Desregulamentação e desestatização não pode significar abandono total do controle da distribuição e revenda, sob risco de aumentar o descaminho do combustível e sua utilização em atividades criminosas
Em janeiro de 2021, o subcomitê de Abastecimento de Combustíveis de Aviação, coordenado pelo Ministério da Infraestrutura, emitiu um relatório em que buscava identificar as principais barreiras existentes para a entrada de novos atores no mercado de combustível de aviação. Segundo o documento, a entrada de novos atores no mercado promoveria benefícios no sentido da redução do custo do combustível de aviação no país, uma vez que estimularia a concorrência. Ainda segundo o relatório, o combustível corresponde ao item mais significativo dos custos e despesas dos voos.
As análises presentes no relatório são baseadas sobretudo na Nota Técnica Conjunta 001/2019/ANP-ANAC. Essa Nota Técnica foi produzida como resultado do Grupo de Trabalho cujo objetivo era “realizar um diagnóstico situacional, identificando ações para estimular a competição entre agentes regulados e reduzir as barreiras técnicas e regulatórias existentes e, assim, promover a redução de custos desse combustível [de aviação]”.
Após análise da rede de refino, distribuição e revenda de combustível, o Relatório do Subcomitê de Aviação aponta para a seguinte conclusão (dentre outras):
A ANAC e a ANP deem continuidade, de maneira coordenada, no âmbito de suas respectivas agendas regulatórias, aos estudos para aprimoramento da regulação em curso, no sentido de promoverem um ambiente de mercado competitivo e reduzirem possíveis barreiras de entrada a novos investidores, com foco em:
a) tornar mais efetivo o livre acesso, em condições não discriminatórias, de fornecedores de combustíveis aos aeródromos;
b) revisar os modelos de negócio de operação/suprimento de combustíveis de aviação, sobretudo quanto às condições de acesso às instalações, considerando alternativas levantadas pelo GT ANP/ANAC;
Atualmente as atividades de distribuição e revenda de combustível de aviação são reguladas pelas Resoluções ANP 17/2006 e 18/2006, respectivamente.
As distribuidoras de combustível de aviação somente poderão comercializar o combustível nas hipóteses previstas nos parágrafos I, II e III do artigo 19 da Resolução 17/2006. Além disso, conforme §2º do artigo 19 dessa resolução, no caso de entrega de combustíveis de aviação em ponto de abastecimento, o distribuidor é responsável por fornecer esses produtos somente quando as instalações estiverem licenciadas por órgão ambiental competente.
O distribuidor de combustível de aviação ainda é obrigado a manter, pelo prazo de 5 (cinco) anos, todos os registros de movimentação de combustíveis de aviação escriturados e a enviar à ANP, até o dia 15 (quinze) de cada mês, os dados de comercialização por meio de arquivo eletrônico conforme regulamentação vigente.
Por sua vez, os revendedores de combustível de aviação somente poderão fornecer combustível de aviação segundo o previsto nos parágrafos I, II e III do artigo 13 da Resolução 18/2006. Os revendedores também deverão registrar, diariamente, os volumes de aquisição e de venda de combustíveis de aviação no Mapa de Movimentação de Combustíveis de Aviação (MMCA).
MMCA e combate ao crime ambiental
Por meio da Informação Técnica nº 4/2021-NUFIS-MG/DITEC-MG/SUPES-MG, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) identificou uma rota de descaminho de combustível de aviação que servia para abastecimento de aeronaves utilizadas na linha de suporte logístico do garimpo e mineração ilegal na Terra Indígena Yanomami.
Utilizando-se das informações presentes no Mapa de Movimentação de Combustíveis de Aviação (MMCA) da principal revendedora de combustível de aviação da cidade de Boa Vista, o IBAMA identificou que mais da metade do combustível comercializado entre janeiro e outubro de 2021 foi destinado para pontos de abastecimento sem licenciamento ambiental e com envolvimento nas atividades de mineração ilegal. A mineração ilegal da Terra Indígena Yanomami funciona basicamente mediante o uso do modal aéreo. Com efeito, o maior controle do combustível de aviação promoverá impactos positivos no controle das atividades criminosas de mineração ilegal dentro da área Yanomami, resguardando o território tradicional dos diversos impactos provenientes das atividades ilegais.
O MMCA, além de ser instrumento essencial para o controle da qualidade do combustível de aviação e para o monitoramento dos estoques de combustível (evitando desabastecimento), mostrou-se também essencial para a identificação de eventuais descaminhos do combustível, facilitando a identificação de pontos em que o mesmo pode ser utilizado no emprego das mais diversas atividades criminosas.
Uma das conclusões da Informação Técnica do IBAMA é que o controle do descaminho do combustível pode ser aprimorado “mediante a informatização e publicização do MMCA, com sistema de saldo virtual de litros de combustível de aviação que reflita o estoque real em toda a cadeia produtiva. Tal medida, caso venha a ser implementada, possibilitaria o monitoramento da cadeia de custódia desde o refino do petróleo até o consumidor final, passando pela distribuição e revenda do combustível de aviação, o que certamente contribuirá para evitar o descaminho do combustível de aviação e sua utilização em práticas criminosas. Percebe-se atualmente algumas limitações na forma de controle de combustível de aviação para evitar que o descaminho ocorra”.
No contexto atual em que as políticas públicas de gestão do combustível de aviação apontam para promoção de maior abertura do mercado mediante a facilitação de entrada de outros atores em toda a rede de distribuição do combustível, deve-se atentar para os riscos inerentes que tal iniciativa pode causar sobretudo no aumento do descaminho do combustível e sua utilização no fomento de atividades criminosas. Tal efeito pode ocorrer diretamente pela entrada de grupos envolvidos nas atividades criminosas na rede de distribuição de combustível, uma vez que o acesso geral a esse produto tende a ser facilitado. Além disso, a desregulamentação excessiva da atividade pode impedir a identificação das redes de descaminho do produto ou de sua utilização ilegal.
Nesse contexto, sugere-se fortemente que seja discutida a implementação de cadeia de custódia informatizada e de acesso público do fluxo de distribuição do combustível de aviação no país diante do atual cenário em que há tendência de entrada de novos atores no comércio de combustível de aviação e com o programa de desinvestimento da Petrobras.
Fonte: O Eco
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