O calendário festeja mais um aniversário de nascimento do Inpa, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 63 anos de resistência para fazer Ciência na maior floresta da Terra, num país que maltrata a educação desde o jardim da Infância, a chamada pré-escola, onde as sementes dos valores e das boas práticas são plantadas. Com um acervo magnânimo de informações sobre várzeas, botânica, fauna aquática, o Inpa se coloca o desafio eterno de inventariar a biodiversidade amazônica, lugar que a Natureza escolheu para morada de seus segredos e mistérios. O geógrafo Aziz Ab’Saber costumava dizer que inventariar o acervo biótico da Amazônia é tarefa sem fim. Como sem fim é o debate sobre as possibilidades e oportunidades da Amazônia. A floresta está na moda, sobretudo depois que a mídia decidiu que setembro é o mês da Amazônia. Portanto, falar por conta da confusão com a Independência da Província do Amazonas. Falar de pesquisa, falar de floresta, falar do Inpa é falar de futuro, dos desafios que a região e o país tem pela frente se quiser e souber promover a metamorfose do patrimônio natural em prosperidade social. São prosaicos alguns dos desafios que a realidade amazônica coloca para um instituto que tem metade de seus cientistas a caminho da aposentadoria. Destes, a absoluta maioria ultrapassou há muito todos os calendários funcionais. Ali permanecem por paixão e compromisso. Peças vitais sem perspectiva de reposição. Enquanto a academia sacode as próprias sandálias da abstração para adentrar o chão de fábrica, atores da economia regional começam a estreitar ações, partilhar energia e experiência para desenhar novas matrizes de negócios, na expectativa de interiorizar oportunidades, equilibrar a distribuição da riqueza e integrar o esforço de um desenvolvimento humano mais justo e equânime. Como pensar, por exemplo, a economia da várzea, em padrões mais ousados do que aqueles que consolidaram a civilização do Nilo, sem debruçar-se sobre as pesquisas e retomar os resultados de tantas décadas de investigação feitas pelo Inpa? Como cogitar a implantação de uma nova economia florestal madeireira e não madeireira, fundada na definição de espécies por seu valor de mercado, sem revisitar os estudos das cadeias produtivas, no robusto acervo de prospecção disponível no Instituto? O mapa das vocações já foi feito por outro geógrafo, a sábia Bertha Becker, ao denunciar o imobilismo perverso e a intocabilidade estéril, que proíbe estabelecimentos produtivos na Amazônia, condenando seus habitantes ao paradoxo de viver miseravelmente numa terra plena de prodigalidades. Com um trabalho replicado pela dupla Marilene Correa e Edneia Dias da Universidade do Estado do Amazonas, na identificação das demandas de qualificação acadêmica por calha de rio, além de não ser proibido, é factível combinar a economia do extrativismo com seu contraponto agroindustrial.
Bertolethia na berlinda
A partir da próxima semana, vamos conversar com alguns pesquisadores do Inpa, enquanto aguardamos a realização de um debate sobre Castanhas, usos cosméticos, nutracêuticos e terapêuticos, com pesquisadores do Inpa, Embrapa, Ufam, UEA, Usp/Esalq, Isic/Faculdade Oswaldo Cruz, sob os auspícios do CIEAM, Fieam, Faea Sepror, Afeam, SeplanCTI, Idam, entre outros tantos interessados em debater as oportunidades da Bertolethia Excelsa, os acertos e avanços de diversos projetos, programas e realizações. Vamos debater pesquisas e seus desdobramentos de mercado na relação entre o consumo diário de castanha e a redução de problemas cognitivos que desembarcam no Mal de Alzheimer, na prevenção e controle da obesidade, um dos maiores embaraços de saúde pública nos dias atuais, pelo consumo demasiado de produtos industrializados ou de distúrbios hormonais por nutrição inadequada. A castanha já mostrou habilidades para tratar diabetes e monitorar distúrbios renais. Entre os objetivos acadêmicos, vão figurar os gargalos e lacunas de pesquisas que possam consolidar e aprofundar essas descobertas e apontar caminhos na direção do mercado. No âmbito industrial, a indústria cosmética e de fitoterápicos mira nos insumos e resíduos das beneficiadoras de castanha nativa e da cultivada para extração, beneficiamento e industrialização dos extratos, da química fina, propriedades infinitas que o mercado da beleza demanda freneticamente.
