“É bom que se diga: as mazelas econômicas e sociais que estamos sofrendo são, em grande parte, resultantes de erros na condução da política econômica, não apenas das mazelas da pandemia, mas também de percepções equivocadas da realidade socioeconômica e socioambiental do País.”
Paulo Roberto Haddad
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Tem sido muito citado o mote de que “o indivíduo não mora no Estado, na União, mora no município” para enfatizar que a maioria dos serviços públicos tende a ser prestada aos cidadãos brasileiros em nível municipal. Se assim for, torna-se fundamental que os municípios tenham condições de financiar a oferta desses serviços em quantidade e qualidade adequadas, através de recursos próprios (ISS, IPTU, Taxas), de transferências constitucionais (FPM, Cota-parte do ICMS) ou de transferências politicamente negociadas (FUNDEB).
Como, desde 2014, a economia brasileira vem patinando no quadro recessivo e flertando com a depressão econômica (salva pelo agronegócio), a base tributável, direta ou indireta, da fonte de recursos dos três níveis de governo vem evoluindo a taxas de crescimento vegetativo ou, até mesmo, a taxas de crescimento negativo. E, simultaneamente, com o empobrecimento da classe média brasileira, é grande o número de famílias que, por necessidade orçamentária, precisaram abandonar os serviços de ensino e de medicina do setor privado, passando a pressionar a demanda pelos serviços públicos.
Consequências da crise de renda e de emprego provocada pela pandemia, com o agravamento da crise social? Infelizmente não só, pois a deterioração das finanças públicas municipais já vinha ocorrendo paralela à atual crise econômica do País, que está em um verdadeiro atoleiro financeiro. Sem contar as más práticas administrativas em muitas Prefeituras, que agudizam os desequilíbrios de suas contas (gestão incompetente, falta de planejamento, práticas de corrupção, etc.).
Uma radiografia da situação fiscal dos municípios tem sido apresentada pela FIRJAN, através de quatro componentes do Índice FIRJAN de Gestão Fiscal (IFGF): autonomia, gastos com pessoal, liquidez e investimentos. No Relatório de 2019, que apresenta os indicadores para o ano de 2018 (pré-pandemia), incluindo 5.337 municípios onde vivem 97,8% da população brasileira, está a radiografia da crise fiscal dos municípios brasileiros.
São 1856 Prefeituras que não se sustentam financeiramente: não geram receitas suficientes para financiar sua estrutura administrativa. Metade das Prefeituras está em situação crítica: gastam mais de 54% da receita total com despesas de pessoal. São mais de 1.121 Prefeituras que terminaram 2018 no “cheque especial”: sem recursos em caixa para cobrir as despesas postergadas para o ano seguinte. Em termos de indicador IFGF- Investimentos, quase a metade das Prefeituras está em nível crítico: investem, em média, apenas 3% da receita total.
É bastante provável que venhamos a assistir, ao longo dos próximos meses, o aprofundamento das interações circulares depressivas na economia brasileira. Pois, por enquanto, as medidas fiscais e financeiras adotadas pelo Governo Federal são de intensidade limitada em seu escopo, difusas em seus impactos no tempo e sem capacidade de reverter as expectativas adversas sobre a evolução do ciclo econômico, a recessão vai se delineando de forma cadenciada, mas irreversível. É bom que se diga: as mazelas econômicas e sociais que estamos sofrendo são, em grande parte, resultantes de erros na condução da política econômica, não apenas das mazelas da pandemia, mas também de percepções equivocadas da realidade socioeconômica e socioambiental do País.
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