Em 2003, quando o governo federal acirrou as cobranças pela transformação do modelo ZFM em polo industrial exportador, o pesquisador e auditor fiscal, Jorge de Souza Bispo apresentou um trabalho para qualificação acadêmica de mestrado, sobre este novo papel da Zona Franca de Manaus, onde analisa as condições necessárias para a sobrevivência competitiva do modelo e as demandas de sua consolidação. Para seu doutorado, na FEA/USP, Bispo demonstrou que este modelo virou exportador de recursos, mais do que produtos. Nas duas teses, podemos identificar os antecedentes históricos do esvaziamento da Suframa e do próprio polo industrial de Manaus. Em suas conclusões, onde aparecem, em patamares próximos, logística, recursos humanos e burocracia, como fatores perversos para uma indústria não-competitiva, ele sugere incrementar as divulgações dos produtos made in Polo Industrial de Manaus a fim de que haja conhecimento desses produtos no exterior. O mundo sabe que existe a Amazônia sem qualquer ou com pouco conhecimento que em Manaus existe um Polo Industrial com potenciais de competitividade. Na linha de sugestões – China não se estabelecera ainda no esplendor de sua ousadia e voracidade – Bispo sugere Acordos de Complementações Econômicas com países que tenham potencial de consumo das manufaturas produzidas no Polo Industrial de Manaus, assim como Índia, China, Canadá, Austrália e outros similares. Esses acordos são possíveis através de legislações específicas da Zona Franca de Manaus e podem ser concretizados através de divulgações de feiras de negócios e do turismo empresarial. As sugestões do pesquisador coincidem com um processo de esvaziamento imposto ao modelo que se seguiu, ironicamente, às movimentações políticas que alcançaram a prorrogação dos incentivos até 2023. Manaus ganhou duas décadas de prorrogação e passou a ter suas verbas de Suframa, TSA e P&D confiscadas em quase totalidade. Como levar adiante o paradoxo entre consolidação e confisco?
Ultrajes antigos
O dicionário Aurélio define Ultraje como agressão à moralidade pública através de escritos, desenhos, fotografias ou palavras. Os dois momentos de prorrogação da ZFM agasalham os ingredientes que esse termo representa e traduz na relação do governo federal, a classe política e as circunstancias e demandas do modelo ZFM. Os entraves crônicos, tanto de infraestrutura como de ordem técnica, administrativa e burocrática, experimentados pela Suframa nunca foram decididamente enfrentados. A falta de especialização de alguns setores estatais que começam pela insensatez na elaboração das normas tributárias e administrativas, são os detalhes nefastos da ineficiência técnica, incluindo o despreparo no segmento político que não conta com assessorias técnicas ao nível e seriedade que o assunto requisita. Em sua conclusão sobre os entraves, Jorge bispo descreve como imaturidade denota ineficiência técnica que tem prevalecido, não apenas na ZFM, mas em todo o segmento produtivo nacional. Diz ele: “O Brasil atual conta com amadurecimentos democráticos na área da política e este estágio deve ser aplicado nos demais setores da sociedade e aqui, releva-se essa importância para as exportações como tarefa recomendada de qualquer teórico da área de comércio exterior.” O foco de sua dissertação é o imperativo da exportação, a pressão dos desafetos da ZFM para que cumprisse outras contrapartidas para a renúncia fiscal, além de substituir as importações e proteger a floresta. Entretanto, esta análise se aplica e se arrasta aos demais setores da atividade fabril. Instituir um modelo para reduzir as desigualdades regionais, conforme determina a Constituição, e depois sangrar as verbas de sua consolidação, é típico das soluções meia-boca, de gestões públicas circunscritas ao quadriênio eleitoral, que ensaiam estruturação do desenvolvimento e desistem a meio caminho de sua conquista.
