A cobrança por sustentabilidade na agropecuária está numa crescente. Produtores rurais relatam, inclusive, que algumas empresas têm feito cobranças que excedem as exigências previstas no Código Florestal. Mas mais do que pressionar, companhias têm percebido que também precisam instruir.
Falta informação aos pequenos agricultores e pecuaristas brasileiros. O país possui mais de quatro milhões de produtores rurais, de acordo com o Censo Agropecuário de 2017. Desses, aproximadamente 200 mil contam com serviço de assistência técnica e extensão rural (Ater) oferecido pelo governo.
Diante desse problema, nasceu a Aliança da Terra, em 2004. A Organização Não Governamental (ONG) começou oferecendo serviços de assistência técnica com foco em melhorar parâmetros de sustentabilidade das fazendas, apoiada por doações financeiras de fundações internacionais. Porém, com o passar dos anos, os recursos internacionais começaram a ficar escassos, dificultando a continuidade do trabalho.
Por sorte, ao mesmo tempo, a ONG notou um crescimento no número de empresas que procuravam meios para assegurar a sustentabilidade de suas cadeias de fornecimento. “Em 2019, tomamos a decisão de fazer uma empresa a partir deste trabalho, uma ‘spinoff’ da ONG, que continua com outros projetos de sustentabilidade e conservação da natureza. Aí nasceu a Produzindo Certo”, conta o diretor de Operação da empresa, Chardon Locks.
O trabalho consiste em procurar empresas, geralmente grandes multinacionais, que querem entender melhor sua cadeia de fornecimento. Essas companhias custeiam assistência técnica para propriedades parceiras. Isso mesmo, os técnicos da Produzindo Certo visitam a fazenda de forma totalmente gratuita para os produtores.
No local, são levantadas todas as informações que dizem respeito à sustentabilidade da propriedade rural. Esses dados são lançados dentro de uma aplicação e processados por Inteligência Artificial que gera um placar (score) e um plano de ação, que aponta os itens mais críticos a serem trabalhados.
Locks ressalta que todos os dados do produtor e das propriedades são protegidos. Boa parte das empresas só têm acesso a gráficos gerais. “Se a empresa pede dados específicos, explicamos para o produtor e perguntamos se ele permite o acesso. Ele assina uma autorização para compartilhar as informações. Quando não, são só informações agregadas”, diz.
Um passo de cada vez
Os produtores rurais Gerusa Catelan Trivelato e João Trivelato Neto querem tornar a fazenda Zilmar, em São Gabriel D’Oeste (MS), em uma propriedade modelo. Mas faltava um plano bem traçado, que norteasse o trabalho no dia a dia. “Nós trabalhávamos sem regras definidas”, conta Gerusa.
Dois anos atrás, a família recebeu um convite da ADM, empresa que atua na comercialização e processamento de grãos, para participar do programa da Produzindo Certo. A fazenda Zilmar vende soja e milho — há cerca de 2.000 hectares plantados na propriedade — para a ADM, que resolveu incentivar os parceiros na busca por sustentabilidade.
“Ficamos muito felizes, porque já queríamos desenvolver isso, mas não sabíamos como. Sustentabilidade é um conceito novo. Antigamente, não se sabia e administrávamos a fazenda de forma simples, sem as preocupações”, relata Gerusa.
Locks afirma que a ideia não é mudar o funcionamento da fazenda do dia para a noite, mas apoiar o produtor para que ele faça avanços consistentes.
“Nós não somos uma certificadora, apesar de fazermos um trabalho similar, gerando credibilidade. Nas certificadoras, se o produtor não atende um protocolo, ele não é certificado. Para nós, todo produtor é bem-vindo. Não só os melhores produtores do Brasil, que talvez nem precisem da nossa ajuda, mas os normais, que concordam em melhorar um pouco todo ano”, diz.
ropriedades rurais só são inativadas na plataforma caso registrem crimes previstos em lei, como trabalho escravo e desmatamento ilegais. “São coisas que não podem ser mais toleradas. Agora, ajustes para se adequar ao Código Florestal, bem-estar animal e saúde e segurança dos funcionários, por exemplo, são pontos em que a fazenda não precisa ser perfeita”.
