“Ecologia, economia, agronomia e agroindústria se entrelaçam em novos negócios, não para “salvar a Amazônia”, muito menos para invocar a hipocrisia dessa tese franco-demagógica e burra da intocabilidade da floresta”.
Alfredo Lopes •
Publicado em 04/09/19 às 15:39
Para o pensamento fluir, precisamos evitar a
qualquer custo o maniqueísmo que separa Deus e o Diabo na Civilização da
Mandioca, tubérculo consagrado como a base de sobrevivência alimentar da Amazônia.
Armadilhas das mais insidiosas, inventado pelos cristãos persas, Maniqueu à
frente, no século III d.C, divide perigosamente o mundo entre os do bem e
os do mal, onde o a matéria representa a degeneração da realidade e o espírito
seu aperfeiçoamento. Por sua eficácia e compreensão plena, tanto entre os
excluídos de escolaridade, como pelos detentores da esperteza do poder, a
disputa se resume em alinhavar os itens do que significa o Bem, para que seus
atores possam demonizar os demais. Simples assim. Parodiando um filósofo
francês – não alinhado com o presidente Emanuel (Deus conosco?) Mácron –
Jean Paul Sartre, na trilogia literária da Idade da Razão, “ O inferno são os
outros”, podemos especular sobre os riscos das intervenções na floresta e das opiniões
infundadas que sobre nós abundam. E o que tem a ver, por exemplo, as queimadas
da Amazônia – com Maniqueu, Mácron e Mathieu, o personagem Sartreano escalado
para a narrativa do Existencialismo, propondo a revolução dos costumes no
Século XX – do ponto de vista da quantidade de carvão que as queimadas geram?
Eis uma curiosa questão para os visitantes ministeriais da floresta, na Semana
da Amazônia – decifrarem a partir do axioma platônico segundo o qual as
aparências enganam.
O carvão do bem
As queimadas naturalmente existem por um conjunto de fenômenos climáticos, por
isso, a cada ano, ocorrem na África, Ásia e América do Sul, principalmente,
embora a Califórnia, às vezes, entre no ranking da fumaça. Há alguns anos
temos insistido que o carvão deixado pela presença milenar dos povos da
Amazônia, a terra preta dos índios, bem deveria ser chamado de “ carvão do
Bem”. É o bem da terra, da fertilidade e da mudança positiva na gestão
climática, o pesadelo maior do planeta. Uma bioativo que decorre da coivara, a
tecnologia de formação de adubo que propiciou a fertilidade e o sustento
da presença humana na floresta. Trata-se de um prática agrícola, com pelo
menos 10 000 anos de domesticação da floresta, que converte resíduos agrícolas
em fator de potencialização do solo, quando o carbono é associado a outros
nutrientes para aumentar a segurança alimentar e enriquecer a biodiversidade e
a produção de comida, fitoterápicos e cosméticos. De quebra, o uso do biocarvão
desencoraja o desmatamento na medida em que adensa a floresta agregando valor
ao seu manejo. É ou não é um bem no sentido absoluto dos ganhos que
propicia?
Civilização da fartura
Trata-se de um carvão vegetal refinado, altamente poroso que ajuda a reter os
nutrientes dos solos e da água, tanto das águas barrentas dos rios Solimões e
do Madeira, como as escuras do rio Negro e as transparentes como as do rio
Xingu. Todas elas foram berço de civilizações de fartura que habitaram a
Amazônia onde existiam 8 milhões de índios antes da presença européia, segundo
o pesquisador Charles Clement, orientador do reflorestador, Sergio Vergueiro, o
plantador de 2 milhões de árvores de castanha e pupunha na floresta, Fazenda
Agropecuária Aruanã, em Itacoatiara, Amazonas. Ali, a ocorrência das terras
pretas já tinha mostrado ao Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e
Melo, que deveria ser erguida um Centro de Negócios agrossilvopastoris para
receber a capital lusitana da Coroa Portuguesa. A ocorrência intensiva de
castanha, açaí, uxi, buriti – as florestas dessas espécies não são naturais e
sim plantadas, antes da chegada da cultura branca – foram possíveis graças a
adoção do fogo para preparo da terra, limpeza das ervas daninhas. Estudo
intensivo de solos escuros, ricos em bio-carvão na Amazônia (terra preta),
levou a uma apreciação mais ampla de suas propriedades para incrementar os
agronegócios de modo sustentável.
Os japoneses, os índios e os fertilizantes
Pesquisadores do Inpa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia,
consolidaram de laços de intercâmbio com universidades japonesas para
prospecção/divulgação de trabalhos sobre terra preta, ou bio-carvão, com o
intuito de conhecer as técnicas de produção e uso desse extraordinário
fertilizante no Japão e na Amazônia. Os japoneses tem o interesse de conhecer
os trabalhos locais com diferentes espécies e diferentes temperaturas de
carbonização. No Japão, o bio-carvão é produzido em escala, com a mesma
configuração química e nutricional da terra preta de seus descendentes
amazônicos.
Escatologia da hipocrisia francesa
Ecologia, economia, agronomia e agroindústria se entrelaçam em novos negócios,
não para “salvar a Amazônia”, muito menos para invocar a hipocrisia dessa tese
franco-demagógica e burra da intocabilidade da floresta. São 100 empresas que
fabricam bio-carvão no Japão, enquanto na Amazônia despejamos nos rios milhares
de toneladas de resíduos na indústria de açaí. O Brasil e o próprio Estados
Unidos começaram a divulgar há apenas cinco anos a sustentabilidade deste
negócio. Isso não significa você sair desmatando e queimando na sequência
obtusa do “Dia do Fogo”, sem técnica e com diabólica ganância. Significa
aproveitar resíduos que estão sendo descartados, subutilizados, resíduos da
produção florestal, resíduo da produção agrícola, de restos de animais, de
dejetos de animais. Pesquisa focada, portanto, no desenvolvimento, para
reposicionar e reaproveitar o manejo florestal, como os povos indolentes
dígenas fazem há milênios, domesticando a floresta e reinventando
permanentemente os parâmetros de relação saudável entre o Homem e a Natureza.
Antes de ser Minister, precisa ser Magister, para entender, pa manejar,
prosperar e partilhar a Amazônia.
Comentários