Por Mauricio Sacramento
Um relatório inédito produzido pela ONG Mercy For Animals evidencia a relação direta entre o desmatamento da Floresta Amazônica e a abertura de novas áreas de pastagem para a pecuária em municípios do Pará e Rondônia.
O relatório, que combina análise de dados e imagens de satélite de alta resolução, aponta que, dos 25 municípios com maior área desmatada na Amazônia Legal em 2019, 10 estão entre os 50 municípios com a maior população de bovinos do país. Juntos, esses 10 municípios foram responsáveis por quase 30% da área desmatada na região em 2019 — uma escala equivalente a uma vez e meia o tamanho da cidade de São Paulo — e por 22,5% das queimadas.
Apesar de representarem apenas 1,2% do total de 772 municípios da Amazônia Legal, esses 10 municípios abrigam 9,8% da população de bovinos existente no território e 12,5% das pastagens localizadas no bioma amazônico. Todos estão situados na zona de compra de matadouros pertencentes às três gigantes do setor frigorífico no Brasil — JBS, Minerva e Marfrig. Dos 66 matadouros com inspeção federal (SIF) em operação na Amazônia Legal em 2019, 38 (57,5%) pertenciam à JBS (26), Marfrig (8) e Minerva (4). Juntas, essas três empresas são responsáveis por aproximadamente 70% dos abates de bovinos criados na Amazônia.
“De janeiro a junho deste ano, o desmatamento aumentou 25% em comparação com o mesmo período em 2019, e a pecuária continua sendo a principal causa dessa destruição” afirma Sandra Lopes, diretora-executiva da Mercy For Animals no Brasil. “É muito preocupante que algumas das maiores empresas alimentícias do Brasil como JBS, Minerva e Marfrig estejam direta ou indiretamente associadas ao desmatamento da Floresta Amazônica. A Amazônia é fundamental para o nosso planeta e para o clima. É urgente que empresas, governos e pessoas atuem para protegê-la, ou o nosso futuro estará em risco”.
A Mercy For Animals convidou a ativista vegana Nina Rosa para narrar o vídeo que apresenta os resultados da investigação e retomou a campanha Por Trás do Fogo. Lançada em 2019 para conscientizar a população sobre a conexão entre a pecuária e o desmatamento, a campanha contou com a participação de diversas celebridades.
**Clique aqui para acessar o relatório completo e o vídeo da campanha Por Trás do Fogo
Maiores índices de desmatamento e maiores populações de bovinos do país
Dos três municípios com as maiores taxas de desmatamento na Amazônia em 2019, São Félix do Xingu e Porto Velho — 2º e 3º colocados no ranking nacional de desmatamento, respectivamente — exibiram uma correlação particularmente forte entre o tamanho da população de bovinos e a extensão do desmatamento no período de 2008 a 2018.
Nesse período, a taxa de conversão de floresta em pastagem em Porto Velho e São Félix do Xingu foi consideravelmente superior à da Amazônia. Enquanto no bioma a área de pastagem aumentou em média 8,7%, em Porto Velho e São Félix do Xingu o aumento foi de 43,3% e 25,5%, respectivamente. Levantamentos indicam que, no período, 2.716 km2 de floresta em Porto Velho e outros 3.590 km2 em São Félix do Xingu foram desmatados, enquanto a população de bovinos nesses municípios aumentou 71,4% e 24,4%, respectivamente.
JBS, Minerva e Marfrig
De 2015 a 2017, o Brasil exportou 1,3 milhões de toneladas de carne bovina proveniente da região amazônica. As três maiores empresas brasileiras do setor frigorífico, JBS, Minerva e Marfrig, foram responsáveis por 69,5% do total das exportações. Porto Velho e São Félix do Xingu desempenharam um papel proeminente nesses números. No mesmo período, estiveram entre os cinco maiores fornecedores de carne para exportação da Amazônia e representaram 6,3% do total de exportações de carne bovina do bioma. Juntas, JBS, Minerva e Marfrig foram responsáveis por 49,8% das exportações de carne oriunda de Porto Velho e 74,5% das de São Félix do Xingu. Só a JBS exportou 47,8% da carne bovina proveniente de Porto Velho, enquanto a Marfrig ocupou o primeiro lugar nas exportações de São Félix do Xingu, enviando para fora do país 40% da carne produzida no município para o mercado internacional.
Histórico
Em meio século, de 1970 a 2019, 718.918 km2 da Floresta Amazônica foram destruídos, ou cerca de 17% da cobertura florestal anterior a 1970, o equivalente a uma área maior que a França continental, a Inglaterra e a Bélgica juntas. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), de 1990 a 2005, mais de 80% da área desmatada na Amazônia brasileira foi transformada em pastagem. No mesmo período, a população de bovinos do Brasil aumentou 40%, e o país tornou-se o maior exportador de carne bovina do mundo. A expansão da pecuária nos estados amazônicos foi responsável por 80% de tal crescimento. Em 2018, havia 86,6 milhões de bovinos na região. Naquele mesmo ano, o pasto ocupava 534.317 km2 da paisagem Amazônica, o equivalente a 75,5% da área desmatada.
Em 2019, a taxa de desmatamento da Amazônia brasileira aumentou drasticamente, atingindo proporções não registradas em mais de 10 anos. Foi desmatada uma área de 7.701 km2 de floresta primária, o equivalente a cinco cidades de São Paulo ou 713.100 campos de futebol, a maior parte sem autorização das autoridades competentes. Em 2020, o dano ambiental deverá ser ainda mais grave. De janeiro a junho, a taxa de desmatamento aumentou 25% em comparação com o mesmo período em 2019. Junho de 2020 foi o 14º mês de aumento ininterrupto das taxas de desmatamento e o pior mês de junho desde 2015.
A indústria da carne brasileira estima que, nos próximos 10 anos, o consumo, a produção e a exportação de carne aumentarão. Em 2029, a produção brasileira de carne bovina poderá atingir 12,9 milhões de toneladas, um aumento de 18,7% em 10 anos. Por sua vez, em 2029, o consumo interno poderá ser 11,8% maior do que em 2019. No entanto, espera-se que as exportações sejam o principal motor do crescimento, com um aumento de 36,3%. Para satisfazer os mercados nacional e global de carne, o Brasil terá que abater 52,6 milhões de bovinos em 2029, um aumento de 17,7% em relação a 2019. Nos atuais níveis de produtividade, isso exigiria ainda mais desmatamento para pastagem, o que teria um efeito devastador sobre a Amazônia, assim como sobre o Pantanal e o Cerrado, outros dois biomas em perigo por conta da expansão da atividade pecuária.
Neste cenário, as proteínas vegetais aparecem como uma solução para atender à crescente demanda por proteínas de maneira sustentável. A categoria de produtos plant-based é impulsionada não só pelos consumidores vegetarianos, que já representam 14% da população no Brasil, de acordo com o IBOPE Inteligência (2018), mas também, e principalmente, pelos consumidores flexitarianos, que buscam produtos inovadores para reduzir o consumo de alimentos de origem animal. Atualmente, de acordo com pesquisa da DuPont (2019), 67% dos brasileiros declara ter um alto interesse em consumir mais alimentos plant-based. Saúde, sustentabilidade e ética são alguns dos principais fatores que influenciam essa mudança de comportamento. Segundo estudo publicado pela Lux Research (2015), as proteínas vegetais deverão representar um terço do mercado global de proteínas até 2054.
Fonte: Ecodebate
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