A coexistência da superficial escassez hídrica na Amazônia com abundantes reservas subterrâneas cria um paradoxo intrigante. Apesar da vasta disponibilidade de água no aquífero, a população e a infraestrutura regional continuam a sofrer com os efeitos das secas. Esse cenário aponta para a necessidade urgente de políticas públicas eficazes e projetos de gestão hídrica que possam equacionar esse dilema.
Por Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
O cenário atual confirma a escassez hídrica na região amazônica, especialmente nas calhas dos rios Madeira e Purus, e tem-se tornado um fenômeno recorrente e preocupante. Em 2023 e 2024, essa situação dramática também afetou o Rio Solimões, que, ao atingir Manaus, compartilha o nome com o Estado e com as guerreiras da mitologia grega.
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e abastecimento na região e isola comunidades
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou nesta semana uma situação de Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos nesses rios e seus afluentes, intensificando os processos de monitoramento hidrológico dessas bacias até 30 de novembro. As chuvas acumuladas nas bacias dos rios Madeira e Purus ao longo do período chuvoso, de novembro a abril, ficaram abaixo da média, resultando em níveis de água criticamente baixos.
As anomalias negativas de chuva afetaram drasticamente os níveis dos rios da região, que se mantêm próximos aos valores mínimos históricos. Essa situação já impacta usos essenciais da água, consumo da população, a navegação e a geração hidrelétrica, destacando a fragilidade da infraestrutura local frente à mudança climática.
Mobilização Institucional
É recorrente o debate liderado pelo Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) no âmbito da Comissão de Logística e Competitividade. Esses encontros, que envolvem direção de empresas, academia, setor público e prestadores de serviços de transporte, avançam em busca de saídas viáveis para o problema. A seca prolongada afeta diretamente o transporte aquaviário, um dos principais meios de locomoção e escoamento de produtos na região amazônica.
Impactos e consequências
A Hidrovia do Rio Madeira, por exemplo, é vital para o transporte de cargas agrícolas, alimentos, medicamentos e combustíveis. As comunidades ribeirinhas, que dependem dos rios para acesso a serviços essenciais como saúde e educação, enfrentam dificuldades crescentes. A produção de energia hidrelétrica também sofre com a escassez hídrica. As usinas de Jirau e Santo Antônio, localizadas no Rio Madeira, são responsáveis por gerar uma parcela significativa da energia do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Com a redução do volume de água, a capacidade de geração dessas usinas fica comprometida, levando a possíveis déficits de energia. Amazonas e Roraima são estados isolados em relação ao resto do país, pois a única rodovia disponível se encontra intrafegável no período das chuvas e sem asfalto em 50% de seu traçado.
Aquífero Grande Amazônia
Contrapondo-se à superfície árida, a região possui o maior aquífero do mundo. O Grande Amazônia é 4 vezes maior do que o aquífero Guarani, que antes detinha esse título. Com aproximadamente 162 trilhões de litros de água (162.520 km³), a reserva abasteceria a demanda de água doce do planeta por mais de 250 anos. No entanto, a exploração e o aproveitamento desses recursos ainda são limitados devido à carência de pesquisas e infraestrutura adequadas.
O paradoxo da oferta e escassez
A coexistência da superficial escassez hídrica na Amazônia com abundantes reservas subterrâneas cria um paradoxo intrigante. Apesar da vasta disponibilidade de água no aquífero, a população e a infraestrutura regional continuam a sofrer com os efeitos das secas. Esse cenário aponta para a necessidade urgente de políticas públicas eficazes e projetos de gestão hídrica que possam equacionar esse dilema.
Projetos e soluções
Para enfrentar esse desafio, é imperativo que o poder público desenvolva estratégias integradas de gestão dos recursos hídricos. A implementação de tecnologias de captação e uso eficiente da água subterrânea pode oferecer uma solução sustentável para a escassez hídrica superficial. Além disso, a ampliação dos estudos hidrogeológicos na região é essencial para um melhor entendimento e aproveitamento dos aquíferos.
A mudança climática, já inegável, exige adaptações e medidas preventivas para mitigar seus impactos. Projetos de infraestrutura resiliente, aliados a práticas de conservação ambiental, podem ajudar a assegurar a disponibilidade de água para as futuras gerações. A integração entre políticas públicas, setor privado e a comunidade científica é crucial para desenvolver soluções duradouras e eficientes.
Abraço Brasil
A escassez hídrica na Amazônia é um fenômeno complexo que exige uma abordagem multidimensional e interdisciplinar, com acordos de cooperação entre os países envolvidos, como Peru e Colômbia. O reconhecimento das reservas subterrâneas astronômicas oferece uma esperança, mas também ressalta a necessidade de um abraço Brasil, com um arrojado projeto de gestão hídrica eficaz e integrada. O poder público deve liderar esforços para desenvolver projetos que aproveitem esses recursos de forma sustentável, garantindo alternativas para a população e para a movimentação logística e competitiva da economia.
Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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