Você provavelmente não irá votar na eleição americana. Mas se engana quem acredita que não nos interessa o que acontecerá nos próximos anos por lá. Entenda os impactos da política ambiental dos Estados Unidos durante a administração Trump, as tentativas de Biden e o que pode vir no futuro
Sim, provavelmente você leitor é um brasileiro comum que a princípio não tem nada a ver com o que os estadunidenses escolherão nas urnas no fim deste ano. Uma compreensão um pouco mais profunda já está consciente que essa definição impactará demais no mundo todo, e no Brasil não é diferente. A economia global reagirá a isso tudo, a começar pelo dólar. As exportações brasileiras também podem sofrer grande impacto. Mas há um outro universo de impacto a ser considerado.
Um dos principais diagnósticos que balizaram as estratégias da primeira campanha de Donaldo Trump foi da situação da classe média dos Estados Unidos. A campanha do então outsider tratou de focar a comunicação com o grupo. Segundo analistas políticos, essa fatia do eleitorado carregava certa frustração sobretudo pela perda de empregos industriais com a migração de diversas indústrias para o continente asiático.
Na tentativa de “reindustrialização” dos empregos, as políticas ambientais dos Estados Unidos sofreram algumas reviravoltas na administração de Donald Trump (2017-2020), que priorizou a desregulamentação ambiental e o apoio à indústria de combustíveis fósseis, por exemplo. Essas ações tiveram consequências no âmbito ambiental. Uma possível reeleição do republicano, além de trazer de volta um sentimento de medo com o futuro do meio ambiente e do clima global, coloca em cheque também a cooperação científica internacional, particularmente com a China – um dos maiores polos de ciência e inovação tecnológica para a sustentabilidade.
Revogação de desregulamentações ambientais
Durante a administração Trump, quase 100 desregulamentações ambientais foram revogadas ou enfraquecidas. Essas mudanças incluíram:
- Emissões de Gases de Efeito Estufa: Regulamentações que limitavam as emissões de gases de efeito estufa de usinas de energia, veículos e produção de petróleo e gás foram reduzidas. A substituição do Plano de Energia Limpa de Obama pela Regra de Energia Limpa Acessível reduziu significativamente os objetivos de redução de emissões de CO₂.
- Promoção de Combustíveis Fósseis: A administração Trump apoiou a produção e uso de combustíveis fósseis, removendo restrições à exploração de petróleo e gás em áreas protegidas, como o Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico. Além disso, facilitou a permissão para infraestruturas de combustíveis fósseis, como o polêmico oleoduto Keystone XL.
- Desregulamentação de Emissões de Metano: As regras que limitavam a liberação de metano, um potente gás de efeito estufa, foram enfraquecidas. Foram eliminados requisitos para relatórios de emissões de metano e regras que limitavam a ventilação e queima de metano na produção de petróleo e gás em terras públicas.
- Qualidade do Ar e da Água: Regulamentações que protegiam a qualidade do ar e da água foram alteradas. Isso incluiu a redução das proteções contra a poluição por mercúrio de usinas de energia e a eliminação de restrições ao armazenamento de cinzas de carvão, que contêm substâncias tóxicas como mercúrio e arsênio.
O podcast do portal O Eco abordou um pouco mais sobre essas questões, ouça em:
Consequências da desregulamentação
As políticas de desregulamentação da administração Trump justificavam-se pela necessidade de crescimento econômico e criação de empregos. No entanto, essas ações aumentaram as emissões de gases de efeito estufa e prejudicaram os esforços globais para combater as mudanças climáticas. Cientistas climáticos, como Virginia Burkett do US Geological Survey (USGS), enfrentaram rebaixamentos e remoções de posições de liderança por se oporem a essas medidas. Essa história foi bem contada neste artigo na Nature.
Burkett denunciou o desmantelamento de programas de pesquisa climática e cortes nos orçamentos de ciência, além de tentativas de alterar relatórios governamentais sobre o aquecimento global. Durante a finalização da quarta Avaliação Nacional do Clima, houve tentativas de minimizar a escala e o impacto das mudanças climáticas nos relatórios oficiais. A administração Biden, desde então, restaurou algumas das proteções e posições, mas o medo de futuras interferências políticas persiste.
Impacto na colaboração científica internacional
Durante o mesmo período, a cooperação entre China e Estados Unidos em pesquisa científica diminuiu, exacerbada por tensões geopolíticas e a pandemia. A Iniciativa China do Departamento de Justiça dos EUA e a lei de contraespionagem revisada da China em 2023 aumentaram a cautela entre pesquisadores de ambos os países, resultando em um declínio significativo em artigos coautorados internacionalmente.
O futuro da ciência e das políticas ambientais
Com a mudança de administração, há esforços para reverter algumas das políticas mais prejudiciais implementadas durante o governo Trump. A administração Biden introduziu regras de integridade científica para proteger a ciência contra interferências políticas futuras. No entanto, cientistas como Burkett continuam preocupados com a possibilidade de novas administrações revertam esses avanços.
As tensões geopolíticas continuam a influenciar a cooperação científica internacional. No mundo ideal, seria ótimo que países como EUA e China encontrassem maneiras de colaborar em questões globais urgentes, como mudanças climáticas e pandemias. A ciência depende da troca de conhecimento e da colaboração internacional para avançar, e políticas que priorizem interesses nacionais em detrimento da cooperação global podem retardar o progresso científico e comprometer a resolução de problemas críticos.
As políticas ambientais e a cooperação científica estão intrinsecamente ligadas. As ações de desregulamentação ambiental dos Estados Unidos durante a administração Trump tiveram consequências significativas para o meio ambiente e para a pesquisa científica. Embora a administração Biden trabalhou para reverter algumas dessas decisões, o legado de políticas anteriores e as contínuas tensões geopolíticas continuam a representar desafios. É essencial que a comunidade internacional reconheça a importância da cooperação científica e trabalhe em conjunto para enfrentar os desafios globais, garantindo que a ciência e o meio ambiente estejam protegidos contra interferências políticas.
Biden desistiu, e agora?
Após a desistência de Joe Biden da corrida eleitoral deste ano, a vice-presidente Kamala Harris surge como a provável candidata democrata à Casa Branca. Harris tem um histórico de comprometimento com a pauta verde, refletido em suas propostas e ações passadas.
Em sua campanha presidencial de 2019, Harris defendeu a proibição do fracking e propôs uma cúpula internacional para negociar o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. Como procuradora-geral da Califórnia, investigou a Exxon Mobil e teve um papel central no escândalo “Dieselgate”, garantindo um acordo de US$ 86 milhões da Volkswagen.
Harris, reconhecida também por sua postura firme na justiça ambiental, apresentou em 2019 um plano climático de US$ 10 trilhões para alcançar a neutralidade de carbono até 2045 e eletricidade 100% limpa até 2030. Ela propôs também um Escritório de Responsabilidade pela Justiça Climática e Ambiental para representar as comunidades afetadas e conduzir pesquisas.
Comentários