Povos originários da Amazônia usavam fogo de forma sustentável; hoje, cenário é de crise

Pesquisas revelam que, no período pré-colombiano, incêndios na Amazônia faziam parte do manejo e conservação da floresta pelos povos originários, práticas muito diferentes da escala atual de destruição.

Os incêndios na Amazônia em 2025 atingiram níveis alarmantes: mais de 93 mil focos já foram registrados, um aumento de 60% em relação ao ano passado e o maior número desde 2010. Segundo a Nasa, as queimadas atuais também são mais intensas. A paleoecologia, ciência que estuda ambientes antigos, mostra que o fogo sempre esteve ligado à ação humana na floresta, mas em contextos muito diferentes do atual.

Metade de toda a área queimada no Brasil desde 1985 foi na última década.
Foto: Reprodução/Agência Brasil/Jader Souza/AL Roraima

Pesquisas com sedimentos e camadas de carvão revelam que povos indígenas usavam queimadas de baixa intensidade há milhares de anos para limpar áreas, cultivar alimentos e enriquecer solos. Essa prática, que preservava árvores em pé e aumentava a diversidade de espécies como castanheiras e açaí, deixou marcas duradouras na ecologia da floresta, tornando algumas regiões mais inflamáveis até hoje.

Estudos indicam que não há registros de fogo natural significativo na região. “A marca do fogo é uma marca exclusivamente humana na Amazônia”, afirma Mark Bush, da Florida Institute of Technology. Crystal McMichael, da Universidade de Amsterdã, explica que os solos enriquecidos por populações pré-colombianas ainda influenciam a vegetação, deixando as árvores menores, copas menos verdes e maior vulnerabilidade em períodos de seca — fatores que ajudam a explicar a propagação dos atuais incêndios na Amazônia.

A diferença central entre as práticas dos povos originários e as atuais está na escala. Enquanto os povos ancestrais realizavam queimadas frequentes e controladas, que preveniam grandes incêndios, as práticas modernas são ligadas ao desmatamento e à expansão agropecuária, com o objetivo de destruição em larga escala. Amostras do Lago Caranã (PA) mostram que, nas últimas décadas, o depósito de carvão é quatro vezes maior do que no auge do período pré-colombiano.

Especialistas alertam que, embora os povos amazônicos tenham usado o fogo como parte do manejo sustentável da floresta, os incêndios na Amazônia ligados à expansão agropecuária representam uma crise sem precedentes, cujos impactos podem levar séculos para serem reparados.

Imagem de indígena fazendo queimada de roça com aceiro na aldeia Rawo Ikpeng.
O uso do fogo na agricultura para manejo sustentável da floresta ainda está presente nas práticas de alguns povos indígenas, embora seja mais raro e com adaptações importantes devido ao aumento das secas e mudanças climáticas. Foto: Pytha Ikpeng.

Bruna Akamatsu
Bruna Akamatsu
Bruna Akamatsu é jornalista e mestre em Comunicação. Especialista em jornalismo digital, com experiência em temas relacionados à economia, política e cultura. Atualmente, produz matérias sobre meio ambiente, ciência e desenvolvimento sustentável no portal Brasil Amazônia Agora.

Artigos Relacionados

Soluções sustentáveis do Idesam beneficiam mais de 3 mil famílias e protegem a floresta em pé

Idesam fortalece comunidades, fomenta cadeias produtivas e conserva 4 milhões de hectares na Amazônia.

Ondas de calor se torna rotina em favelas e aldeias, aponta levantamento climático

Eventos extremos como calor, enchentes e secas afetam comunidades vulneráveis em todo o Brasil, revela pesquisa inédita em 119 territórios.

Mosquitos chegam à Islândia pela primeira vez e escancaram avanço das mudanças climáticas no Ártico

Chegada inédita de mosquitos na Islândia expõe os impactos das mudanças climáticas no ecossistema do país nórdico, antes livre desse inseto.

Urina é transformada em fertilizante por sistema sustentável movido a energia solar

Sistema desenvolvido por pesquisadores da USP e Stanford transforma urina em fertilizante usando a energia solar.