Como festejar Manaus se o cinturão de vulnerabilidade social que a comprime e constrange cresce a cada dia? Como conduzir essa deformidade crônica da gestão e distribuição de recursos aqui gerados senão alertar para a imoralidade que ela representa.
Alfredo Lopes
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Manaus 351 anos… a capital do Amazonas que registra duas oportunidades históricas de experimentar a prosperidade socioeconômica para sua gente está fazendo aniversário! A primeira foi oferecida pela Árvore da Fortuna, a seringueira, de 1880 a 1910. O Brasil se limitou a exportador do produto in natura e a se abastecer em seus cofres federais com a maior parte do apurado da ocasião. Na segunda oportunidade, o programa Zona Franca de Manaus, com 53 anos de resistência, padece a voracidade da compulsão fiscal do país, que seguiu tratando a capital do Amazonas como seu paraíso fiscal, um verdadeiro Baú da Felicidade tributária. Por isso, seria hipócrita exaltar as virtudes da aniversariante sem anotar as mazelas de seus paradoxos e frustrações.
Benefícios e conquistas
Pensando bem, o que podemos comemorar de concreto, do ponto de vista ético, à luz desta população que ocupa o cinturão de pobreza que cerca Manaus? O que ela alcançou em termos de benefícios, conquistas e cidadania no contexto da distribuição da riqueza aqui produzida ao longo da História além de uma Universidade e…? Em seu livro emblemático sobre o Ciclo da Borracha, A ilusão do Fausto, a historiadora Edneia Mascarenhas Dias, professora aposentada da Ufam – uma paraense que fez das mazelas sociais da Amazônia, seu objeto de estudo – fala da Manaus que ficou registrada na memória da cidade e na historiografia das folias do látex : “Historiando os aspectos negativos, resultado dessa urbanização, aponta-se também na ‘Ilusão do Fausto’ uma cidade que, apesar de seu enriquecimento com a borracha e sua modernidade, conviveu com problemas sociais de toda ordem. O foco, a direção, a escolha, foram conduzidos por muitas leituras e pesquisas nas fontes documentais”. Ela fez a leitura sem molduras nem retoques desse período, aparentemente glamouroso, e trouxe à tona as mesmas sequelas que o Brasil nos impõe hoje com seus confiscos financeiros dos valores aqui conquistados e uma cangalha tributária insaciável, sem pudor nem contrapartida ao cidadão.
A cidade oculta
São passados mais de 130 anos da descrição feita na Ilusão do Fausto, constrangedora e realística, da Manaus oculta atrás da arquitetura da Belle Époque, o glamour só para alguns: epidemias, falta de saneamento, analfabetismo… Comparativamente ao Ciclo da Borracha, que gerava duas vezes mais receitas federais do que o Ciclo do Café, no Sudeste, a Manaus do terceiro milênio arrecada muito mais aos cofres públicos nos dias atuais. Assim como outrora, a gestão pública dos recursos é perdulária e socialmente perversa, quando analisados os IDHs do seu resultados. Trata-se de um estranho modo de produção onde o capitalista é o poder público. Karl Marx não acreditaria. E o que é mais grave: como não produz riqueza, esse modo de produção não precisa se preocupar em promover consumidores, a pilastra que movimenta a roda da economia. O mais complicado de tudo isso é a naturalização dessa desordem secular. E a população ainda precisa andar de pires na mão atrás das migalhas que sobram do banquete às suas custas.
Descaso histórico
Quantos por cento da riqueza que Manaus produziu foi investido em infraestrutura de beneficiamento e industrialização da borracha? Zero. Atualmente, ao recolher mais de 70% da riqueza aqui gerada por trabalhadores e empreendedores, o poder público federal repete a gestão descompromissada com a Amazônia, posto que em Belém nada foi diferente. Assim como se fazia a distribuição com a riqueza do látex, os indicadores socioeconômicos do Amazonas de nossos dias não condizem com os R$148,5 bilhões pagos ao poder público pelo setor produtivo de 2000 até 2018. Deste valor, R$111 bilhões foram recolhidos aos cofres federais e apenas R$38,5 bilhões, o equivalente a 26% do total, ficaram para o Estado. Estes dados se baseiam no acompanhamento feito no período pelo tributarista Thomáz Nogueira ano a ano. São recursos insuficientes para avançar nas transformações substantivas da paisagem social, consolidar o PIM e espalhar seus benefícios com parques tecnológicos e biotecnológicos para múltiplas funções. Esses institutos seriam verdadeiras agências de sustentabilidade para utilizar recursos da diversidade biológica e mineral na geração de emprego, renda e autonomia fiscal da ZFM.
A crueza da fome
Entidades de classe da indústria, empresas instaladas em Manaus, seus trabalhadores e fornecedores, a propósito, experimentaram conhecer de perto a crueza da fome neste período de pandemia, ao coletar e distribuir 240 toneladas de alimentos aos segmentos empobrecidos da cidade. Como festejar Manaus se o cinturão de vulnerabilidade social que a comprime e constrange cresce a cada dia? Como conduzir essa deformidade crônica da gestão e distribuição de recursos aqui gerados senão alertar para a imoralidade que ela representa. Atentemos todos para a necessidade do protagonismo civil como parte decisiva de um novo formato de governança tanto da riqueza como do bem-comum. Esta é a principal proposta da nova ZFM, desenhada a múltiplas mãos e mentes da Convergência Empresarial da Amazônia, um movimento a favor do desenvolvimento e da sustentabilidade. Só assim a festa será justa e de todos, até o raiar de um novo amanhecer de Manaus, da Amazônia e do Brasil.
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