Um país com grande parte das escolas e do comércio aberta, duas vacinas já aprovadas e sendo aplicadas na população e metas ambiciosas para controlar a pandemia e voltar à vida normal “até a Páscoa”.
Esse era o Reino Unido até recentemente. Mas nesta semana o premiê britânico, Boris Johnson, decretou a volta do lockdown na Inglaterra em seus moldes mais restritos desde março do ano passado, o auge da primeira onda da pandemia.
Escolas e comércio não essencial ficarão fechados, as pessoas estão proibidas de sair de casa a não ser por motivos especiais (como ir ao mercado) e grande parte do país ficará fechado pelo menos até metade de fevereiro.
Há algumas semanas, Johnson havia sugerido que a vida poderia voltar ao normal já na próxima Páscoa. Agora, ele alerta que restrições rígidas (não necessariamente do mesmo nível das atuais) devem seguir até esse mesmo feriado.
O motivo das medidas: enquanto o país vivia uma euforia com o começo da vacinação, os números de casos, hospitalizações e mortes por covid-19 dispararam para muito além das previsões das autoridades e especialistas. E parte desse aumento foi atribuído a uma nova variante do coronavírus que tem chegado a diversos países, inclusive o Brasil.
Pior que no Brasil
O Reino Unido vive hoje uma situação muito pior do que a do Brasil — em termos de aceleração da doença.
Em números absolutos, o Brasil ainda supera os britânicos com 7,7 milhões de casos e 196 mil mortes oficiais por coronavírus desde o começo da pandemia. Em contraste, o Reino Unido teve 2,7 milhões de casos e 58 mil mortes. São quase três vezes mais mortes no Brasil do que no Reino Unido.
Mas neste momento a doença está acelerando em um ritmo muito mais forte no Reino Unido.
Nas últimas 24 horas, o Reino Unido registrou 58,784 mil casos novos — contra 18,102 mil do Brasil (números do portal Conass). Números semelhantes a esses têm se repetido nos últimos dias nos dois países.
Mas é preciso lembrar que a população brasileira é três vezes maior do que a britânica — e mesmo assim o Brasil está registrando apenas um terço de casos novos por dia, em comparação com o Reino Unido.
O número de casos novos para cada 100 mil habitantes — uma métrica comum entre especialistas — deixa isso mais claro: na segunda-feira (4/1), foram 88 casos novos por dia no Reino Unido para cada 100 mil pessoas, contra apenas nove no Brasil.
O Reino Unido vem registrando uma média diária de 611 mortes — patamar semelhante ao do Brasil, mesmo tendo apenas um terço do tamanho da população brasileira. Em setembro, o Reino Unido registrava menos de cem mortes por semana.
Brigas e recuos
Os números da covid no Reino Unido mostram que o país passou por uma montanha-russa durante a pandemia.
De virtualmente controlada (com apenas 401 casos novos diários no dia 4 de julho) para completamente desgovernada (foram 80,644 casos novos em um só dia, em 29 de dezembro), o país enfrentou meses marcados por intensos debates, brigas e recuos em medidas de restrições.
Em setembro, no início do ano letivo britânico, a covid-19 parecia estar sob controle o suficiente para permitir a reabertura de escolas e volta de estudantes às universidades.
Mas no mês seguinte, o número de casos acelerou consideravelmente — especialmente nos campi universitários do norte da Inglaterra — e o governo anunciou um sistema com três categorias de restrições, de acordo com o número de casos em cada área.
Naquela época, a maior parte da Inglaterra estava na categoria um, a menos restritiva. Mas gradualmente mais regiões foram subindo de categoria, na medida em que a pandemia piorava.
O premiê Boris Johnson dizia para a população que o objetivo do governo era garantir festas de final de ano mais próximas da normalidade, com pessoas podendo viajar e visitar seus familiares.
Com base nessa promessa, o governo decretou um lockdown no mês de novembro, que afetou o comércio, mas não fechou a maior parte das escolas do país. O auxílio econômico dado a empresas com folhas de pagamentos de salário foi estendido até março deste ano.
As medidas reverteram a tendência de subida da covid-19: de 170 mil casos novos por semana em média, no começo de novembro, para 101 mil no final do mês. E o país reabriu parcialmente no começo de dezembro, quando acabou o lockdown.
