É necessário parar o desmatamento no Brasil. A única solução de urgência para o problema das queimadas é a proibição de desmatar. Proibição que há de ser tipificada como crime inafiançável, punido com penas rigorosas. Desmatamento zero — é a palavra de ordem que lançamos. Que nem mais uma árvore, seja da mata atlântica, seja do cerrado, seja da hilea amazônica, seja derruba.
Isto pode soar radical ao senso comum. Pode parecer exagero ao modo ordinário de ver as coisas. Pode parecer extravagância de ecologista romântico, de ambientalista sentimental. Sim, à primeira vista, pode parecer tudo isso. As queimadas e seus efeitos deletérios sobre o clima de todo o país tornaram o tema tão corriqueiro que, para alguns, já não importa muito. No entanto, a gravidade do assunto é tamanha que ignorá-lo é se jogar no precipício da imprevidência.
A mata amazônica é úmida. Não pega fogo como o cerrado nos tempos de seca. As grandes queimadas da Amazônia são precedidas das derrubadas, pela exploração predatória da madeira, pela busca desenfreada das riquezas minerais. Derrubada a mata, chegado o fim do período chuvoso a macega é incendiada. Terreno limpo, vem a formação de pastagem, meramente para assinalar a ocupação da gleba.
Como demonstraremos linhas abaixo, esta agressão à floresta não serve a nenhum propósito econômico. A economia rural brasileira não está a demandar a expansão da fronteira agrícola. Pelo contrário. Terras e mais terras de cultivo atualmente subaproveitadas tornam o desmatamento da Amazônia absolutamente supérfluo do ponto de vista econômico.
A invasão de terras devolutas, negócio conhecido pelo depreciativo “grilagem”, é a causa primária das queimadas. Invade-se a área, derruba-se a mata, queima-se a macega, demanda-se a regularização fundiária, e transmite-se a terra a investidores oriundos do sul. E então, o grileiro segue adiante, invadindo, desmantando, queimando e vendendo a terra tombada.
Chamo a isto de pirataria rural. O objetivo verdadeiro por trás de tudo isso não tem nada a ver com o incremento da produção rural, com a geração de emprego e renda, com a fixação do homem no campo. O objetivo disso é fazer fortuna fácil por meio da especulação com terras.
Estudos realizados por entidades representativas do agronegócio apontam que o Brasil pode até dobrar a sua produção agrícola e pecuária simplesmente trabalhando melhor as áreas já desbravada, implementando novas técnicas de cultivo e de criação. Segundo esses estudos, não há necessidade de desmatar mais um único palmo de terra. Trata-se apenas de racionalizar a utilização das áreas já ocupadas.
Não tempos como duvidar dessas informações. São produzidas por fontes idôneas, isentas de parti pris ideológico. O que espanta é saber que, a despeito do enorme estoque de terras prontas para o cultivo racional, ainda se insista tanto em desmatar e queimar, alargando perigosamente a nossa fronteira agrícola sem necessidade estratégica. Como já dissemos e voltamos a repetir, somente a disseminação da pirataria rural explica esta contradição.
O capitalismo rural
Existem inúmeros estudos acadêmicos, e também de agências governamentais, sobre o desenvolvimento da economia rural brasileira em bases capitalistas. O fenômeno torna-se visível a olho nu a partir da década de 70 do século passado. O antigo fazendeiro, “senhor de gado e gente”, como cantou Vandré, desapareceu do panorama social. Seu lugar foi tomado por outro tipo social pitoresco, o “empresário rural”, um derivado burguês que sequer mora no campo.
O emprego maciço de máquinas e implementos, de fertilizantes e defensivos, teve como estímulo farta concessão de benefícios fiscais e acesso fácil ao Crédito Rural. O suporte à expansão da agropecuária destinada à produção de mercadorias de baixo valor agregado destinada primordialmente aos mercados globais foi garantido pelos vários institutos estatais de pesquisa e desenvolvimento. O agrônomo e o veterinário, fazendo pesquisas de campo e levando conhecimentos à fazenda por meio do extensionismo rural, fizeram do Brasil um dos maiores exportadores de soja e de carne do mundo. Adaptação de sementes e melhoramento genético do rebanho, campanhas permanentes de vacinação, deixaram definitivamente para trás, ou apenas nas canções sertanejas de raiz, os cenários idílicos da vida rural brasileira, os tempos da “fartura”.
