Com a dificuldade da Igreja Católica em alocar padres nas igrejas na Amazônia, o envio de padres indianos de congregações católicas com atuação binacional tornou-se comum nos últimos 15 anos
Para uma série de fiéis, a Floresta Amazônica tornou-se mais do que um bioma – agora, a vasta vegetação é vista como seu próprio “reino de Deus”. Em cidades como Humaitá, Novo Aripuanã, Itacoatiara, Manaus e Borba, no Amazonas, as missas em português rezadas por padres indianos já fazem parte da realidade das igrejas, tornando-os maioria entre os religiosos estrangeiros, segundo dados do Centro de Formação Intercultural (Cenfi).
Esse cenário se forma pois a Amazônia, maior bioma do Brasil, que cobre 49% do território, a Igreja Católica enfrenta dificuldades para alocar padres. Muitas comunidades passam o ano sem missa, mesmo com igrejas disponíveis, devido à escassez de sacerdotes e à grande extensão territorial. Com isso, nos últimos 15 anos, foi-se fortalecendo um movimento de ocupação dos “desertos de padres” na região, por meio de indianos que chegam ao país em congregações católicas com atuação nos dois países, em especial a Missionários de Maria Imaculada (MMI) e a Verbo Divino.
Hoje, segundo os próprios religiosos à frente das missões, pode haver mais de 100 indianos atuando em igrejas na Amazônia e outros lugares do país.
Fim da predominância europeia
A Europa, historicamente uma grande fonte de missionários para o Brasil, enfrenta um declínio nesse envio, afirma dom Maurício da Silva Jardim, da CNBB. Ele destaca que países como Itália, Alemanha e Espanha já não têm missionários disponíveis e aponta Ásia e África como o futuro da Igreja. “Outrora, vinham muitos italianos, alemães, espanhóis, mas a Europa não tem mais missionários para enviar”, conta dom Maurício em reportagem da BBC. “Ásia e África são o futuro da Igreja”.
O presidente da CNBB aponta que o principal problema no Brasil não é a falta de padres em si, mas sua má distribuição. Ele destaca que, em regiões mais pobres e distantes, poucos religiosos se dispõem a atuar, agravando a escassez de atendimento pastoral em locais remotos.
O historiador Diego Omar da Silveira, coordenador do curso de ciências da religião na Universidade Estadual do Amazonas (UEA), em Parintins, observa que missionários estrangeiros desempenharam papel essencial na expansão da Igreja Católica na Amazônia desde o século 20. Em sua análise, o envio atual de missionários católicos busca também enfrentar o crescimento das igrejas evangélicas, que possuem mais agilidade para abrir templos e enviar pastores à Amazônia, ao contrário da estrutura mais burocrática da Igreja Católica.
Dados do Censo de 2010 mostram que o catolicismo na região Norte caiu de 71,3% para 60,6% entre 2000 e 2010, enquanto os evangélicos cresceram de 19,8% para 28,5%. Pesquisa do Datafolha em 2020 estimou 50% de católicos e 39% de evangélicos no Norte, indicando a continuidade dessa tendência.
Por que padres indianos?
Embora o hinduísmo seja a religião predominante na Índia desde sua formação como país, o cristianismo tem uma presença histórica constante. Atualmente, cerca de 2% da população da Índia é cristã, com maior concentração nos Estados do Sul, como Tamil Nadu e Karnataka. Embora a maioria seja católica, há também uma presença significativa de evangélicos de diversas denominações.
O padre Durai Arul Dass, à frente da administração do Sítio Pérola e padre em Campo Grande, entrevistado pela BBC, acredita que a grande população da Índia facilita o surgimento de vocações religiosas, já que famílias numerosas aceitam mais facilmente que um filho se torne padre. Ele também aponta que a cultura indiana é marcada por maior devoção religiosa e menos foco na “liberdade” oferecida pelo mundo.
“No início não é fácil, a gente vem de uma cultura que não abraça muito, que mantém um distanciamento. Eu achei que não fosse sobreviver, mas Deus é maior, ele sabe por que trouxe”, diz Durai.