Com quase 40 anos de vivência nos caminhos e paradoxos da economia do Amazonas e da região, o economista e empresário Nelson Azevedo, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas do Amazonas e vice-presidente da Fieam (Federação das Indústrias do Estado do Amazonas), fala com autoridade sobre os percalços do desenvolvimento regional e os estragos que a burocracia tem imposto aos anseios de adensamento, diversificação e regionalização do da economia.
Ao saber de uma nova investida da União Federal, através do Ministério do Desenvolvimento, para definir critérios de aplicação das verbas para a indústria, pesquisa e desenvolvimento, mais uma reforma na Lei de Informática, ele bateu bola com seu colega de entidade, o professor Augusto César Barreto Rocha, e apontou alguns caminhos e descaminhos que descrevem a presença de Brasília em nosso dia a dia. Para Azevedo, a medida faz lembrar o Padre Anchieta sobre os invasores europeus. “Eles não querem nosso bem, apenas os nossos bens”. Confira.
Follow Up – Como você analisa as propostas contidas no Edital do Ministério da Indústria e Comércio para estimular pesquisa e desenvolvimento no âmbito da ZFM?
Nelson Azevedo – Entendo que mais uma vez “faltou combinar com os russos”, lembrando uma lenda do futebol na Copa de 1958, quando Garrincha perguntou ao técnico da Seleção Brasileira, após uma reunião preparatória para um jogo contra a poderosa União Soviética. As empresas que geram as verbas de P&D, agora com a inclusão do item inovação, tem entidades estabelecidas em Manaus, como a Fieam e o Cieam, além das entidades irmãs da Ação Empresarial, ACA, Faea, Fecomércio. E nós não fomos ouvidos, nem poderemos propor em cima de um receituário já fechado, que não diferencia as grandes empresas instaladas em Manaus e as micro e pequenas que nossas empresas tentam expandir através de dois fundos constitucionais, o FTI e o FMPES, recursos próximos a R$ 1 bilhão por ano. Tudo desarticulado e feito a partir de uma lógica nascida na cabeça dos burocratas de Brasília. São muitos recursos, quase R$ 50 bilhões desde que foi criada a Lei de Informática, em 1991. Além das empresas multinacionais instaladas no Sudeste e que pegaram carona da ZFM, o que nós ganhamos com essa montanha de recursos pagos pelas empresas?
FUp – Na prática, quais os gargalos dessa medida?
NA – Conversei muito com o professor Augusto César, depois de sua entrevista no JC. Ele é quem coordena na Fieam/Cieam o Comitê de Logística e de Engenharia de Produção, e analisou tecnicamente os embaraços desta nova mexida na Lei de Informática. Na verdade, as grandes empresas estão pressionando o governo. E quem perde é a região. Lembremos que a Lei de Informática possuía o papel de incentivar a Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) na região. Esta mudança reduz esta indução. O conceito da Lei é que as empresas, com seu expertise, induziriam Pesquisa nas Instituições locais, capacitando-as a inovar. Na prática, o que tem acontecido é ao contrário, as empresas montam laboratórios próprios, sem transferir seu expertise, para as instituições locais, não gerando desenvolvimento. Isso representa dano e nenhum avanço na ótica regional.
FUp – Quais os critérios defendidos pelas entidades para aplicação dessa dinheirama?
NA – Temos evidências de que o resultado da lei de informática é pífio. Temos números demonstrativos. Ou seja, a Lei tem sido pouco efetiva para gerar inovação. E as mudanças? Nós só poderemos adensar a planta industrial de Manaus com inovação, sobretudo para as empresas que trabalham com insumos regionais. Por isso temos defendido o debate sobre a indústria 4.0, um caminho mais adequado para a economia da Amazônia. Para isso, porém, temos que abrir o debate com a academia e os novos empreendedores. Eles estão precisando desses recursos, a grande Indústria não… E isso é um complicador desse edital. Eles não ouviram as expectativas de quem está com a mão na massa.
FUp – Parece que quando o poder público pōe a mão na grana a burocracia trava sua utilização….