Gargalos crônicos
Em matéria publicada no último domingo, no jornal Folha de S. Paulo, um diagnóstico da competitividade ajuda a entender as razões do esvaziamento industrial do Brasil: Quatro trabalhadores brasileiros são necessários para atingir a mesma produtividade de um norte-americano. Segundo a reportagem, a distância, que vem se acentuando e está próxima da do nível dos anos 1950, reflete o baixo nível educacional no Brasil, a falta de qualificação da mão de obra, os gargalos na infraestrutura e os poucos investimentos em inovação e tecnologia no país. A comparação entre Brasil e EUA considera como indicador a produtividade do trabalho, uma medida de eficiência que significa quanto cada trabalhador contribui para o PIB de seu país. O dado é do Conference Board, organização americana que reúne cerca de 1.200 empresas públicas e privadas de 60 países e pesquisadores. Ele é importante porque mostra a força de fatores como educação e investimento em setores de ponta, que tornam mais eficiente o uso de recursos. A produtividade costuma ser menor nas empresas de trabalho intensivo. O baixo nível educacional no Brasil é destacado pelo pesquisador Fernando Veloso, da FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), como um dos mais graves problemas para uma economia que precisa crescer e aumentar o padrão de vida da população.
Dr. Moysés, referência de empreendedorismo
O pioneiro, empresário e conselheiro da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), Moyses Israel, 91, recebeu no sábado, 30, em Itacoatiara, os aplausos e o reconhecimento da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com a inauguração oficial da Memorália Moysés Israel, dentro do campus universitário, espaço que reúne registros históricos do empreendedor que há mais de 70 anos adotou o município como seu segundo lar. Moysés Benarrós Israel, nasceu no dia 10 de fevereiro de 1924, em Manaus, está presente em todas as grandes iniciativas de promoção do progresso e da prosperidade social no Amazonas. Sem alarde, por força de sua simplicidade e recato, sua trajetória empresta uma contribuição robusta e excepcional na construção do processo do desenvolvimento regional amazônico. É um pioneiro tenaz, de visão holística e de uma singular habilidade para mobilizar atores e estratégias na busca do bem comum, da promoção das pessoas, da educação dos jovens e no cultivo das virtudes e princípios da comunhão social. Estudioso das coisas da Amazônia, conhece como ninguém as demandas, as potencialidades e alternativas de novos negócios a partir da imensidade do patrimônio natural. Aos 20 anos, era encarregado por Isaac Benayon Sabbá de viajar aos Estados Unidos para identificar parceiros dos negócios da floresta, abrindo mercado para resinas, fibras, óleos medicinais, cosméticos, couros, madeira, fibras e frutos regionais e atraindo investidores para a região. Um pioneiro no sentido mais visionário e empreendedor do termo, pois pensou longe e grande, imenso como seu Amazonas. Sempre esteve adiante de seu tempo, inserido nas realizações e movimentações para sair da poesia dos recursos naturais para o fomento e diversificação de atividades que fazem da potencialidade natural prosperidade econômica e social, sempre alertando para a proteção ambiental e a recomposição dos estoques naturais. Arauto do uso inteligente dos produtos florestais, do manejo da fauna, da flora e dos recursos minerais, numa economia marcada pelo extrativismo que repõe e beneficia para agregar valor, na perspectiva agroindustrial e no atendimento das demandas locais e globais. O grupo empresarial Isaac Sabbá, tio de Moysés Israel, gerava 10.000 empregos diretos e indiretos na capital e 25.000 ao longo da cadeia produtiva que se estendia para o interior do Estado, vinculados a mais de 40 empresas, num diversificado leque de atividades, com ênfase no aproveitamento das potencialidades naturais da região. Um dos símbolos dessa grandiosa epopeia traz a marca da construção da Refinaria de Petróleo de Manaus – COPAM, nos idos de 1953-1956, numa cidade em que inexistia mão-de-obra especializada nesse oficio, não havia um guincho sequer para soerguer as torres nem os mínimos equipamentos necessários, existentes na construção civil de hoje. A construção aconteceu basicamente com a utilização da força humana, pás, picaretas e carrinhos de mão. Até então, os derivados de petróleo, de cuja qualidade e preço todos reclamavam, vinham do Peru. Com a Refinaria, Manaus vira referência nacional de empreendedorismo e o Grupo I.B.Sabbá, unanimidade e respeito internacional de pioneirismo e obstinação. Resgatar a experiência de vida de Moysés Israel no Amazonas desperta saudosas lembranças para as gerações mais adultas e recomenda referenciais de conduta para as novas gerações, dentro das regras de dignidade e conduta marcada pela elegância dos lordes e a decência dos sábios. Um arauto do empreendedorismo na floresta e da comprovação inequívoca de que vale a pena apostar nas promessas de prosperidade e equidade social a partir do bioma amazônico.
—————————-
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
Comentários