“Gilberto permanece entre nós, reproduzindo a profecia de Getúlio Vargas: “O Amazonas deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da terra e… tornar-se-á um capítulo da história da civilização…”
Alfredo Lopes (*)
Se não homenageamos nosso mortos, eles morrem um pouco a cada dia dentro da gente”, já dizia Nunes Pereira. Há 11 anos, Gilberto nos deixou. Entretanto, nunca foi tão necessário revisitar a saga visionária do Boto Navegador, um mestre e autoridade para quem quiser debater o futuro do Amazônia. Ex-prefeito de Manaus, governador do Amazonas por três oportunidades, senador da República e deputado federal pelo estado de Roraima, Gilberto precisa ser homenageado pelo tamanho e consistência de seu compromisso com a Hileia e sua interlocução e integração com a brasilidade.
Qualificar recursos humanos
Poucos gestores públicos entenderam a Amazônia e vislumbraram caminhos coerentes e promissores como ele. Por mais de duas décadas, tive o privilégio de acompanhar sua teimosia diária para promover as pessoas, qualificar os jovens – premissas da mudança – e anunciar, primeiramente para o Brasil, as oportunidades, as alternativas sociais, econômicas e ambientais que temos a oferecer. E, além disso, denunciar as atitudes ambíguas e oportunistas do discurso estrangeiro com relação a Amazônia. “Eles não querem nosso bem. Apenas os nossos bens!”
MIT e Technion
É nesse contexto que se explica sua iniciativa de buscar parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachussets, e o Technion, o Instituto de Tecnologia de Israel, ainda em 1992, logo após a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro. Essas instituições ainda hoje são referências de tecnologia e biotecnologia. Gilberto convidou-as a experimentar a Amazônia, demonstrar que era factível compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento, prospectar a biodiversidade e consolidar a prosperidade.
UTAM e UFAM
Para a Missão Amazônia pró-Bioeconomia, levou para o MIT e Technion, os gestores da Universidade de Tecnologia do Amazonas, Nazaré Pereira da Silva – UTAM e da Universidade Federal do Amazonas, Marcus Barros, UFAM, atores importantes no desafio de levar pesquisa e desenvolvimento em direção ao mercado. Gilberto sabia dos custos que isso significava, bem como tinha certeza do volume robusto de repasses que o estado do Amazonas recolhia aos cofres federais pela lei de informática, para a finalidade de desenvolvimento científico e tecnológico da Amazônia. Não foi a primeira e a última vez que o Amazonas bateu à porta da União para pedir de volta parte dos recursos que nós recolhemos compulsoriamente para Brasília, recursos que a Constituição direciona para o desenvolvimento regional da Amazônia. Sabem o que se deu com essa teimosia? Frustração generalizada. Gilberto foi boicotado pela burocracia, pelos emissários da paranoia biopirata e pelos guardiões do atraso. Faltam ao país gestores comprometidos com nossa região. Assim não fosse, em 2002, prazo que as instituições de Boston e de Israel definiram como data de resultados, já teríamos os primeiros frutos em termos de vacinas e de bioativos para indústria cosmética, medicamentosa e de alimentação integral. Ou seja, sem comprometer o estoque natural amazônico, nossa balança comercial já estaria gerando, com sustentabilidade e prosperidade regional, ativos financeiros e nossa região unidades de bioprospecção e beneficiamento de nossos insumos, gerando emprego e renda para as regiões ribeirinhas.
Teimosia na Bioeconomia
Anos depois, já no Senado, Gilberto tratou de assegurar recursos no Orçamento para impulsionar a Bioeconomia. Ele presidiu a Comissão Mista do Orçamento no Congresso Nacional por três oportunidades e trabalhou para as Universidades da Amazônia e da Embrapa na região, uma empresa com quem mantinha estreita interlocução, para assegurar recursos visando espalhar unidades de P&D no interior da Amazônia. Empenhou-se na instalação de uma unidade da Embrapa em Tabatinga, sede da mesorregião do Alto Solimões, a mais pobre do Estado e uma das mais ricas em recursos naturais. Com sua saída da vida pública e falecimento, os órgãos federais na Amazônia perderam o padrinho e a e as oportunidades de atuação integrada.
Biodiversidade e prosperidade
Na criação do CBA – Centro de Biotecnologia da Amazônia – atuou junto a FHC e Marco Maciel, aquele era filho e este marido de amazonenses, para resguardar o apoio político e material da empreitada, fulminada, em seguida, pelos enviados da omissão sombria. Acompanhei o gestor da Suframa, Mauro Costa, em suas prosas criativas na residência de Gilberto para viabilizar o CBA. Nessa interlocução visionária, em discurso polêmico no Senado em março de 2003, assisti a Gilberto chamar atenção dos seus pares para omissão do Brasil nos negócios da biotecnologia. E cobrava recursos para o UFAM transformar seus inventários em oportunidades de mercado para impulsionar a economia cabocla.
Amazônia e a Civilização
E para denunciar os defensores da intocabilidade amazônica, respaldava e defendia a adoção inteligente dos sistemas de integração Lavoura, Pecuária e Floresta, desenvolvidos pela Embrapa, dentro das áreas que a lei permite manejar, para a produção de grãos, fibras, madeira, energia, leite ou carne numa única área, em plantios em rotação, consorciação e/ou sucessão. Gilberto permanece entre nós, reproduzindo a profecia de Getúlio Vargas: “O Amazonas deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da terra e… tornar-se-á um capítulo da história da civilização…””
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