“Enquanto o mercado de crédito de carbono foi promovido como uma solução prática para o aquecimento global, está claro que precisamos de uma abordagem mais holística e menos suscetível a exploração e ciladas.”
Anotações de Alfredo Lopes
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Coluna Follow-Up
Por que precisamos repensar as alternativas de mercado para compensação ambiental? Os estudiosos mais reconhecidos na matéria dos tais créditos de carbono costumam perguntar quanto vai ficar para a região o projeto X ou Y? Há muita fumaça mas também muita desilusão por parte dos nativos interessados. Afinal, desde o Protocolo de Kyoto, acordo ambiental fechado durante a 3ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizado no Japão, em 1997, que a monetização patina. Foi o primeiro tratado internacional para controle da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera e sua precificação.
No Brasil já temos legislação para regular o mercado de créditos de carbono, uma ferramenta popular para empresas que buscam neutralizar suas emissões de carbono, adquirindo créditos que supostamente representam a quantidade de CO2 que florestas, principalmente em regiões tropicais como a Amazônia e determinadas regiões da África, conseguem sequestrar. Como uma bomba de efeito moral, um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley, financiado pela ONG Carbon Market Watch, de setembro último, revela falhas profundas nesse sistema que comprometem sua eficácia e credibilidade, de acordo com reportagem do jornal DW.
Nos casos avaliados com a metodologia criada pela badalada universidade, as análises apontam lacunas na demonstração das compensações efetivas. Ou seja, numa linguagem popular estão vendendo gato por lebre, pois não é fácil demonstrar a mensuração da efetividade climática. Além das falhas metodológicas evidenciadas, que não conseguem quantificar volumes do carbono em questão, há fortes indicadores de prejuízos das comunidades envolvidas. Isso significa que os nativos que participam do projeto acabam excluídos ou não beneficiados nas operações.
Um dos equívocos mais frequentes ocorrem em projetos onde são subestimados o chamado o risco de deslocamento de desmatamento, uma cilada que consiste em deslocar a pressão do desmatamento de uma área X outra áreas Y ou em regiões próximas. Essa descoberta ocorre no momento das auditorias intermediárias que validam ou não as descrições da compensação negociada.
Alguns projetos já circulam no âmbito estadual e muitos outros já estão negociando com antecedência da Conferência das Partes, a COP30, que ocorrerá em novembro de 2025, em Belém. Especialistas já revelam os problemas metodológicos mais comuns, que permitem estimativas de desmatamento que variam drasticamente, proporcionando uma grande flexibilidade para que os detentores de projetos manipulem os resultados. Auditar esses projetos virou o melhor negócio de renomadas consultorias internacionais.
Um ponto crucial do estudo é a inadequação de usar a preservação florestal para compensar emissões de combustíveis fósseis. Dado que os combustíveis fósseis levaram milhares de anos para se formar, o estudo argumenta que é impraticável esperar que as florestas sequestrem quantidades equivalentes de carbono em um período de tempo comparável, especialmente quando essas florestas estão sob risco iminente de desmatamento. Essas deduções absolutamente evidentes permitem avaliações preliminares que, ainda bem, desestimulam os candidatos aos famigerados créditos.
Então, estamos diante de sofisticadas ciladas da sustentabilidade? Ou existem alternativas factíveis? E onde estão acontecendo? Os pesquisadores de Berkeley recomendam que os recursos sejam direcionados para a prevenção das causas do desmatamento, como a demanda por alimentos e combustíveis. Pesquisadores citam como exemplo a Lei Antidesmatamento da União Europeia, embora reconheçam que essa legislação também enfrenta críticas.
Em recente entrevista com José Alberto Costa Machado, doutor em Desenvolvimento Regional pela UFAM, ele assegurou que “Uma das boas novidades trazidas por essa legislação foi prever a exploração de produtos e de serviços florestais não madeireiros e, em especial, a transferência de titularidade dos créditos de carbono do poder concedente ao concessionário, bem como o direito de comercializá-los em conjunto com os serviços ambientais associados. Ressalvadas, de forma bem clara, as áreas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais. Então, no meu entendimento, estão bem resguardados os direitos das comunidades tradicionais que vivem nessas áreas.”.
No caso das populações tradicionais da Amazônia, os as etnias são comprovadamente relacionadas à preservação ambiental, os projetos podem ser validados por evidências históricas. Indígenas da Amazônia são reconhecidos como guardiões da floresta e não há como desacredita-los. Por outro lado, na medida em que tais projetos possam aliviar dívidas de países em desenvolvimento e proporcionar financiamento justo para proteção climática os pesquisadores adotam recomendações para aliviar a pressão comercial que destrói ecossistemas reconhecidos pela Ciência.
Em suma, o caminho desses créditos não dá trégua a ciladas dos aventureiros de plantão, espalhados por toda a Amazônia desde sempre. A rigorosa avaliação metodológica, portanto, dos tais créditos de carbono, tem um lado extremamente favorável ao combate às mudanças climáticas, que se configura na necessidade de soluções que sejam não apenas eficazes, mas também justas e transparentes. Enquanto o mercado de crédito de carbono foi promovido como uma solução prática para o aquecimento global, está claro que precisamos de uma abordagem mais holística e menos suscetível a exploração e ciladas.
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Alfredo é filósofo, foi professor na Pontifícia Universidade Católica em São Paulo 1979 – 1996, é consultor do Centro da Indústria do Estado do Amazonas, ensaísta e co-fundador do portal Brasil Amazônia Agora
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