Na queda de braço em Belo Monte entre o Ibama e ambientalistas com o Ministério de Minas Energia e a concessionária Norte Energia, saiu vencedor o setor elétrico. Do lado perdedor, fica o alerta de que a vazão mínima de água, que passa a valer na represa, não é suficiente para manter vivo o rio Xingu, onde fica a hidrelétrica. Desde o início do ano, o Ibama vinha mantendo uma postura contrária à vazão mínima, baseado em parecer técnico de especialistas que indicam que é necessária uma liberação maior de água para garantir a sobrevivência ecológica do rio e toda região da Volta Grande do Xingu, no Pará. No início desta semana, entretanto, o órgão ambiental recuou e assinou acordo com a concessionária em que permite que a liberação de água ocorra em nível mínimo. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará enviou questionamento ao Ibama e exigiu acesso aos dados técnicos que embasaram a mudança de decisão. O órgão tem 48 horas para responder.
Em nota, o MPF ressalta que, de acordo com os pareceres técnicos emitidos pelo próprio Ibama a partir de 2019, o hidrograma artificial aplicado na Volta Grande não tinha se mostrado capaz de garantir a reprodução da fauna aquática, a manutenção das florestas e dos modos de vida dos moradores indígenas e ribeirinhos. As conclusões técnicas levaram à determinação de que fossem feitos estudos complementares pela Norte Energia e a aplicação de um hidrograma alternativo, com maior volume de água liberado para o rio nos meses de janeiro a fevereiro, época da piracema – movimento migratório dos peixes para reprodução – na região.
A concessionária de Belo Monte entregou os estudos no dia 1º de fevereiro, mas a equipe técnica do Ibama os julgou insuficientes. Ainda assim, atropelando a opinião dos técnicos, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, assinou termo de compromisso com a Norte Energia (publicado nesta terça, dia 09, no Diário Oficial da União) e aceitou a vazão mínima da usina.
Além do presidente do Ibama, o ofício do MPF foi encaminhado ao diretor de licenciamento ambiental, Jônatas Souza da Trindade, e ao coordenador geral de licenciamento, Régis Fontana Pinto. O MPF solicita detalhes sobre as negociações, os critérios técnicos e equipes técnicas responsáveis pelo termo de compromisso assinado entre as partes. Além disso, foram enviados 10 questionamentos, que devem ser respondidos dentro de 48 horas pelas autoridades e encaminhado junto com os estudos que embasaram as decisões.
O hidrograma da concessionária em janeiro previa a liberação de 1.100 metros cúbicos por segundo (m³/s) de água, mas baseado em pareceres técnicos o Ibama obrigou a empresa a aumentar a vazão para 3.100 m³/s. Em fevereiro, a previsão da Norte Energia era de 1.600 m³/s, porém o Ibama impôs a liberação de 10.900 m³/s. Com o recuo do órgão ambiental, entretanto, volta a valer a vazão mínima pleiteada pela empresa que opera Belo Monte, que deve ser aplicada a partir desta quinta-feira (11).
De acordo com reportagem de André Borges publicada pelo Estadão, que teve acesso ao Termo de Compromisso assinado entre as partes, o Ibama se comprometeu a manter o hidrograma estabelecido pela Norte Energia até 31 de janeiro de 2022, quando será feita a análise dos estudos complementares exigidos. Além disso, o acordo prevê 15 novas medidas de compensação ambiental, fiscalização e apoio à população local, que somam um total de R$ 157,5 milhões em ações, a serem executadas durante os próximos três anos. Um dos programas – o mais caro, com orçamento de R$ 30,4 milhões – prevê um projeto de incentivo à pesca sustentável.
Discussão antiga
A polêmica em torno da vazão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, não é de hoje. Desde 2006, ainda durante o processo de licenciamento ambiental, que pesquisadores, instituições, o MPF e técnicos do próprio Ibama alertam com documentos, ações judiciais e pareceres que é inviável desviar a maior parte da água do Xingu para movimentar as turbinas porque isso provocaria um colapso total dos ecossistemas da Volta Grande. Em 2015, quando houve o fechamento da barragem, as consequências começaram a impactar brutalmente a região com mortandade de peixes, dificuldades de navegação, falta de água potável, enxurradas artificiais, insegurança alimentar, redução na fauna aquática e alteração do modo de vida dos povos indígenas e ribeirinhos. Em agosto de 2019, o MPF recomendou oficialmente ao Ibama que alterasse as licenças de Belo Monte para garantir a vida na Volta Grande do Xingu.
Um parecer técnico elaborado em 2019 (133/2019) pelos analistas ambientais do Ibama, avisou que, dos dois hidrogramas previstos nas licenças ambientais, um era inviável e o outro não tinha provas de que seria viável. Este último, que não possui provas de viabilidade, é o hidrograma B, que é o que volta a valer em Belo Monte, depois do recuo do Ibama e da assinatura do Termo de Compromisso entre o órgão e a concessionária.
Fonte: O Eco
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