A definição de bioeconomia ainda está em debate na academia, mas já existe uma visão comum do que a diferencia da economia tradicional: a preservação da biodiversidade
Por Janes Rocha
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Um projeto em construção, um rumo a ser trilhado. Assim especialistas ouvidos pelo Jornal da Ciência, tanto das Ciências da Vida e da Terra, quanto da Economia e do Direito definem a bioeconomia. Eles concordam que é uma necessidade diante dos desafios colocados pelas mudanças climáticas. Mas ainda discutem a conceituação do termo e reconhecem que é um campo ainda distante de cumprir o papel para o qual tem sido trabalhado.
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“Vejo a bioeconomia como um desafio colocado para o mundo e os países para organizar uma passagem acelerada para um outro projeto econômico que converta o verde em ativo e que abra portas para novas formas de emprego, de trabalho, de renda e de inclusão”, disse Daniel Vargas, doutor em Direito e coordenador do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O conceito de bioeconomia é antigo e vem das organizações do Norte Global, dos países industrializados. Quando chega ao Sul Global, precisa ser adaptado para um contexto de florestas tropicais, explica a economista Inaiê Takaes Santos, do Instituto Arapyaú, co-líder do Grupo de Trabalho em Bioeconomia da organização Concertação pela Amazônia.
“Mesmo no Brasil havia uma discussão sobre bioeconomia que era muito associada à agricultura, ao etanol, à possibilidade de produção de produtos com maior valor agregado, mas sempre conectado à essa agricultura de larga escala”, recorda Santos. Porém, quando se pensa em adaptar o modelo ao contexto de floresta tropical, aparecem os desafios.
“A escala de produção é muito diferente, o modo de produção, os atores envolvidos naquelas cadeias produtivas, as necessidades de capital e os modelos de financiamento também vão ser diferentes”, analisa a economista.
De acordo com Jacques Marcovitch, professor emérito da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), parceiro do portal BrasilAmazôniaAgora e pesquisador do tema, a discussão sobre bioeconomia pelo mundo tem se centrado na questão tecnológica e de utilização do conhecimento em biologia para a produção de alimentos. Uma das poucas publicações especializadas no assunto, a revista The Journal of New Bioeconomy, faz uma abordagem de tecnologia sofisticada, diz Marcovitch. “E tem a bioeconomia que nós queremos ver evoluindo que é a utilização responsável dos recursos naturais para as gerações presentes e as não nascidas, preocupados com a biodiversidade e a harmonia entre a presença humana e seu entorno natural”, frisa o economista.
Elizabeth Farina, diretora executiva da seção brasileira do Instituto WRI, reforça que o maior contraste no debate atualmente está nas concepções de bioeconomia nascidas e praticadas no Sul e no Norte Globais. “Nos países desenvolvidos, os conceitos são voltados quase que exclusivamente para a agricultura e soluções relacionadas à prática, especialmente seu poder de auxiliar na descarbonização da economia através do setor energético”, diz Farina que é doutora em Economia e professora titular da FEA/USP.
Segundo ela, essa diferença de visão é “compreensível”, considerando que aqueles países já perderam grande parte de seus ativos florestais e que o componente econômico mais relacionado com a bioeconomia é o setor agrícola. “Porém, no Sul Global, em especial em regiões florestais como a Pan-Amazônia e a Bacia do Congo, a ênfase em práticas agrícolas sustentáveis pode abafar o real potencial de preservação da biodiversidade e conhecimentos associados através de modalidades econômicas de base florestal”, afirma Farina.
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