Suspender nossa contribuição significa admitir que fomos tomados momentaneamente por um surto solidário diante de um problema crônico, dramático, pelo qual somos todos responsáveis. E isso já foi superado? Não foi. Dizer que já pagamos impostos e cumprimos nossa responsabilidade social e não temos culpa se a nossa contribuição não chega ao seu destinatário, é adotar o gesto de lavar as mãos como fez Pôncio Pilatos.
Por Régia Moreira Leite
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Na média nacional, 15% dos brasileiros estão abaixo da linha da pobreza, ou seja, vulnerabilidade extrema. Entretanto, a realidade varia de acordo com a região. No Nordeste, esse número é de 21%. Na região Norte, chega a 25%.
E o que nós, da Amazônia, empreendedores no Polo Industrial de Manaus temos a ver com isso? Temos tudo a ver pois não somos cangurus que entre uma linha ou outra de produção enfiamos a cabeça no buraco da indiferença social. Já provamos isso. Por isso, encarecemos sua atenção para esta pequena reflexão acerca deste grande problema social, sua extrema gravidade para o qual temos dado e deveremos ajudar a uma resposta.
O tema está na pauta das discussões dentro das entidades do setor produtivo e, esperamos que esteja também nas prioridades do debate político eleitoral. Nossa inquietação aumenta porque isso se reflete na planta industrial onde atuamos e geramos mais de 500 mil postos de trabalho, entre diretos e indiretos. O problema, entretanto, afeta o tecido social da cidade de Manaus, capital do Amazonas, um dos mais pobres do país e, suprema ironia, um dos 5 estados que mais contribuem para os cofres federais. Somos a planta industrial que mais recolhe impostos, contribui com fundos sociais e de interiorização do desenvolvimento.
Desde o começo da pandemia da COVID-19, quando não cruzamos os braços nem esperamos pelo poder público, diante do desemprego e do isolamento social, coletamos e distribuímos mais de 600 toneladas de alimentos, em 2020/21, entre outros itens de proteção individual, asseio, atendimentos, médicos, distribuição de oxigênio para pacientes de COVID-19, e suporte para parcelas extremamente fragilizadas da população.
E aí, em 2022, suspendemos tudo. Parecia a todos ter acabado a pandemia. E e com ela a solidariedade? Claro que não. Estamos conscientes de que situação segue dramática e, com a inflação e carestia, perda do poder de compra das famílias, tudo se agravou. Os mais vulneráveis, os órfãos da pandemia, crianças especiais, ou abandonadas, asilos, hospital de hansenianos, entre outros, que nos procuram diariamente, precisam de ajuda. Por isso, suspender nossa contribuição significa comunicar que se dissipou o sentimento de nossa solidariedade em nossa relação com a sociedade.
Dados publicados pelo Estadão (veja aqui), na última terça-feira, 8 de junho 2022, e repercutidos em toda amida nacional, reafirmam que a fome no Brasil voltou a patamares registrados há duas décadas, informação do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19, da Rede PENSSAM. A instituição é respeitada internacionalmente e seus dados coincidem com os dados da ONU, da FAO, FGV Social e IBGE.
São 33,1 milhões de pessoas que não tem o que comer no Brasil, 14 milhões a mais do que em 2021. Causas: desmonte das políticas públicas de 2004 a 2013, que começaram a fazer água a partir de 2014, com o agravamento da crise econômica e acirramento das desigualdades sociais. Tudo somado, em 7 anos a fome no Brasil dobrou.
Como empresa, portanto, cabe indagar: temos contribuído de forma efetiva em nossa responsabilidade social? Sim e Não. Sim, porque recolhemos aos cofres públicos, notadamente federais, 75% da riqueza gerada pelo Polo Industrial de Manaus. Isso não impede que constatemos baixíssimos IDHs. Por isso podemos dizer que não estamos contribuindo efetivamente porque estes recursos não chegam aos seus destinatários para cumprir seus propósitos sociais como determina a Carta Magna do Brasil. Maior parte fica pelo caminho e não evita, por isso, que o Amazonas seja, juntamente com o Maranhão, o estado mais empobrecido do Brasil.
Sobram duas tarefas para enfrentar essas contradições: trabalhar institucionalmente para mudar as distorções deste grave equívoco de ser um Estado pobre que ajuda a levar o país nas costas. Precisaríamos mobilizar a bancada federal da Amazônia… Ou lutar juridicamente para que a Lei seja cumprida.
Entretanto, em qualquer cenário, não podemos virar as costas para os despossuídos. Depois de dois anos em que atuamos com a Igreja Católica, Evangélica, na capital e no interior, atendendo em torno de uma centena de entidades filantrópicas, além de acudir a população de outros estados alcançados por tragédias climáticas. E por isso podemos apenas dizer à sociedade que já fizemos nossa parte como se os problemas da fome e da miséria estivessem acabados.
Muito pelo contrário. Suspender nossa contribuição significa admitir que fomos tomados momentaneamente por um surto solidário diante de um problema crônico, dramático, pelo qual somos todos responsáveis. E isso já foi superado? Não foi. Dizer que já pagamos impostos e cumprimos nossa responsabilidade social e não temos culpa se a nossa contribuição não chega ao seu destinatário, é adotar o gesto de lavar as mãos como fez Pôncio Pilatos.
A história é impiedosa quando aponta a hipocrisia deste gesto milenar. Não podemos nos omitir nem nos dispersar. Apenas seguir contribuindo. É o que pedimos a cada uma das empresas com quem repartimos essa luta e que podem, efetivamente, colaborar.
Contribua, faça sua doação fazer a diferença! Isso não é assistencialismo bem esmola, é um nobre gesto humanitário. A causa é justa, e muito urgente, POIS A FOME – vamos repetir exaustivamente – NÃO PODE ESPERAR !!!
(*) https://opiniao.estadao.com.br/noticias/notas-e-informacoes,fome-a-brasileira,70004082301
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