Por Thiago Mariani – Fauna News
Você já imaginou como seriam os lugares na época em que os fósseis que você mais gosta viveram? Imagine como seria o lugar onde dinossauros (sempre os dinossauros) saurópodes viviam junto com outros dinossauros herbívoros; enquanto havia carnívoros à espreita, prontos para avançar sobre suas presas. E quanto aos ambientes pretéritos do nosso país? Já imaginou como eram? Essas imaginações dão o que falar mesmo.
Esses cenários do passado mexem muito com a nossa cabeça. As reconstruções dos filmes nos ajudam a criar esses ambientes também. Além de pensar sobre como essas reconstruções são feitas, já imaginou em como poderiam ser as relações ecológicas nesses ambientes? O que cada animal comia? Herbívoros comiam plantas, mas quais plantas? Carnívoros comiam carne, mas carne de animais de qual espécie? E uma das coisas que eu acho mais chamativas: quem foram os predadores de topo, aqueles onipotentes cuja pura presença emanava um poder de dominação sobre os demais?
Sim, você deve ter pensado em um tiranossauro…
Bem, reconstituir relações ecológicas entre organismos extintos é um passo bastante complicado de se dar. É difícil dizer exatamente o que os carnívoros comiam. Existem poucos fósseis com marcas de predação e ainda assim continua sendo difícil de dizer exatamente qual a espécie que colocou seus dentes ali. Às vezes, mais do que saber O QUE eles comiam, pode ser interessante buscar entender COMO eles caçavam ou matavam suas presas.
Aqui no Brasil, não existiam tiranossauros como nos EUA. Mas existiam crocodilos. E eles foram bastante comuns e pareceram ter sido os predadores de topo em algumas regiões, como a bacia Bauru, já tema de vários textos desta coluna. Muitos fósseis dessa bacia são de rochas do Cretáceo Superior. É importante lembrar que boa parte dessa região foi um ambiente que transitava de árido à semiárido, com influências de rios temporários, planícies de inundação e até mesmo oásis, dentro de um regime climático em que havia meses secos e úmidos bem definidos.
Reconstrução ambiental e faunística da Bacia Bauru. Há um crocodilo aquático (Pepesuchus deiseae) junto com outras tartarugas (Bauruemys elegans) em um trecho de rio temporário. Ao fundo, há a um titanossauro e um crocodilo terrestre, um baurusuquídeo, vagando pela região. Será que ele estava à procura de uma presa?
Especula-se que esse tipo de ambiente limitou o florescimento e crescimento dos dinossauros terópodes na região, visto que há menor diversidade desses animais em comparação com outros vertebrados, como crocodilos, tartarugas e titanossauros. Das espécies de terópodes, poucas atingiram grande porte como em outras regiões do mundo e isso abriu um caminho para que os crocodilos pudessem ocupar os nichos de grandes predadores.
Estudo sobre Baurusuchus e a família Baurusuchidae
Um estudo muito legal que investigou esses crocodilos e, ao mesmo tempo, tentou desvendar como eles poderiam ter caçado foi realizado com o crânio de um gênero de crocodilo fóssil, o Baurusuchus. Essa espécie – assim como outras de crocodilos da mesma família, Baurusuchidae – era terrestre e possuía características de hipercarnivoria, como crânio robusto e alto; dentes hipertrofiados chamados de caniniformes, aparentando os caninos dos mamíferos; e dentes finos, pontudos e com as bordas serrilhadas – um conjunto de características conhecidas por dentição zifodonte –, próprios para perfurar e cortar.
Os autores aplicaram um método em que conseguiram reconstruir a musculatura craniana do animal e calcular o quanto de força esses músculos exerciam sobre os ossos do crânio quando o animal mordia em três regiões diferentes da boca. Ou seja, três tentativas de recriar como o animal caçava. Eles ainda compararam com as forças dos músculos cranianos do Allosaurus e do jacaré americano.
Reconstrução tridimensional do crânio de Baurusuchus (A), mostrando as principais características relacionadas à hipercarnivoria. Destaque para os dentes hipertrofiados, ou seja, muito desenvolvidos e maiores do que os outros, chamados de caniniformes. Como comparação, também há os crânios de Allosaurus (B) e do jacaré americano, Alligator mississippiensis (C). De um modo geral, nota-se que o crânio do Baurusuchus se assemelha tanto aos crânios do Allosaurus quanto ao do Alligator –
O Baurusuchus não tinha uma força de mordida muito alta, mas podia fazer bastante estrago em suas presas porque poderia ter usado tanto os músculos da boca para morder quanto a força dos músculos do pescoço, além de dentes próprios para perfurar e cortar a carne. Como esses animais eram terrestres, eles não tinham como carregar suas presas para debaixo da água, como fazem os crocodilos modernos. Em vez disso, eles matavam as presas com diversas mordidas, causando perfurações profundas com os dentes caniniformes, e chacoalhavam a cabeça ao mesmo tempo para causar o máximo de ferimentos possíveis.
É curioso que as características cranianas dos baurusuquídeos são uma combinação daquelas que existem em dinossauros terópodes e nos crocodilos modernos. O ambiente semiárido onde eles viveram pode ter sido uma pressão para o surgimento dessas características, o qual também pode ter levado a um hábito terrestre desses animais. Esse mesmo ambiente ainda favoreceu a ocorrência de vários tipos de presas, como titanossauros e até mesmo tartarugas, especialmente ao longo dos diversos ambientes aquáticos que anualmente preenchiam as áreas secas da bacia.
Texto publicado originalmente em FAUNA NEWS
Comentários