é de se observar que a unanimidade das Unidades da Federação, no âmbito do CONFAZ, foi estabelecida pela Lei Complementar nº 24, de 1975, no § 2º do seu art. 2º, para a concessão de incentivos. Esse mesmo dispositivo também previu quórum majoritário (4/5 dos presentes à reunião) para a revogação ou modificação desses incentivos. A Constituição, em seu 155, XII, alínea g, apenas submeteu a lei complementar “a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. Em princípio, pois, é possível à lei complementar projetada alterar o disposto no § 2º do art. 2º da LC 24/75, suprimindo a unanimidade. A medida, evidentemente, no que respeita ao imposto da competência impositiva estadual, considerando os ônus extraordinários de logística e a carência de recursos de infraestrutura, prejudicará a competividade dos produtos industrializados no PIM.
Restrições Funcionais
Adicionam-se a essas restrições os custos tributários e as restrições de política industrial específicos para a Zona Franca de Manaus (TSA, PPM estadual e PPB federal etc.). Evidentemente, se houver disposição para a disputa judicial, não se poderá deixar de alegar, no caso da ZFM, de que a medida causará a derrogação, de fato, do art. 40 do ADCT-88, no que respeita aos tributos estaduais e municipais. A preocupação do CIEAM e da FIEAM deve ser levada ao Governador do Estado do Amazonas, que saberá cuidar do assunto por via política, com o apoio da nossa Bancada Parlamentar, e na via judicial, mediante as oportunas e cabíveis medidas judiciais.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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