“Isso é barbárie. Nós estamos presenciando bárbarie, genocídio. Não carregue o sangue indígena em suas mãos. Assassinos, vocês são assassinos dos Povos Indígenas!”
Os gritos da bancada indígena da Câmara após os deputados aprovarem o regime de urgência para o Projeto de Lei 490/2007, que estabelece o marco temporal para a demarcação de Terras Indígenas, dão a tônica da revolta de um dia em que Povos Indígenas, ativistas e especialistas ambientais foram seguidamente atacados no Congresso Nacional. Mas também foram apenas o início de movimentações – políticas e sociais – contra tantas violências.
A corrida para aprovar o PL 490 é claramente uma ação puxada por deputados ruralistas. A bancada do boi tenta fazer com que o Congresso esvazie a votação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), que será retomada no dia 7 de junho. Segundo o Congresso em Foco, se aprovado, o PL do marco temporal pode representar a perda de 63% das TIs demarcadas ou em processo de demarcação no Brasil. É por cima delas – e do sangue dos indígenas – que a boiada quer passar.
A deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) bradou que o PL 490 é um genocídio indígena com a anuência do Legislativo, relata o UOL. “Um Brasil que começa por nós, mas que não leva em consideração o Povo Originário, que defende não somente um bem prestado a nós, mas sobretudo um bem prestado à sociedade. São assassinos e é um genocídio legislado, usando a estrutura do Congresso Nacional.”
Para o advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Rafael Modesto, a corrida do Congresso é uma clara tentativa de pressionar o Supremo, disse à Carta Capital. Entretanto, o “genocídio legislado” pode ser em vão. Primeiro, porque, mesmo se aprovado na Câmara, o PL ainda passará pelo Senado, que pode não aprová-lo. Depois, porque a palavra final acabará sendo do STF.
“É certo que o STF vai definir sobre a interpretação do artigo 231 e se existe marco temporal na Constituição. O que querem, ao nosso ver, é pressionar o STF para fixar um entendimento favorável ao PL 490. São poderes independentes, o Congresso pode até aprovar a lei que regula a tese, mas quem vai dar a última palavra vai ser a Suprema Corte.”
Por isso, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) acionou a Advocacia Geral da União (AGU) para solicitar, de maneira urgente, a revogação do parecer sobre o marco temporal enviado à Corte em 2017, no governo de Michel Temer. Segundo o CNDH, o documento legitima invasões, expulsões e violência contra os Povos Indígenas e serve para inviabilizar demarcações de territórios, bem como rever demarcações concluídas ou em andamento, informa o Brasil de Fato.
Em artigo na Folha, Samela Sateré Mawé, assessora de comunicação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), lembrou que o marco temporal é inconstitucional. Além de ferir a vida dos Povos Originários, representa um risco para a biodiversidade, para o meio ambiente e para o clima de todo o planeta. É uma tese perversa, que legitima a violência contra os corpos-territórios indígenas, reforça ela.
“As Terras Indígenas demarcadas e as Unidades de Conservação são as regiões com maior preservação da biodiversidade, pois somos nós, Povos Indígenas, os principais guardiões dos biomas. Entendemos o território como uma extensão dos nossos corpos, não havendo diferença entre os seres humanos e as árvores, os animais e os rios. Sentimos na pele quando queimam e desmatam, matando as árvores e os seus moradores, seres vivos e encantados.”
A aprovação da urgência do PL do marco temporal teve ampla repercussão, com matérias do Estadão, Correio Braziliense, Valor, CNN, Folha, g1, Poder 360, CBN e O Globo. Estadão e Poder 360 também mostraram como cada deputado votou na tramitação da urgência.
Em tempo 1: O secretário da Justiça e Cidadania do estado de São Paulo, Fábio Prieto, defendeu a tese do marco temporal das Terras Indígenas em um ofício entregue ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) no início desta semana.
No documento, o chefe da pasta afirma que as consequências de ruptura do entendimento vigente são imprevisíveis para o país e afetariam áreas urbanas de São Paulo, segundo o Estadão. Ainda segundo o jornal, Tarcísio ainda avalia a questão e deve debater o tema com governadores de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais na próxima semana.
Em tempo 2: No mesmo dia em que os deputados aprovaram a urgência para o PL 490, o elenco e a direção do filme “A Flor do Buriti”, em exibição na mostra “Um Certo Olhar”, usou o tapete vermelho do Festival de Cannes para defender os direitos territoriais indígenas protestando contra o marco temporal. “O futuro das Terras Indígenas no Brasil está sob ameaça. Não ao marco temporal”, dizia a faixa empunhada pela equipe do longa, entre eles os atores Francisco Hyjno, Luzia Cruwakwyj e Henrique Ihjac, originários do Povo Krahô, do Tocantins. Além dos atores, os diretores portugueses João Salaviza e Renée Nader Messora também participaram da manifestação, segundo a Veja.
Em tempo 3: A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, relatou sua frustração com a ausência do presidente Lula na discussão da medida provisória que pode retirar de sua pasta a responsabilidade sobre a demarcação de Terras Indígenas. A mudança está no relatório do deputado federal Isnaldo Bulhões (MDB-AL), aprovado pela comissão mista do Congresso que analisa a MP da reestruturação dos ministérios.
“Não posso negar que há, sim, uma certa frustração. Até porque o presidente Lula se comprometeu durante a campanha, prometeu ministério, cumpriu, e esse ano se posicionou fortemente com esse protagonismo dos Povos Indígenas e a retomada da demarcação dos territórios”, disse ela, em entrevista à GloboNews, reproduzida por g1 e UOL.
Sonia Guajajara classificou a mudança como um “esvaziamento da pauta principal do ministério”. E contou que houve “conversas” para tentar apresentar um texto alternativo. “Mas infelizmente essa atribuição da portaria declaratória volta para o Ministério da Justiça”, disse.
Texto publicado em CLIMA INFO
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