NA – Nós precisamos fortalecer o debate sobre o que queremos. O professor Augusto reconhece que não estamos alinhados para debater este tema p com a amplitude necessária. Afinal, isto é uma política pública de desenvolvimento científico e tecnológico para a Amazônia ocidental mais o Estado do Amapá. E do jeito que está sendo feito pode gerar mais problemas do que já se tem hoje. Não podemos engolir essa pirotecnia goela abaixo. Ao poder público cabe fomentar as condições e criar ambientes de negócios. Nada mais que isso… Esses recursos precisam de uma estrutura privada de gestores que conheçam as demandas e vocações de negócios da região. Temos reunido nas entidades da Indústria e da Agricultura muitos parceiros com projetos prontos para empinar. Precisamos de gente que ajude e dinheiro que não nos atrapalhe. A burocracia estatal mata. As fibras regionais são um exemplo disso. Com um pouco de inovação e garantis de preços mínimos o setor decola novamente.
O CBA é um exemplo dessa gestão burocrática desastrosa?
NA – Você tirou o exemplo da minha boca. Não sei mais de quantas reuniões participei para fazer o CBA conquistar a definição de seu modelo de gestão. Enterramos ali mais de R$150 milhões. Dinheiro da Indústria repassados para a Suframa através das taxas de seus serviços. Aliás umas taxas que não poderiam ser cobradas. E sabe o que aconteceu até aqui? O CBA continua sem CNPJ, ou seja, não existe como organização ou empresa. Temos que deixar de passar o chapéu em Brasília para pedir de volta o dinheiro que nos pertence. Veja a confusão sobre a qual conversei com o professor Augusto Rocha, bem típica dessa telegestão federal. Há uma consulta pública da Suframa do dia 10/10, do Decreto 6008/2006, onde a proposta de alteração deste decreto, coloca o prazo de 31/10. O título é MDIC lança nova consulta pública sobre a Lei de Informática da ZFM. E há outra Consulta Pública foi sobre uma portaria que dispõe sobre capitalização de empresas nascentes de base tecnológica (startups), que também está em discussão e a contribuição já encerra no dia 19/10. E isso distorce completamente o propósito, porque a empresa grande usaria recurso “público” para impedir startups regionais. Não faz sentido algum. Precisamos de incentivo para o pequeno empreendedor local e não matar todos no nascedouro, uma vez que a empresa pode trazer startup de qualquer local do país para a ZFM, fragilizando o ecossistema local de startup. Durma com um barulho desses.
Por que não recorrer à Lei para que os recursos aqui gerados pata diversificar a economia e interiorizar sua aplicação?
NA – Essa é uma decisão do conjunto da sociedade. Nosso dever é gerar riqueza, oferecer emprego e recolher muito dinheiro para a região que não fica aqui. De 2012 a 2016, segundo dados da Suframa, R$2,4 bilhões foram recolhidos para pesquisa e desenvolvimento. Menos de 1% ficou no Amazonas. Como obrigar que a Lei seja cumprida? Essa é uma questão dos governantes e da representação parlamentar. Temos alertado para isso. Mas nosso dever chega até aí. A Constituição do Brasil autoriza isenção fiscal para redução das desigualdades regionais. A Suframa, nos 5 estados amazônicos que atua utiliza apenas 8% da contrapartida fiscal e todos os dias levamos bordoada da mídia Sudeste. Só nós prestamos conta e só nos geramos tantos empregos com esse naco de isenção. São Paulo usufrui de 50% do bolo fiscal e ninguém fala nada. Fieam e Cieam lançam um apelo de mobilização e debate, incluindo a nova bancada parlamentar federal, para que se una aos demais colegas amazônicos. Como me destacou o professor Augusto Rocha, sao dois chamamentos, o programa prioritário indústria 4.0 e modernização industrial e o programa prioritário de Bioeconomia.Quem perde com isso: Ufam, UEA, Ifam, Inpa, INDT, Fucapi, FPF Tech, Iatecam, Uninorte etc. etc. Quem ganha: Samsung, Positivo. Pode? Não pode.
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