É fundamental conduzirmos uma agenda de boas práticas de políticas públicas voltadas para a superação dos graves problemas sociais brasileiros deixado pelo atual governo, como a fome e a pobreza.
Por Márcio Holland
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Coluna Follow-up
Causou muito alvoroço a reação do mercado financeiro diante da fala do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Lula disse, entre outros, que “as pessoas são levadas a sofrer para garantir a chamada estabilidade fiscal” e questionou “por que se fala em cortar gastos, fazer superávit e respeitar o teto de gastos?”.
Para muitos, o mercado exagerou e, mais, não fez o mesmo durante os quatro últimos anos em que o presidente Jair Bolsonaro promovia recorrentes ataques às instituições, à democracia e mesmo ao Orçamento, vide a aberração inconstitucional chamada de “orçamento secreto”.
O fato é que, ao longo dos últimos quatro anos, o real foi uma das moedas de economias emergentes que mais se desvalorizou e as ações negociadas em bolsa brasileira desabaram; o CDS (credit default swap) de 5 anos, que mede o prêmio de risco-País, praticamente dobrou nos últimos 12 meses. Ou seja, o mercado reagiu com mau humor aos desatinos do presidente Bolsonaro.
O mercado manda sinais a cada nova informação. Isso não quer dizer que o mercado acerte, mas que é racional, no sentido de que os agentes econômicos sabiamente coletam o máximo possível de informações relevantes, as processam e formam preços. A racionalidade do mercado pode ser limitada, com vieses, formar bolhas especulativas, apresentar sobre-reações e excessos de volatilidades. Faz parte do jogo do capitalismo.
O fato relevante é que a situação fiscal brasileira é gravíssima. Ela tem um componente estrutural e outro conjuntural. Confesso que tenho achado o problema conjuntural cada vez menos importante dado o gigantesco desafio estrutural. A geração de superávits primários ao longo dos anos 2000 só foi possível graças aos fatores cíclicos (aumento dos preços das commodities).
De outro lado, as despesas obrigatórias já batem em 95% de todas as despesas primárias, e com forte componente naturalmente expansionista. O problema fiscal brasileiro é relevante fonte de volatilidade de preços de ativos e uma das principais causas das elevadas taxas de juros domésticas.
Recentemente, foram as surpresas positivas com receitas tributárias – em grande parte devido à alta de preços de commodities, novamente – que salvaram o País do descontrolado populismo fiscal, assim como as chamadas receitas não-recorrentes, na forma de dividendos e concessões. Entre janeiro e setembro deste ano, essas receitas já acumulam R$ 121 bilhões, e o resultado primário do Governo Central chegou em R$ 33,7 bilhões. Ou seja, não fossem as receitas não-recorrentes não teríamos superávit primário, mesmo com um bom empurrão de receitas tributárias.
A regra do teto de gastos, celebrado como Novo Regime Fiscal, a partir de uma emenda constitucional, a EC no. 95, de 2016, nasceu cambaleante e faleceu de morte anunciada. Desde lá, já foram aplicados pelo menos cinco golpes fatais na forma de emendas constitucionais, alterando a regra.
O Brasil é mesmo mestre em desrespeitar regras fiscais. Com sua morte, o País está à deriva, sem um arcabouço fiscal claro que alinhe as expectativas de mercado e que permita ajuste fiscal pelo lado da despesa. Perdemos a oportunidade de discutir as prioridades da sociedade no orçamento público e de promover revisões de despesas, o que muitos chamam de “spending review”.
Diante da ideia de se adicionar às despesas obrigatórias, em caráter permanente, R$ 175 bilhões por ano, sem qualquer informação sobre a fonte de receita ou sobre onde vai se cortar em gastos, não há resposta mais racional do que a do mercado, como a observada no último dia 10 de novembro. Não há o menor cabimento que a discussão sobre uma PEC supostamente de “transição” (mas que gera gastos permanentes) não venha acompanhada de proposta para um novo arcabouço fiscal que garanta a solvência fiscal do País de modo sustentado.
Vale lembrar que, gostem ou não, em economia, não existe almoço grátis. A cada 1 ponto porcentual de aumento na Selic, a dívida pública salta uns R$ 40 bilhões. Para se ter uma ideia do impacto de aumento da Selic na gestão fiscal global, de acordo com a Nota à Imprensa do Bacen, divulgada em 31 de outubro, nos 12 meses acumulados até setembro, os juros nominais somaram R$ 592,0 bilhões (6,29% do PIB), comparativamente a R$ 351,8 bilhões (4,17% do PIB) nos 12 meses até setembro de 2021. E o motivo principal deste salto foi o recente ciclo de alta da Selic. A fala do presidente eleito Lula deslocou as taxas de juros a termo, em média, em 1,5 pp.
Ao apregoar a expansão fiscal a qualquer custo, as taxas de juros sobem e o Brasil ao aumento dos encargos financeiros da dívida pública. A solução a ser dada para o imbróglio fiscal deixado pelo atual governo deve definir o quanto o Banco Central do Brasil estará disposto a flexibilizar a política monetária no próximo ano. Adicionalmente, ilude-se quem acredita que o gasto público brasileiro “é vida”. Não o é.
O multiplicador fiscal dos gastos brasileiros situa-se abaixo da unidade; na verdade, ele está bem mais próximo de zero. Ou seja, mata-se dois coelhos com uma única cajadada. Aumentos desmedidos de gastos públicos, legítimos ou não, forçam o Banco Central a rever sua estratégia de afrouxamento monetário, tendo como efeito colateral o aumento dos juros nominais da dívida pública; e, de sobra, não gera crescimento econômico sustentado.
É fundamental conduzirmos uma agenda de boas práticas de políticas públicas voltadas para a superação dos graves problemas sociais brasileiros deixado pelo atual governo, como a fome e a pobreza. O Auxílio Brasil destruiu pilares da focalização tão importante para fazer chegar recursos a quem realmente precisa; diversos programas sociais foram implodidos em nome da ideologia de plantão, sabe-se lá o que seja isso. Mas, ao mesmo tempo, conduzir o País para a irresponsabilidade fiscal tem custos sociais provavelmente muito maiores do que os benefícios imediatos – se é que os têm – do populismo fiscal.
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