Segundo dados da Suframa, 95% da produção do Polo Industrial de Manaus (PIM) é destinada para abastecer o mercado nacional. Economistas explicam relevância regional do modelo econômico.
A Zona Franca de Manaus (ZFM), no Amazonas, abriga um dos principais parques industriais do país e é responsável por um dos maiores produtos internos brutos (PIB) da indústria brasileira. O Polo Industrial de Manaus (PIM) fabrica produtos que fazem parte do dia a dia de cada brasileiro, como televisores, motocicletas, smartphones, condicionadores de ar, notebooks, canetas esferográficas e até barbeadores. Segundo dados da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), 95% da produção do PIM é destinada para abastecer o mercado nacional.
O Portal Amazônia conversou com dois economistas para explicar qual a importância da Zona Franca de Manaus como modelo econômico na Região Norte.
A economista, doutora em desenvolvimento regional, docente do departamento de economia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e ex-vice-presidente do Conselho Regional de Economia Amazonas (Corecon-AM), Michele Lins Aracaty e Silva, conta um pouco da história de como surgiu o Polo Industrial da Zona Franca de Manaus:
História da ZFM
Michele conta que “o Polo Industrial da Zona Franca de Manaus foi criado através da Lei n. 3.173 de 6 de junho de 1957, sendo fruto de uma política de integração regional que objetivava atender duas relevantes demandas: criar regiões com infraestrutura que atraíssem pessoas a espaços densamente pouco povoados e descentralizar o processo de industrialização que estava centralizado na região sudeste do país. Assim, o modelo Zona Franca de Manaus atendia às duas demandas e buscava promover e estimular a associação produtiva e social da região amazônica”.
Dez anos após a promulgação da lei, já em 1967, o modelo foi implementado e estruturado com base em três polos: comercial, industrial e agropecuário, tendo o industrial como pilar de sustentação. Atualmente, com 55 anos de atividades ininterruptas e após ter superado inúmeros desafios, entre crises, mudanças de planos econômicos, reestruturação econômica e política e, mais recentemente, a pandemia da Covid-19, surpreendeu o mercado.
Isso por conta do registro de crescimento e geração de empregos (efetivos, temporários e terceirizados), em um total de 100.747 (aumento de 9,34%); o faturamento de R$ 158,6 bilhões (crescimento anual de 31,9%); as exportações que somaram R$ 449.084 milhões (aumento de 14,22%), com destaque para o polo de eletroeletrônico (crescimento de 40,65%, com faturamento de 44,4 bilhões), bens de informática (crescimento de 13,6% e faturamento de R$ 33,6 bilhões); e polo de duas rodas (crescimento de 36,39% e faturamento de R$ 19,98 bilhões).
Outros produtos também se destacaram neste período tempo: microcomputadores portáteis (aumento de 526,28% e 673.292 unidades produzidas); tablets (aumento de 91,29% e 1.914.223 unidades produzidas); condicionadores de ar split system (aumento 12,28% e 5.883.771 unidades produzidas); relógios de pulso e de bolso (aumento de 40,54% e 7.374.698 unidades produzidas); fornos de micro-ondas (aumento de 44,69% e 4.732.095 unidades produzidas); motocicletas, motonetas e ciclomotores (aumento de 25,78% e 1.215.775 unidades produzidas); e bicicletas e bicicletas elétricas (aumento de 11,85% e 743.268 unidades produzidas). Todos os dados são da Suframa referentes à dezembro de 2021.
De acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), o PIB do Amazonas referente ao ano de 2021, registrou cifras de R$ 126,31 bilhões e crescimento nominal de 16,93% em relação ao ano de 2020. No quarto trimestre, o valor foi de R$ 32,85 bilhões, o que representa um crescimento nominal de 12,92% em relação ao quarto trimestre de 2020, e crescimento real de 2,60%.
Em relação ao terceiro trimestre de 2021, o crescimento nominal foi de 1,92% e -1,01% para o real. O Setor da Indústria totalizou um montante de R$ 38 bilhões e um crescimento de 18,49% no comparativo com o ano de 2020. A Pesquisa Industrial Mensal (PIM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que o volume da indústria amazonense cresceu 7,38% no comparativo entre os anos de 2021 e 2020.
O modelo Zona Franca de Manaus
Assim, de acordo com Michele, o modelo ZFM constitui “uma relevante política desenvolvimentista de integração” e uma das principais iniciativas do Governo Federal na região amazônica, pois sua presença “desencadeou uma virtuosa ligação produtiva e competitiva com os demais estados brasileiros bem como em países nos mais diversos continentes”.