Eficiência (bio) energética
O Inpa conhece, desde a crise do petróleo dos anos 70, o teor energético de algumas dezenas de oleaginosas amazônicas, para a indústria de química fina e de biodiesel, que podem fazer funcionar sem mistérios diversos tipos de motores da região, incluindo motor de rabeta, uma invenção amazonense que ajudou o caboco a viajar mais depressa. Combustível na Amazônia vale ouro, disse Moyses Israel, pioneiro em provimento de energia na Amazônia, com a construção da Refinaria de Manaus, nos anos 50, do século passado. Em recente encontro promovido pela Fieam, para discutir eficiência energética, ele contou a uma missão do BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, que para entregar um litro de óleo no Alto Juruá, uma comunidade próxima ao Estado do Acre, 800 km de Manaus, a distribuidora gasta 4 litros no transporte. Aos 93 anos, ele propôs promover a produção de pinhão manso, fonte alternativa de energia para a produção de biocombustível, numa área experimental de 200 hectares, que possa gerar efeito demonstrativo e ser replicada em outros municípios para viabilizar agroindústria a partir do extrativismo sustentável. São projetos como estes que podem promover a aproximação dos recursos de pesquisa do Inpa, Ufam e Embrapa, e fomento do Fundo Amazônia – que o BNDES não consegue aplicar na floresta – e demais fundos de P&D das diversas agências regionais, como a Afeam. É a cadeia produtiva da Afeam com a colaboração da cadeia do conhecimento das instituições locais. A cadeia da produção e do conhecimento.
A borracha, a castanha e o feijão de várzea
Em 1942, alucinados por conta da escassez da borracha, o governo americano, invocando o Acordo de Washington, proibiu os navios cargueiros procedentes da Amazônia, de transportar castanha para Estados Unidos e Europa, a economia extrativa mais pujante da região, após a debacle da borracha, sob a desculpa do esforço de guerra que precisava dos navios cheios de borracha para os equipamentos bélicos do confronto. Um longo Memorial da Associação Comercial do Amazonas, na ocasião, descreve o que se pode chamar de interferência perversa dos acordos históricos de engessamento da economia amazônica, que escondem o imperativo da intocabilidade por razões nada altruístas. Este relato está no livro Moyses Israel, da historiadora Etelvina Garcia. Uma das incubadoras do INPA, objeto de promissora parceria na área de alimentos, é ironicamente um programa de beneficiamento e agregação de valor ao extrativismo da castanha, uma economia ora entregue aos roedores por restrições ambientais nas Unidades de Conservação. A melhor forma de investir contra esse frequente tipo de insensatez ambiental é demonstrar a viabilidade de novas tecnologias de alimentos, que sejam sustentáveis do ponto de vista da produção e integrais na ótica da biossegurança, para resgatar e atualizar o conhecimento consolidado na região, diz Adrian Pohlit, da coordenação de Tecnologia e Inovação do INPA, nosso entrevistado da próxima semana. Nesse contexto, é exequível normatizar e equacionar os negócios da aquicultura e levar em conta os programas e projetos de aproveitamento da ictiofauna que os pesquisadores locais têm desenvolvido. E é infinito o inventário de oportunidades que as várzeas amazônicas propiciam na produção de alimentos, como o feijão de praia que a AFEAM transformou em fonte de renda e prosperidade para as famílias do Rio Purus, entre outros itens de uma extensa cadeia produtiva que evolui com a inserção e articulação da cadeia do conhecimento e da libertação do atraso e do descaso. Voltaremos.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
Comentários