Nada disso aconteceu pacificamente. A expansão da fronteira agrícola, capitalista, deixou em seu rastro milhares de cadáveres de camponeses pobres, assassinados em disputas fundiárias, e de indígenas expulsos por garimpeiros e dizimados por doenças do homem branco. Os sangrentos conflitos fundiários, ainda hoje intensos na Amazônia, são efeitos desse modelo de desenvolvimento agrícola.
Outro efeito deletério foi o êxodo rural. As novas técnicas agrícolas, aliadas à extinção das antigas relações semifeudais de trabalho, dispensaram milhares de trabalhadores rurais. Estes, vieram para as grandes cidades disputar empregos mal remunerados. Gente que veio morar nas favelas e inchar as zonas periféricas. Menos de 5% da população brasileira mora atualmente no campo. Junto com o fazendeiro desaparece a classe camponesa. O camponês de ontem é o trabalhador rural de hoje, o boia-fria, o juquireiro…
Fato curioso pontado por todos esses estudos é coexistência da chamada “agricultura familiar” com o “agronegócio”. Nas franjas do capitalismo rural resistem ainda o sitiante e o chacareiro, o pequeno fazendeiro, produzindo não para a exportação, mas para a feira domingueira e os armazéns de secos e molhados das periferias. Isto, quando não produzem para seu próprio sustento, vendendo à beira da estrada eventual excedente.
Há estudos que indicam ser a agricultura familiar a responsável por mais de 60% dos alimentos consumidos pelo mercado interno malgrado ocupar pouco mais de 10% das terras agricultáveis. Foi somente nos governos de Lula e de Dilma que o agricultor familiar passou a ter acesso ao crédito rural, que sempre lhe fora negado em virtude de nem sempre ter o domínio de suas terras. E o pior de tudo isso é que, de uns dias para cá, enquanto as áreas de plantio voltadas para o abastecimento do mercado interno vão minguando, as que se destinam às exportações vão se ampliando. A redução da oferta de alimentos para o mercado interno agravou a carestia.
É possível a paz no campo?
É ingenuidade achar que o agronegócio é o culpado de todos os males. Só de alguns. Seria um romantismo tolo pensar que a liquidação do agronegócio traria paz ao campo. No entanto, é preciso que o agronegócio se ajuste aos grandes interesses nacionais, e que seja um fator de progresso e bem estar, não uma causa intranquilizadora de depredação ambiental e promoção da fome.
Para isso, é preciso desvincular a pirataria rural do agronegócio. É preciso entender que o produtor rural que cumpre seriamente suas obrigações e se submete às leis não deve ser identificado com o grileiro, com o destruidor de florestas nativas, com os invasores de terras indígenas, com o madeireiro clandestino e predador.
O desmatamento, nos dias de hoje, serve apenas ao rendoso negócio de apropriação criminosa de terras devolutas e à especulação imobiliária no campo. É mentirosa a afirmação de que o alargamento da fronteira agrícola na Amazônia trará progresso e bem estar aos amazônidas. O desenvolvimento social e econômico da vasta região amazônica pode e deve ser promovido através de atividades econômicas sustentáveis.
O avanço da ganância sobre a floresta já vem causando sérios inconvenientes. A fumaceira gerada pelas queimadas do ano passado afetou o clima em São Paulo. A sociedade brasileira não pode mais ser complacente com este estado de coisas. Se não determos agora o desmatamento, as consequências serão dolorosas para todos nós.
Devemos passar no Congresso Nacional uma lei que proíba o desmatamento no Brasil, que criminalize e imponha duras penas aos que desbravam a vegetação nativa. Que o machado, a motosserra e o correntão sejam banidos para sempre. Que nenhum pé de pau seja derrubado. Temos que lutar por isso.
Célio Moura é advogado e deputado federal
Fonte: Jornal Opção
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