A ambição é, às vezes, vista com maus olhos — e é algo que Arquimedes, o matemático grego do século 3 a.C., sem dúvida tinha.
Mas a sua cobiça era por conhecimento, a mais louvável.
Cansado de ouvir que coisas difíceis de contar, como os grãos de areia, eram infinitas, ele se impôs a tarefa de contá-los.
É isso mesmo que você acabou de ler: ele se propôs a contar todos os grãos de areia do Universo que conhecemos.
Uma relíquia
Nascido em Siracusa, na Sicília, na Magna Grécia, em 287 a.C., Arquimedes era um gênio obcecado pela matemática.
Entre muitas coisas, foi ele quem criou um valor para π, um dos elementos básicos da ciência, e sua estimativa é usada ainda hoje.
E, sim, foi ele quem saiu correndo pelado pelas ruas de Siracusa gritando “Eureka” após resolver uma questão para o rei Hieron 2º (c. 306-215 a.C.) enquanto estava na banheira, descobrindo o princípio do empuxo.
Foi ao sucessor desse rei, Gelon 2º, que ele dirigiu o ensaio O Contador de Areia, obra que é considerada uma relíquia, não só por ter sido uma das primeiras publicações científicas da história, mas porque…
– Incluiu a única referência existente a seu próprio pai, o astrônomo Fídias;
– Demonstrou que é possível expressar números muito grandes em algum tipo de anotação;
– Apresentou uma maneira de ampliar o sistema de numeração grego para nomear grandes números;
– Estimou o tamanho do Universo que era conhecido na época;
– Contém o relato de um procedimento engenhoso que Arquimedes usou para determinar o diâmetro aparente do Sol mediante a observação com um instrumento;
– Crucialmente, fornece a descrição mais detalhada do sistema heliocêntrico de Aristarco de Samos (c. 310-230 a.C.), mostrando que este último estava defendendo o sistema copernicano dois milênios antes de Copérnico.
Incontável não é infinito
“Há quem pense, rei Gelon, que o número de grãos de areia é infinito“, começa dizendo Arquimedes.
Além disso, ele escreve, “há quem, sem considerá-lo infinito, pense que ainda não foi nomeado nenhum número que seja suficientemente grande para exceder a sua multiplicidade“.
Com isso, eles querem dizer, explica Arquimedes, que estão convencidos de que qualquer número que pudesse expressar essa magnitude seria excedido pela quantidade de areia que existe.
“Mas tentarei mostrar-vos, por meio de demonstrações geométricas que conseguireis acompanhar que, dos números nomeados por mim, (…), alguns excedem não só o número da massa de areia igual em magnitude à da Terra (…), mas também a da massa igual em magnitude à do Universo“.
E foi isso que ele fez em cerca de oito páginas.
Para ser mais específico: Arquimedes não calculou o número de grãos de areia do Universo, mas sim o número de grãos de areia que ocupariam todo o espaço do Universo se fosse preenchido com areia.
Em um mundo finito, não poderia haver um número infinito de grãos de areia. Havia um limite… mas qual era?
Miríades de miríades
Naquela época, o número mais alto para o qual os gregos tinham um nome era: 10⁴ = 10.000, que chamavam de μυριος (murious) — significava incontável e também era uma palavra para ‘infinito’ na Grécia Antiga.
Os romanos converteram essa palavra em miríade, tal qual como a conhecemos hoje.
Para poder fazer esse cálculo imenso, ele teve que inventar o que hoje chamamos de expoentes ou potências.
Ele partiu da miríade e introduziu uma nova classificação de números.
Disse que os números de “primeira ordem” eram aqueles que chegavam a uma miríade de miríades.
Isto é, a 10.000 x 10.000 = 100 milhões ou 100.000.000 ou 10⁸.
Os de “segunda ordem” iam até 100 milhões x 100 milhões = 10⁸ x 10⁸, ou seja, (10⁸)².
E a “terceira ordem” chegava a 10⁸ x 10⁸ x 10⁸, isto é, (10⁸) ³, e assim por diante.
Mas que ordem de números era necessária para calcular o número de grãos de areia que caberiam no Universo?
De acordo com os cálculos de Arquimedes, eram necessários números de “oitava ordem”, ou seja, (10⁸) ⁸ = 10⁶⁴.
Isto é, 10.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.
E quem ousaria discutir com ele!
A outra coisa indiscutível é que ele havia criado uma cifra tão grande que era altamente improvável que fosse necessário um número maior para contar qualquer coisa no Universo que ele imaginou.
Foi suficiente?
Hummm… não. Arquimedes não parecia gostar de limites.
Historiadores contemporâneos dizem que ele ficou eufórico ao descobrir formas matemáticas cada vez mais complexas, conhecidas como sólidos arquimedianos, que vão desde o tetraedro truncado (8 faces) ao dodecaedro snub (92 faces).
E no caso dos números, não poderia ser diferente. Afinal, seu campo de atuação — diferentemente dos grãos de areia — era infinito.
Portanto, ele não conseguia resistir à tentação de continuar descobrindo enormidades.
Para isso, ele passou de “ordens” de números para o que chamou de “períodos”.
O primeiro desses períodos foi (10⁸) elevado à (10⁸) potência. Ou seja, 1 seguido por 800 milhões de zeros.
Neste caso, não temos como mostrar a você: estima-se que, se escrito no papel, o número ocuparia 380 mil páginas de um livro.
Não satisfeito, Arquimedes passou para (10⁸) elevado à (10⁸) potência, elevado à (10⁸) potência, um número que ele chamou de “miríade-miríade de unidades da ordem miríade-miríade de um período miríade-miríade”.
Se o seu número para expressar o máximo de grãos de areia que poderiam existir no universo conhecido na época — 10⁶⁴ — já era grande demais para contar o que foi contado naquela época, ainda não há nada que possamos contar no universo tal qual conhecemos hoje que se aproxime da grandeza desse número que ele nos deixou.
Mas, para você ter uma ideia de sua magnitude, talvez fique mais claro se eu disser que é 1 seguido por 80 quatrilhões de zeros… uma medida da genialidade da mente do seu criador.
Fonte: BBC News Brasil
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