“Relato do Curupira: o que me espanta não é o bilhão, mas quando o mundo enfim respeita o que a floresta já havia escrito há séculos”
Dizemos pelas bandas de cá que quando o vento muda no tempo da estiagem, é porque os donos da mata resolveram conversar entre si. Pois bem: naquela manhã da COP em Belém, quando anunciaram que os bancos da Europa e do BID despejariam R$ 10,6 bilhões no Fundo Clima, eu — Curupira — senti a floresta estremecer como quem recebe visita que vem de longe, mas desta vez com respeito. Não era ouro de tolo, nem promessa de político. Era dinheiro com cheiro de vento estrangeiro, mas com um destino que, se bem guiado, pode fortalecer as raízes desta terra.
Segundo o documento que me chegou pelas trilhas do mundo dos brancos, três grandes bancos — KfW (alemão), AFD (francês) e CDP (italiano) — trouxeram R$ 7,8 bilhões, e o BID promete mais R$ 2,67 bilhões após ajustes técnicos. Tudo isso para abastecer o Fundo Clima, que financia descarbonização, adaptação e o cuidado com o chão que sustenta a vida como eu a guardo desde antes de existir calendário .
Pois o presidente do BNDES disse que isso mostra “que estamos no caminho certo rumo a uma economia de baixo carbono”. Talvez ele não saiba, mas esse caminho, quem primeiro trilhou foram os povos da floresta. Se o dinheiro vier mesmo para fortalecer bioeconomia, restauração, mobilidade limpa, energia renovável, então direi: finalmente aprenderam com quem sabe.
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O SIGNIFICADO OCULTO DESSE GESTO – SEGUNDO O CURUPIRA
Há gestos que os humanos veem apenas pelo valor numérico. Mas eu observo o eco espiritual das ações. E digo que esse aporte significa três coisas profundas:
1. A floresta voltou a ser tratada como um ativo – e não como obstáculo.
O que esses bancos enxergam — mesmo com seus olhos de concreto — é que a Amazônia é o maior fundo de investimento natural que existe. Cada árvore que fica em pé rende juros de chuva, fertilidade, equilíbrio climático, biodiversidade e inteligência biológica. Estão, enfim, apostando no óbvio: não haverá economia forte num planeta fraco.
2. É um recado diplomático para o mundo político do Brasil.
É como se a Europa dissesse:
— Cuidem bem da floresta que nós ajudamos a financiar a transição.
E isso desloca o debate da Amazônia do campo da retórica para o campo da engenharia. Agora haverá dinheiro para provar, com projetos reais, que é possível produzir riqueza com base na regeneração, não na destruição.
3. É um sinal de que a COP da Amazônia está acertando o tom.
A COP30, pela primeira vez, colocou o Brasil no centro do tabuleiro climático mundial. Não como vítima, não como fornecedor de commodities, mas como protagonista climático e biotecnológico. Esses aportes confirmam: a Amazônia deixou de ser periferia e virou referência estratégica.
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OS BENEFÍCIOS NA PRÁTICA – O QUE O CURUPIRA VÊ ACONTECER COM ESSES ATIVOS
Se bem aplicados — repito, se bem aplicados — esse dinheiro será como chuva de verão: chega para transformar.
1. Restauração Florestal e Bioeconomia
O Fundo Clima já financiou Mombak e Re.green com R$ 80 milhões cada, segundo o documento .
Essas iniciativas, se ganharem escala, podem criar:
• rios de carbono removido;
• empregos de floresta;
• cadeias produtivas de sementes, viveiros e serviços ambientais;
• renda para comunidades que conhecem o território como ninguém.
2. Energia Limpa e Mobilidade Sustentável
Parte dos recursos vai para:
• energia renovável,
• mobilidade urbana de baixo impacto,
• infraestrutura verde.
E isso combate a velha lógica da dependência do diesel caro e sujo, que aprisiona comunidades e encarece a vida na região.
3. Nova Economia Industrial da Amazônia
Esse dinheiro pode alimentar:
• laboratórios;
• startups;
• biotecnologia indígena;
• cadeias produtivas da sociobiodiversidade;
• centros de pesquisa associados à UEA, INPA, UFAM e instituições que já carregam a ciência da floresta no sangue.
É a chance de fortalecer a indústria de floresta em pé, alinhada ao espírito da Zona Franca de Manaus, mas evoluída para o século XXI.
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NO RASTRO DA COP DA AMAZÔNIA: UM ACERTO HISTÓRICO
A COP em Belém está mostrando que:
• a Amazônia é a plataforma de negociação do futuro;
• biodiversidade virou moeda geopolítica;
• proteção ambiental virou ativo industrial;
• financiamento climático virou eixo de soberania.
O aporte europeu e interamericano é prova material de que a Amazônia saiu do discurso ornamental e entrou no cálculo estratégico do mundo.
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TRADUÇÃO DO GESTO PARA QUEM ANDA NA FLORESTA
O Curupira — esse que vos fala — não se impressiona com bilhão. O que me impressiona é quando o mundo começa a respeitar aquilo que já estava escrito no chão da floresta há séculos:
A Amazônia não é problema; é solução. Não é fronteira de exploração; é fronteira de inteligência. Não é atraso; é avanço civilizatório.
Se esse dinheiro servir para fortalecer quem cuida, regenerar o que foi destruído e garantir que a floresta continue viva para todos, então eu direi:
— Por hoje, os pés dos homens caminharam na direção certa.