Todas as atenções se voltaram então para o Natal e o Ano Novo. O governo de Johnson anunciou planos que permitiriam que as pessoas viajassem e fizessem ceias com seus familiares.
Os planos foram fortemente criticados pelo líder da oposição, o trabalhista Keir Starmer, que acusou Boris Johnson de ignorar os apelos feitos por especialistas de impor mais restrições no período festivo. Johnson reagiu acusando Starmer de querer “cancelar o Natal” dos britânicos.
Mas, a menos de uma semana do Natal, os números voltaram a explodir — mais de 200 mil casos novos por semana — e o governo apressadamente criou a categoria “quatro”, frustrando o plano de milhões de britânicos que foram impedidos de viajar ou fazer festas em família.
Nova variante, nova briga
Desta vez, a explosão de casos foi atribuída a uma nova variante do vírus que surgiu em outubro no sudeste do país. Especialistas dizem que essa mutação, que atingiu em cheio a capital Londres em dezembro, é 70% mais contagiosa. Mais de 40 países fecharam suas fronteiras para viajantes oriundos do Reino Unido.
Na semana passada, o número diário de casos já ultrapassava 325 mil por semana — um ritmo três vezes mais acelerado do que apenas dois meses atrás.
Na véspera da virada do ano, pais e professores estavam apreensivos com a volta às aulas após as férias escolares de inverno programada para esta semana, em meio a essa explosão de casos.
No dia 30 de dezembro, o governo fez novo recuo e anunciou que algumas escolas na categoria quatro não reabririam no novo ano. Mas logo sofreu uma avalanche de críticas de associações de professores e da oposição por manter algumas escolas abertas em áreas dessa categoria. Alguns distritos anunciaram que não acatariam as ordens do governo.
Finalmente, na segunda-feira, Boris Johnson — pouco dias depois de prometer que a maior parte das escolas retomaria suas aulas — anunciou as medidas mais duras de lockdown desde março do ano passado. Todas as escolas e universidades da Inglaterra voltarão a fechar seus portões e migrarão para o ensino remoto de forma integral até pelo menos meados de fevereiro. Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte também estão impondo fortes restrições.
Mas e a vacina?
Em meio a todas essas confusões e recuos do governo, com forte agravamento da pandemia, surgiram as vacinas.
No começo de dezembro, o Reino Unido se tornou o primeiro país ocidental a aprovar e administrar uma vacina.
Primeiro foi o imunizante da Pfizer. Alguns britânicos já receberam até a segunda e última dose dessa vacina. Nesta semana, começou a vacinação com o produto da Oxford-AstraZeneca, tido como a principal aposta dos britânicos — e também dos brasileiros — para pôr fim à pandemia.
Cerca de 1 milhão de pessoas já receberam a primeira dose da vacina da Pfizer. Para esta semana, o Reino Unido possui 530 mil doses do produto da Pfizer e outras 530 mil doses do da Oxford-AstraZeneca.
O Reino Unido já encomendou 100 milhões de doses da vacina de Oxford e 30 milhões da vacina da Pfizer — o que seria suficiente para imunizar toda sua população.
No entanto, a batalha para que a eficácia das vacinas comece a baixar os números da pandemia é longa.
O governo quer vacinar 13 milhões de pessoas com mais de 70 anos e funcionários de lares de idosos até a metade de fevereiro. Isso significaria mais de 2 milhões de vacinações por semana — um ritmo muito acima do atual, de cerca de 300 mil vacinados por semana.
Há ainda inúmeros desafios — desde a falta de frascos para empacotamento das vacinas até a certificação de cada lote pela agência de vigilância sanitária.
O governo também anunciou na semana passada que pretende retardar o tempo entre as doses da vacina. Inicialmente cada pessoa receberia a segunda dose da vacina apenas três semanas depois da primeira. Agora o governo quer aumentar esse prazo para 12 semanas, para conseguir dar uma dose de proteção para mais pessoas.
A esperança do governo é de que, mesmo sem todas as pessoas no grupo prioritário terem recebido a vacina, o número de mortes comece a cair drasticamente — já que a maior parte dos óbitos está concentrado entre as pessoas mais idosas.
No entanto, enquanto os britânicos ainda aguardam para ver os efeitos das vacinas, e será preciso lidar por várias semanas com um novo e muito mais amplo surto da doença.
Fonte: BBC News
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