Na visão da economista, a presença de empresas de capital internacional proporciona ao PIM um expressivo dinamismo, direcionando-o constantemente para um patamar de modernização e atualização de forma a garantir a sua competitividade, ganhos de escala e desenvolvimento tecnológico acompanhando as empresas instaladas em outras regiões industriais.
“O crescimento de Manaus se confunde com o modelo ZFM. Em se tratando de Manaus, a capital do Estado do Amazonas, configura-se numa cidade de elevado grau de urbanização no coração da maior floresta tropical do planeta com uma atividade industrial que tem um peso relevante para o PIB regional. Ademais, carrega a responsabilidade de quase 80% da arrecadação estadual. Manaus, é exemplo de uma cidade urbana e industrial no meio da floresta, uma metrópole que cresce mais que a região e que desde a implantação do PIM no período militar, há 55 anos, continua sendo objeto de atratividade populacional e alternativa para uma vida mais digna (saúde, educação, emprego). O Polo Industrial de Manaus está entre os parques fabris mais modernos, tecnológicos e competitivos do país, hoje com quase 600 empresas instaladas e com mais de 100 mil empregos gerados (diretos, efetivos e temporários) que mesmo em meio à pandemia apresentou crescimento e demandou mão-de-obra produtiva”,
explica a economista Michele Lins.
O também economista, escritor e colunista econômico do Portal Amazônia, Osíris M. Araújo da Silva, aponta que “o Decreto de Lei 288/67, em seu Art. 1º estabelece que a Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos”.
Foto: Reprodução / Fábio Alencar-Suframa
Ou seja, o conjunto dos incentivos fiscais vigentes na ZFM – redução progressiva do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e isenção do Imposto de Importação-, complementados pelos incentivos do Estado do Amazonas – restituição de parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)-, e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) – isenção do Imposto de Renda-, constituem os fatores fundamentais de atração dos investimentos carreados para a ZFM, essenciais ao desenvolvimento social e econômico da região.
A Quarta Revolução Industrial e o reflexo no Polo Industrial de Manaus
Osíris da Silva aponta que a Quarta Revolução Industrial, deflagrada no Fórum Mundial de Davos, em janeiro de 2016 na Suíça, contudo, deu o tom e a dinâmica impulsionadora da indústria moderna, fundamentada em tecnologias disruptivas abrangendo: Internet das coisas (Internet of Things – IoT), Big Data Analytics, Segurança e robustez dos sistemas de informações, nanotecnologias, neurotecnologias, robôs, inteligência artificial, biotecnologia, sistemas de armazenamento de energia, drones e impressoras 3D.
O ponto é reforçado pela análise da economista Michele Lins, que pontua que “as indústrias do PIM apresentam características da quarta revolução industrial, que tem como base o uso intensivo de tecnologia digital com o objetivo de fabricar novos produtos com rapidez, otimização de tempo e da cadeia de suprimentos proporcionando ganhos de escala, produtividade e melhorando a competitividade”.
“Tais indústrias, através da fusão da tecnologia digital e da internet em suas rotinas fabris, tem tendência a tornarem-se estruturas mais inteligentes, flexíveis, dinâmicas e ágeis”, completa Michele.
Com base nisso, Osíris Silva comenta que a solução em relação a ZFM é seguir a revolução tecnológica.
“Ou acompanha a revolução tecnológica em pleno curso conduzida pelos países líderes do crescimento mundial, ou perde o trem da história, sobretudo por não mais ser possível manter-se na condição de simples modelo substituidor de importações. Por isso, a competitividade cresce em proporções da velocidade da luz. A via mais segura para o alinhamento com economias modernas reside em adequar tais políticas às assimetrias regionais, investindo em P,D&I [Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação] e na formação de pessoal especializado de alto nível; ajustar as grades curriculares das universidades às vocações econômicas das mesorregiões dimensionadas pelo Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), e, por fim, instituir sistema de governança do sistema de pesquisa e desenvolvimento de sorte a integrar-se às ações dos agentes que comandam a ciência e tecnologia na região ao setor empresarial”,
argumenta o economista Osíris Silva.
Estratégias
Osíris Silva também defende que a principal estratégia para manutenção da ZFM é despertar para a realidade global. “A Zona Franca, embora exitosa em alguns aspectos, deve acordar para o mundo novo que gira ao nosso redor. Esta é a razão fundamental que torna indispensável e urgente incluir uma plataforma de exportações como conteúdo essencial à nova matriz econômica que se propõe e promover a integração do Polo Industrial de Manaus com a bioeconomia, a exploração sustentável dos recursos da biodiversidade. Esta é a única via que se apresenta ao futuro da ZFM na perspectiva 2073″.
