Com a diplomacia que Deus lhe deu, fruto do discernimento amazônico, que ajuda a separar alhos de bugalhos e olhos de piolhos, o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, Antônio Silva, conferiu o posto de presidente adjunto, com poderes compartilhados e especial reverência, ao empresário Moysés Israel, uma homenagem e um reconhecimento dos mais justos e dignos para um dos fundadores da entidade, seu sábio conselheiro e paradigma de conduta empreendedora. Antônio Silva moveu-se pela consideração da presença judaica em toda e qualquer iniciativa para resgatar a memória dos grandes empreendedores da Amazônia no século XX. Um fato emblemático que reprisa, amplia e consolida o reconhecimento decisivo da contribuição judaica na construção do empreendedorismo amazônico, já anotado na celebração dos 50 anos da Fieam, a Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, ocorrida em 2010, quando premiou o agroindustrial da castanha para receber a homenagem do empreendedor do ano. O gesto chamou a atenção na escolha dos critérios de premiação adotados pela entidade para festejar a própria história. Aí estão filiadas empresas globais com tecnologia de ponta – duas rodas, eletroeletrônicos, informática, setor relojoeiro, plásticos, etc. – que integram o polo industrial de Manaus. Naquele evento, entretanto, a homenagem mais simbólica foi prestada à presença judaica no estado, representada por um hebreu exportador de castanhas, o empresário Moisés Sabbá, remanescente de uma saga de empreendedores da região. Numa tacada, a entidade resgatou a castanha, um ícone da biodiversidade tropical, e reconheceu o papel exercido pela presença judaica na Amazônia, que acabara de completar 200 anos. Sabbá, o pioneiro que figurou na capa da Revista Time e Paris Match, era tio e sócio de Moysés Israel, nos empreendimentos que propiciaram a construção da Refinaria de Manaus, nos meados da década de 50. A castanha é um sinal de alerta para a vocação coerente de negócios da região. E os hebreus aqui chegaram fugidos da discriminação opressiva do Velho Mundo, via Marrocos, para respirar o oxigênio da liberdade, para “fazer a América”, diga-se, mais precisamente no sentido de sua potencialidade biogenética tropical mais referencial – a Amazônia.
Pioneiros da sustentabilidade
O gesto de Antônio Silva retrocede no tempo e recupera mais de dois séculos de obstinação na floresta. Em 1810, quando Brasil e Inglaterra firmaram um tratado de navegação e comércio, os navios que zarparam com os hebreus marroquinos já tinham em mira as promessas da floresta, as ervas do Sertão e, reafirmadas logo depois, a afirmação da Hevea brasiliensis, a mitológica seringueira, como a árvore da fortuna, que propiciou o início do Ciclo da Borracha. Ao lado dos nordestinos, árabes, gregos, barbadianos e dos grupamentos nativos, eles se fizeram artífices e protagonistas de um ciclo de dor, gestação e glamour. O presidente Antônio Silva, ao chamar Moysés Israel para mais perto de sua governança bem sucedida, compartilhada com outro pupilo do homenageado, o presidente Wilson Périco, reconheceu o significado e as promessas simbólicas de luta, obstinação solidária do povo judeu. Os judeus na Amazônia desencadearam múltiplas ações pioneiras para produzir esses itens em agro e bioindústrias que fazem e farão dos emblemas e poemas naturais amazônicos, a flora do tesouro amazônico, o leite e o mel da promessa milenar. Nos anos 1950, havia mais de quarenta empresas judaicas que beneficiavam para exportação diversos itens do acervo natural florestal. Eles eram e são especialistas em desenvolvimento não-predatória desta terra de generosos dons.
Eretz Amazônia
Resgatar essas iniciativas é convite para revisitar o sentido instigante da presença hebraica na região e seus indicadores de cumplicidade étnica, que desembarcou na comunhão de propostas e propósitos focados na vocação econômica e ecológica de negócios e oportunidades da floresta, e os desafios – cada dia mais urgentes – de promover a diversificação e interiorização da economia e do desenvolvimento, à luz dos novos paradigmas de sustentabilidade e da prosperidade geral. Eretz Amazônia – Os judeus na Amazônia, foi uma publicação densa, épica e profética do professor Samuel Benchimol, que gerou um documentário da TV Cultura do Pará e uma peça em sete atos do escritor Márcio Souza, para resgatar essa relação entre a obstinação de um povo – e sua obsessão libertária – e a provocação dos desafios que o bioma amazônico sinaliza e abriga em seu fascínio e mistérios. Eretz Amazônia foi reivindicado pela Editora Lashon Tsachaque, de Tel Aviv, para ganhar versão hebraica. A publicação foi lançada no dia 5 de julho de 2012, por uma “suspeita coincidência”, no dia em que se registraram dez anos de sua partida, e uma semana antes da data em que completaria 89 anos. É uma Amazônia que desembarca em Israel, trazida como objeto de um relato sentimental, uma história de dor, amor e paixão, plena de grandes atribulações, conquistas e avanços, frutos da fidelidade e obstinação atávica.
A maior inspiração
Cabe recordar, nos primórdios de luta que antecederam a implantação da Zona Franca de Manaus, em meados dos anos 1950, que os judeus se aliaram a outros povos árabes, europeus, numa comunhão historicamente fraterna. Eles estavam presentes, e decisivamente, na Associação e na Junta Comercial e demais entidades não apenas com a contribuição expressa num portfólio de negócios que reunia mais de quarenta empresas, nos negócios de I.B. Sabbá e Moysés Israel, mas como pressão moral e política para o Brasil voltar atenções para a Amazônia, a prodigalidade de promessas da região. Eles apostavam em beneficiadoras de produtos regionais, fibras, peles, resinas, óleos vegetais, fármacos, produtos madeireiros e não madeireiros da silvicultura, que deram base, por exemplo, à economia dinâmica que demandava energia. Este portfólio credenciou uma carta de crédito para a compra de uma refinaria de petróleo – isso mesmo! –, trazida em navio da Costa Leste dos Estados Unidos, para ser montada no meio da floresta, sem guindastes, no “muque” nativo e dos que aqui haviam desembarcado para aliar-se na luta por novas matrizes de negócios. Cabocos, hebreus, arigós, árabes, europeus e asiáticos, ativos e executivos remanescentes do II Ciclo da Borracha, que o governo norte-americano havia buscado retomar sem muito sucesso nos estertores da II Guerra Mundial dos anos 1940. Em Los Angeles, onde Moysés Israel, com a credencial do tio-sócio I.B. Sabbá, foi buscar a refinaria, contou com a ajuda de Arthur Amorim, filho de um próspero comerciante amazonense, e Roberto Campos, com quem estreitou sólida amizade, cujos reflexos surgiram no desenho detalhado do projeto Zona Franca de Manaus, criado pelos dois servidores públicos do governo Castelo Branco, Campos, ministro do Planejamento e Amorim, seu Chefe de Gabinete. Moysés foi a maior inspiração.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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