Manaus circular – o começo de uma nova lógica industrial na Amazônia

“Manaus Circular: onde a circularidade ensina a interdependência — nada se perde, nada é invisível, nada é descartável

“A circularidade é a pedagogia da interdependência*. Um sistema onde nada se perde, nada é invisível, nada é descartável – nem a matéria-prima , nem as pessoas”.

Artigo de Alfredo Lopes e Antônio Mesquita

Manaus está prestes a formalizar um mutirão que pode redesenhar o futuro de toda a região Norte: transformar seu polo industrial em um organismo vivo, circular, inteligente e regenerativo.

Durante décadas, a lógica foi linear: extrair, produzir, vender, descartar. A Amazônia virou entreposto de consumo e produção, mas os rastros da riqueza ficaram no lixo – ou pior, no solo, nos igarapés, no ar. A capital da floresta virou também a capital do desperdício invisível, com toneladas de resíduos industriais sendo incinerados, soterrados ou enviados para fora da região, como se aqui não houvesse inteligência, infraestrutura ou vontade política para fazer diferente.

O novo ciclo: da degradação ao reaproveitamento

A economia circular não é uma moda europeia. É uma necessidade amazônica. Se o Polo Industrial de Manaus (PIM) movimenta mais de R$ 207 bilhões ao ano, segundo os últimos dados da SUFRAMA, o que isso representa em resíduos desperdiçados? Em peças descartadas? Em materiais valiosos triturados, incinerados ou amontoados em galpões, esperando uma destinação que nunca chega?

Estudos da UEA, UFAM e do Instituto Federal do Amazonas indicam que cerca de 80% dos resíduos industriais do polo ainda têm destinação linear *— ou seja, não são reaproveitados nem retornam ao ciclo produtivo. É o mesmo que dizer: *para cada tonelada produzida, uma parte significativa da matéria-prima vira lixo antes de virar riqueza.

O que se propõe agora é o oposto: fazer do resíduo um insumo. Do problema, a solução. E mais do que isso: criar uma plataforma de inteligência circular, articulada por universidades, indústrias, poder público e comunidade científica.

MANAUS CIRCULAR

Esse não é apenas um projeto técnico. É um embate cultural.

Porque a lógica da obsolescência programada, do “joga fora”, do “não compensa consertar” é também uma lógica colonial, extrativista, inconsequente. Ela nega a Amazônia como potência de inteligência e reuso, e nos reduz ao papel de consumidor e exportador de lixo.

O enfrentamento da cultura do descarte é, portanto, uma missão climática, humanitária e civilizatória. Repensar os processos industriais desde sua concepção é a revolução silenciosa que Manaus precisa liderar.

Significa abandonar o culto à obsolescência e adotar uma reengenharia da permanência: projetar produtos duráveis, modulares, reparáveis, que não envelheçam na velocidade do mercado, mas amadureçam com inteligência. Significa desenhar, desde o início, rotas reversas de logística, onde cada peça saiba voltar pra casa, cada embalagem conheça seu caminho de retorno, cada resíduo tenha destino e reaproveitamento.

É erguer hubs circulares dentro dos próprios distritos industriais, verdadeiros ecossistemas produtivos onde o excesso de uma empresa seja o insumo da vizinha. É romper os muros simbólicos da indústria e integrar cooperativas, startups e centros de pesquisa à lógica do chão de fábrica — como quem reconhece que a inovação mora também na periferia, no saber popular, na inteligência aplicada ao cotidiano.

É, por fim, transformar galpões abandonados em fábricas de futuro, onde o plástico vira peça, o eletrônico vira insumo e o resíduo — até então invisível, marginalizado, desprezado — vira dignidade, trabalho, renda e pertencimento. É a Amazônia olhando para o próprio lixo e descobrindo ali não uma vergonha, mas uma chance. Uma virada. Uma promessa de recomeço.

Economia circular também é economia de cuidado. Cuidado com o outro, com o território, com o tempo e com a casa comum.

  1. Cuidar do próximo é garantir que o resíduo de uma indústria seja renda para a cooperativa do bairro.
  2. É permitir que a peça descartada vire aprendizado em um laboratório da UEA.
  3. É não ver mais o igarapé receber os rejeitos da ignorância.
  4. É enxergar que não existe “jogar fora” quando se vive em um planeta só.

A circularidade é a pedagogia da interdependência. Um sistema onde nada se perde, nada é invisível, nada é descartável – nem a matéria-prima , nem as pessoas.

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Foto divulgação

A boa notícia é que o movimento já começou.

A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) já articula projetos de extensão, pesquisa e formação voltados à circularidade. É o compromisso do André Zogahib, nosso reitor. Startups de bioeconomia se erguem com propostas de transformar resíduos em cosméticos, peças industriais e insumos para biotecnologia.

A SUFRAMA ensaia políticas de incentivo à economia circular. O CIEAM discute simbioses industriais. E jovens engenheiros e pesquisadores amazônidas já trabalham com a ideia de que “produzir lixo” é uma falha de design — e não uma inevitabilidade.

O que falta? Coordenação, escala e decisão política.

Falta um pacto coletivo que diga: Manaus não vai mais aceitar o papel de capital do desperdício.
Porque temos tudo para ser capital da inovação circular da Amazônia. E do Brasil.

Esta é a primeira matéria de uma série dedicada a acompanhar, registrar, provocar e inspirar esse movimento.

A cada texto, vamos trazer:

  1. Propostas concretas de articulação entre universidade, indústria e governo
  2. Dados atualizados sobre resíduos, cadeias de reaproveitamento e potenciais de circularidade
  3. Exemplos reais de iniciativas que já estão acontecendo — e outras que precisam acontecer
  4. Ideias que transformam resíduos em partes, peças e empregos
  5. Reflexões sobre como fazer da Amazônia um território de inteligência aplicada

Manaus está em movimento. Circular. Transformador. Irreversível.

Que esse movimento não pare até que cada resíduo seja reconhecido como semente. E que cada pedaço de lixo se transforme em valor. Em futuro. Em vida.

Se você leu até aqui, a roda já começou a girar dentro de você.
Continue com a gente nessa série.
Porque o próximo ciclo da Amazônia não será linear*.

Será circular. E será agora.

Antonio Mesquita
Alfredo Lopes
Alfredo Lopes
Alfredo é consultor ambiental, filósofo, escritor e editor-geral do portal BrasilAmazôniaAgora

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