Osíris comenta que é necessária a viabilização de um novo modelo econômico por meio da Criação do Centro Agroindustrial e Biotecnológico do Amazonas (CAB/AM), nos moldes da Comissão de Desenvolvimento do Estado do Amazonas (CODEAMA) – eminentemente técnico, sem interferências político-partidárias. “Com o objetivo de exercer a governança do sistema de P,D&I no Estado, hoje completamente desconectado em relação aos agentes que atuam no setor: Inpa, Embrapa, Ifam, institutos privados”.
O instituto seria o “responsável por criar mecanismos eficazes e sustentáveis ajustados aos padrões tecnológicos da Indústria 4.0 para tornar auto suficiente a economia do Amazona e a ZFM multissetorialmente, inclusive em relação à geração de divisas de exportações (Exemplos de Japão, Coreia do Sul, os Tigres Asiáticos e a nova China)”.
Alguns exemplos bem sucedidos no País, de acordo com o economista, são: Instituto Agronômico de Campinas (IAC/SP); Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig/MG); Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IAPAR/PR); Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI/SC); Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará); Instituto Agropolos do Ceará; entre outros.
“Trata-se de questões chaves em relação ao futuro da ZFM que colocam em cheque a estrutura da política de incentivos e nos instigam a buscar alternativas para não ficarmos eternamente dependentes dos incentivos federais e ações políticas temerárias para reverter a adversidade do quadro. O Amazonas precisa tomar as rédeas em suas próprias mãos e avançar com projetos nas promissoras áreas da bioeconomia que se nos configuram, viabilizando dessa forma a diversificação e integração de nossa matriz econômica”,
destaca Osíris.
A importância do modelo e o legado: Polo de Tecnologia e a presença de startups
Nesse contexto tecnológico, Michele Lins aponta que um dos principais destaques da trajetória é a concepção do Polo Digital de Manaus, fato que aconteceu em outras cidades do país.
O Polo Digital tem o propósito de preparar o capital humano para o mercado de trabalho no segmento da tecnologia, absorver capital intelectual regional e revitalizar áreas até então abandonadas, informa a economista. “No caso de Manaus, o centro histórico da capital amazonense está sendo preparado para abrigar as empresas de base tecnológica e startups e já conta com ‘Casarão da Inovação Cassina’, que constitui um prédio revitalizado oriundo da riqueza gerada no ciclo da borracha, sendo na época um luxuoso hotel”, lembra.
Em relação às startups, Michele comenta que além das já tradicionais empresas de tecnologias, de uma forma complementar existe a presença das “startups da floresta”, com o objetivo de aliar a tecnologia com foco nos ativos da floresta e com forte presença de projetos e empreendimento com impacto social e ambiental, aproveitando os conhecimentos dos habitantes da região e agregando valor aos produtos amazônicos.
“Todo esse ecossistema de inovação, formação e competitividade contribui para fortalecer as parcerias entre os setores público, privado, as empresas de tecnologia instaladas no PIM e as intuições de ensino presentes na região: UFAM, UEA, IFAM, instituições privadas, INPA, Centro de Biotecnologia da Amazônia etc., além de possibilitar as parcerias com investidores estrangeiros e demais centros de pesquisas internacionais”, comenta Michele sobre os novos formatos economicos.
Por que o novo decreto de corte de IPI é preocupante para a Zona Franca?
O decreto 10.979/2022 assinado no dia 25 de fevereiro pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) determina que o Governo Federal reduza a alíquota de Imposto sobre produtos industrializados, em toda a indústria nacional. Essa medida gerou novas preocupações sobre o futuro da Zona Franca de Manaus.
Michele Lins explica que o novo decreto de corte de IPI tira a vantagem competitiva regional que o principal modelo do Amazonas dispõe, com vantagens constitucionais. “A decisão de instalação por parte de empresas no PIM se dá em detrimento das vantagens que recebem. Imaginem uma empresa que tenha a opção de se instalar em São Paulo ou em Manaus: sem as vantagens competitivas e comparativas, ela vai decidir por São Paulo, pois lá as vantagens infraestruturais e de logísticas são mais positivas, enquanto o PIM tem problemas de logística e a distância eleva o custo da atividade produtiva. Precisamos lutar pela manutenção das vantagens comparativas e competitivas do principal modelo de desenvolvimento regional que gera mais de 100 mil empregos e que tem participação na arrecadação estadual e um percentual relevante no PIB regional (15%)”, declara.
Fonte: Portal Amazônia
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