“Com a transição energética como caminho, surge uma nova forma de inclusão, mostrando que podemos crescer sem destruir, iluminar sem queimar, incluir sem excluir”
Nos grandes fóruns internacionais sobre o clima, a transição energética costuma ser apresentada como uma corrida tecnológica. Mas, para quem conhece a realidade amazônica, ela é muito mais que isso: é uma corrida humanitária. Antes de ser uma pauta de engenharia, trata-se de uma pauta de justiça social. Porque enquanto se fala em hidrogênio verde, créditos de carbono e megaparques solares, milhões de brasileiros — sobretudo na Amazônia — ainda vivem à sombra da exclusão elétrica, prisioneiros de geradores a diesel, combustíveis caros e promessas adiadas.
O Brasil acerta, portanto, ao focar na implementação, como propôs na COP 30. O desafio agora não é definir novos marcos ou slogans, mas fazer acontecer. E fazer acontecer, neste contexto, significa garantir que a energia chegue limpa, estável e justa aos invisíveis do mapa elétrico.
Pobreza energética: o nome oculto da desigualdade
Chamamos de pobreza energética a realidade de quem vive sem acesso contínuo, seguro e sustentável à eletricidade. Na Amazônia, isso não é exceção — é regra em centenas de comunidades. É a escola que não funciona à noite, o posto de saúde que perde vacinas por falta de refrigeração, o pequeno comércio que fecha antes do pôr do sol, a família que precisa escolher entre comprar comida ou combustível para o gerador.
Sem energia, não há cidadania possível
A energia é o fio condutor da dignidade moderno : conecta o conhecimento, garante saúde, impulsiona a economia local e dá tempo à vida. Por isso, a transição energética não pode ser pensada como uma substituição fria de matrizes, mas como um movimento civilizatório de inclusão.
Implementar é incluir
Quando defendo que o Brasil acerta ao focar na implementação da transição energética, falo da necessidade de sair do discurso e entrar na obra — construir sistemas reais, adaptados à realidade de cada território. Na Amazônia, isso significa substituir a dependência dos combustíveis fósseis por soluções híbridas e descentralizadas, como o uso combinado de energia solar, biocombustíveis e sistemas de armazenamento inteligente.
A armazenagem de energia, em especial, é a chave para essa virada: ela permite que fontes renováveis se tornem viáveis mesmo em comunidades isoladas, reduz custos, elimina o barulho e a fumaça dos geradores e dá às populações locais algo inédito — autonomia energética.
Implementar é mais que instalar painéis solares; é instalar dignidade
Um mapa do caminho seguro
O mapa do caminho da transição brasileira precisa equilibrar tecnologia, governança e humanidade. Não basta levar infraestrutura; é preciso levar propósito. Para isso, proponho cinco eixos estruturantes que podem orientar políticas e investimentos:
- Identificar os vazios energéticos — mapear onde a luz ainda não chegou e entender as particularidades locais de clima, logística e cultura.
- Descarbonizar com inteligência — substituir gradualmente os sistemas fósseis por fontes limpas e híbridas, com prioridade para o armazenamento e o biogás regional.
- Formar capital humano local— criar programas de capacitação técnica para jovens e trabalhadores amazônidas, transformando-os em agentes da própria transição.
- Fomentar inovação inclusiva — incentivar soluções de baixo custo e manutenção simples, compatíveis com a realidade amazônica e operadas pelas próprias comunidades.
- Garantir financiamento e continuidade — estruturar mecanismos de crédito, incentivos e fundos verdes que assegurem sustentabilidade econômica aos projetos.
Esses passos não são abstrações: são condições práticas para transformar promessas climáticas em prosperidade real, gerar emprego, fomentar a inclusão, adensar e interiorizar a produtividade industrial e a inovação.
A Amazônia como laboratório da humanidade
A Amazônia é o maior desafio e, ao mesmo tempo, a maior oportunidade do planeta em termos de transição energética. Aqui, a energia solar encontra o sol mais generoso do mundo, a biomassa renasce da própria floresta em pé, e o conhecimento tradicional convive com a ciência de ponta. Se conseguirmos demonstrar que é possível levar energia limpa, contínua e justa a quem mais precisa, o Brasil não apenas cumprirá suas metas climáticas — redefinirá o sentido da transição energética para o mundo.
Não se trata de um gesto técnico, mas de um ato civilizatório: conectar pessoas, preservar territórios e regenerar a confiança de que a sustentabilidade é, de fato, para todos.
E a energia como nova gramática da cidadania…
O século XXI exige que tratemos a energia como tratamos a educação e a saúde — um direito essencial. A transição energética é, assim, o novo nome da inclusão. E a Amazônia, tantas vezes tratada como periferia da modernidade, pode se tornar o coração dessa revolução silenciosa, mostrando ao mundo que é possível crescer sem destruir, iluminar sem queimar, incluir sem excluir.
O caminho é longo, mas o rumo é claro: a energia limpa é a estrada mais justa da civilização.