O diretor da Produzindo Certo lembra que quando se fala em sustentabilidade, existem três pilares: ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo. Portanto, os planos de ação desenvolvidos são individuais e levam em consideração o lado financeiro das propriedades. “Não vamos dizer: ‘Olha, tem que mudar isto. Custa R$ 5 milhões’ e quebrar a fazenda”, esclarece.
Vale a pena produzir certo
Locks afirma que muitos produtores têm se mostrado satisfeitos pois, ao equilibrarem melhor os parâmetros da produção, melhoraram os índices de produtividade e recuperaram áreas degradadas.
Segundo o dirigente, apesar de não ser regra, algumas empresas têm oferecido valores acima da média para produtores sustentáveis. “Em alguns casos, esse relacionamento entre empresa e produtor amadurece para um pagamento por sustentabilidade. Cerca de 10% dos produtores que estão na plataforma já receberam ou estão recebendo um diferencial pelo fato de serem sustentáveis. Claro, a maior parte apenas recebeu diagnóstico e plano de ação, mas já é uma vantagem, porque é totalmente gratuito”, diz.
O produtor rural Vanderlei Secco Junior lembra que, no começo do projeto, um dos receios da família era fazer investimentos em melhorias que não se pagariam. Porém, o retorno financeiro veio. “A Cargill nos deu um bônus na soja comercializada com eles, pagam 0,9% a mais”, conta.
Além disso, o produtor conta que a sustentabilidade na produção de soja da fazenda é comercializada como créditos de carbono pela Produzindo Certo, que repassa uma parte dos recursos aos agricultores.
Quem cobra sustentabilidade também tem que ajudar
O Brasil dará um grande salto em sustentabilidade quando conseguir levar assistência técnica a todos os produtores rurais do Brasil, segundo o diretor de Operações. “Isso está muito no ombro do governo, ofertar assistência técnica. Somos um complemento a isso. A assistência técnica muda o campo. Com informação, o produtor começa a adequar um monte de coisa, Há diversas não conformidades ambientais que podem ser resolvidas com custo zero. Adequação vem com informação”, defende.
Locks lembra que as mudanças climáticas e a sustentabilidade são preocupações cada vez mais latentes entre os consumidores. Sabendo disso, acionistas esperam posicionamentos das empresas, que em sua maioria são de capital aberto, em prol do meio ambiente. “Uma notícia ruim sobre a cadeia de fornecimento de uma empresa afeta o preço dela em bolsa e a decisão do consumidor em adquirir seus produtos”, pontua.
Além de proteger a reputação, o diretor afirma que muitas companhias também têm buscado contribuir com a cadeia de valor. “Tem um antigo CEO da Unilever que dizia que, antigamente, era exigido que as empresas não fizessem o mal. Hoje em dia, elas tem que dar um passo além. Tem que demonstrar que estão fazendo o bem, ajudando a sociedade”, diz.
A produtora Gerusa afirma que o Brasil deveria ter mais iniciativas como a Produzindo Certo, que apoiem o produtor rural na adequação do seu trabalho às regras cada vez mais exigentes da indústria e dos consumidores. “As empresas também precisam da gente, então tem que ser uma troca. Produção por instrução”.
Vanderlei Secco Jr. já viajou pela Europa para conhecer a produção agropecuária. Segundo ele, os produtores de lá foram obrigados a produzir quase de forma orgânica, por conta da pressão dos consumidores locais.
“Acredito que, felizmente ou infelizmente, o Brasil vai chegar neste nível. Estamos vendo essas cobranças, e muitos produtores têm separado áreas para orgânicos. Só que acho que ainda estamos muito limitados. O apoio de entidades e empresas ajudaria a trabalharmos de forma mais sustentável, reconhecendo o papel do produtor que está produzindo da forma certa”, diz.
Fonte: Canal Rural
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