Editorial BAA – A encruzilhada republicana: entre a dívida histórica e o pacto por um novo Brasil

“O Brasil vive uma encruzilhada republicana e precisa de deputados e senadores que não disputem apenas fatias do orçamento, mas reformem as engrenagens que condenam o país ao subdesenvolvimento institucional. E, para isso, o primeiro passo é recolocar o interesse público como eixo inegociável da ação legislativa”

_Sem demonizar o Parlamento, é hora de exigir que ele volte a legislar com visão de país — e não como corretor do orçamento público. O futuro da governabilidade democrática depende disso.

Enquanto o Brasil enfrenta o esgotamento do seu modelo fiscal, político e administrativo, é cada vez mais urgente abandonar os atalhos fáceis da polarização e encarar o verdadeiro dilema nacional: como reconstituir o sentido do interesse público em meio a um sistema institucional esgarçado?

É verdade que o Congresso tem protagonizado práticas que desafiam o bom senso e o equilíbrio fiscal. O recente veto à elevação do IOF — que pretendia gerar receitas para sustentar políticas públicas — foi seguido, no mesmo dia, pela aprovação da criação de 18 novas vagas na Câmara dos Deputados, com seus respectivos custos, gabinetes e futuras emendas parlamentares. Esse contraste dramático revela o grau de dissociação entre o discurso da austeridade e as práticas de expansão irresponsável de gastos.

Em vez de construir soluções duradouras, o jogo político gira em torno de quem arranca mais, e não de como servir melhor. As chamadas emendas parlamentares, originalmente concebidas para aproximar o Legislativo das necessidades locais, transformaram-se em instrumento de barganha bilionária, muitas vezes sem auditoria, planejamento estratégico ou compromisso com o interesse público.

ENCRUZILHADA REPUBLICANA
Congresso e Zona Franca

A dívida histórica da democracia brasileira

No entanto, seria simplista — e até injusto — demonizar a categoria parlamentar. Foi o Congresso Nacional, afinal, quem garantiu a preservação da Zona Franca de Manaus na Constituição, assegurando, por meio de diversas legislaturas, um dos únicos instrumentos reais de desenvolvimento regional sustentável da história recente do país. Essa conquista não foi fruto do acaso, mas de articulação, responsabilidade e compromisso histórico — liderado por deputados constituintes e respaldado pelo Executivo.

Hoje, no Amazonas, a única economia não umbilicalmente ligada à ZFM é a do petróleo — símbolo de um modelo ultrapassado, predatório e concentrador. Por isso, é necessário reconhecer o valor do Legislativo — sem abrir mão da crítica que lhe é devida.

O Legislativo está ocupando o lugar do Executivo?

Ao assumir o protagonismo sobre obras, alocação de emendas, pactos regionais e orçamentos secretos, o Parlamento brasileiro tem ocupado funções executivas sem a contrapartida da responsabilidade pela gestão. Troca-se investimento por voto, ambulância por fidelidade, asfalto por silêncio. Essa lógica desvia o foco da missão central de qualquer Congresso republicano: legislar com visão de país.

É urgente que nossos representantes se debrucem não apenas sobre demandas locais legítimas, mas sobre as distorções estruturais que fazem do Brasil um país de oportunidades concentradas, de injustiças mantidas por desenho institucional.

Não seria mais coerente — e transformador — que o Congresso liderasse a reforma da distribuição de renda, do pacto federativo, do sistema tributário e da máquina pública, em vez de perpetuar remendos eleitorais?

Para além das emendas: quem de fato manda no orçamento?

É preciso também reconhecer que reduzir o protagonismo recente do Congresso apenas ao aumento das emendas parlamentares e ao fundo partidário seria um erro analítico. Como bem observa o ex-deputado Marcelo Ramos, a nova postura mais independente do Parlamento decorre de uma combinação de fatores — entre eles, o enfraquecimento da sociedade organizada, o cerco ao setor produtivo incentivado e o crescimento da influência direta do mercado financeiro sobre as decisões legislativas.

Três forças sempre atuaram sobre a política brasileira: o mercado, o setor produtivo nacional e a sociedade civil. E nesse jogo, a sociedade organizada perdeu tração — enfraquecida pela crise de representatividade, pelo desmonte dos sindicatos e pela baixa capacidade de mobilização de entidades estudantis e ONGs. O setor produtivo nacional, por sua vez, especialmente aquele que gera emprego e está ligado a políticas de incentivo, vem sendo sistematicamente responsabilizado pelo desequilíbrio fiscal — muitas vezes sem distinção entre o que é privilégio e o que é estratégia de desenvolvimento.

Enquanto isso, o mercado avança como força hegemônica, silenciosa e naturalizada, moldando não apenas o debate econômico, mas as prioridades do próprio Parlamento.

É por isso que, quando a política se senta à mesa para discutir contas públicas, quase nunca se fala sobre o custo do serviço da dívida ou a política de juros. Sob domínio das vozes do mercado, debate-se a redução do gasto social, o corte nos incentivos à produção, mas não se toca na parcela de sacrifício que caberia a quem lucra com os juros, sem produzir, sem empregar, sem redistribuir.

Um pacto pela brasilidade

O que está em jogo não é apenas o próximo orçamento, mas a credibilidade do pacto federativo, o futuro da democracia e a governabilidade mínima. O presidencialismo de coalizão virou um leilão. A política virou balcão. A polarização virou sabotagem mútua.

Mas existe um caminho — e ele passa por reconhecer que nenhuma transformação será possível sem um Parlamento altivo, responsável e reconciliado com seu papel essencial.

O Brasil precisa de deputados e senadores que não disputem apenas fatias do orçamento, mas reformem as engrenagens que condenam o país ao subdesenvolvimento institucional. E para isso, o primeiro passo é recolocar o interesse público como eixo inegociável da ação legislativa.

A Zona Franca de Manaus é prova viva de que o Parlamento pode ser guardião da justiça territorial e da sustentabilidade. Que esse exemplo seja bússola — e não exceção.

Redação BAA
Redação BAA
Redação do portal BrasilAmazôniaAgora

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