As entidades representativas das empresas do setor produtivo da Zona Franca de Manaus buscam, permanentemente, integrar-se ao debate dos embaraços deste modelo inteligente de desenvolvimento, querendo ou não seus desafetos. Reconhecendo ou não aqueles que a desconhecem, daqui emana a base fundamental da economia que, apesar do descuido com a perna agroindustrial e o abandono do papel fundamental do comércio, na atração de múltiplas oportunidades regionais, é o tripé de uma estruturação constitucional abandonada, que precisa repensar as razões de seu esvaziamento e riscos de insolvência.
Por isso, Cieam, Fieam, Faea, e demais atores da ação empresarial buscam insistentemente os atores públicos para debater, desde os gargalos inaceitáveis de infraestrutura, o confisco de verbas destinadas a região, até esta imoralidade prosaica dos buracos nas vias do polo industrial de Manaus. São buracos que traduzem a gestão inepta de quem trata mal a galinha dos ovos de ouro da economia local.
Descaminhos esburacados
As crateras das ruas do Polo Industrial de Manaus ilustram os descaminhos esburacados do modelo ZFM, e denunciam o distanciamento da classe política no enfrentamento de problemas que lhe dizem respeito – aqui chamados de cratera política – que poderiam ser tratados de maneira mais atenciosa à luz do interesse público. Neste clima aloprado de temporada eleitoral, onde os grupos se confrontam na busca da hegemonia sob um conceito desgastado e incômodo de democracia, voltaremos sempre a este espaço para sublinhar a importância da base econômica local de onde advém as condições materiais de sobrevivência da dinâmica social e, por ironia, dessa aloprada batalha eleitoral. “Água mole em pedra dura tem cem anos de perdão”.
Expectativas e demandas
Cabe lembrar, no início da atual gestão municipal, legalmente responsável pela manutenção das vias públicas – posto que recolhe as taxas de IPTU, ISS, Alvará, e outras contribuições urbanas – transferiu ao Estado a atribuição de recuperar as esburacadas ruas do polo industrial, como primeira medida publicada no Diário Oficial, em 03 de janeiro de 2013.
O ato se deu através de Convênio público, para executar um projeto de 2008, do próprio governo do Estado, que utilizaria repasse das verbas da Suframa para executar a missão. Verbas oriundas das taxas recolhidas pelas empresas, aliás, algo em torno de R$ 6 bilhões nos últimos 10 anos, aproximadamente confiscados em 80% pelo poder central. Essa delegação consta do Diário Oficial do Município de 3 de janeiro de 2013. Infelizmente, por razões transversas, e jogo político obscuro, nada de efetivo se deu e a obra não foi concluída.
O que tem a ver com isso a classe política? Por que, em lugar de sentar e encaminhar, os grupos se engalfinham como se não tivessem obrigações comuns, resumidas na expressão esvaziada da representação popular. Aqui buscamos assinalar o peso e a necessidade de resgatar o sentido efetivo dessa expressão. E entender os descaminhos desse compromisso é obrigação.
O debate político que se inicia deve, portanto, mobilizar a opinião pública sobre o sentido maior dessa questão, suas origens, danos, sequelas e necessidade de explicitação e transparência a respeito. Ou nos mobilizamos para resgatar a ZFM ou vamos sucumbir com seu esvaziamento.
A eloquência dos números
No portal do Cieam, o volume de recursos recolhidos para o poder público fala por si. Para onde vai tanto dinheiro e por que a classe política não se mobiliza para que a lei seja cumprida e os recursos sejam efetivamente aqui aplicados. Os indicadores Econômicos do portal do Cieam com dados retirados de portais públicos, no caso, da Semef (Secretaria Municipal de Finanças), da Sefaz (Estadual de Fazenda) e Receita, permitem ao leitor tirar suas conclusões e ajudar a decifrar este enigma: por que, mesmo contribuindo – na ponta do lápis – com mais de R$ 20 bilhões para os fundos estaduais e federais e com mais de 50% dos tributos municipais, nos últimos 10 anos, as empresas precisam incluir 9% de prejuízos na planilha de custos por conta dos buracos das ruas do polo industrial de Manaus? Por que chega a 20% o custo logístico na planilha das empresas?
O que esperar do grupo político que deve assumir o poder, sejam quais forem as esferas, considerando que esta planilha de custos é muito mais ampla, já ceifou vidas, causa frequentes prejuízos para a coletividade urbana que ali habita e por ali circula, além das carretas que transportam a riqueza gerada na região a promover o benefício da sociedade, como prometerão as mensagens publicitárias que tentarão conquistar a adesão do eleitor.
Para quem não sabe…
Criada pelo Decreto-Lei Nº 288/67, como modelo baseado em benefícios fiscais, e a implantação de polo industrial, comercial e agropecuário, com objetivo de reduzir as desigualdades regionais e integrar a Amazônia ao resto do país, a ZFM, além de evitar a apropriação estrangeira, tem cumprido o papel de resguardar o patrimônio natural amazônico. Cumprimos até aqui nosso dever, lembrando que o Artigo 43 da CF/88, autoriza/recomenda mecanismos fiscais de desenvolvimento para redução das desigualdades regionais.
Este modelo é o maior acerto fiscal da História do Brasil. Com esse reconhecimento, em agosto de 2014, em votação praticamente unânime, o Congresso Nacional o prorrogou por mais 50 anos. A União, porém, não cumpriu seu papel de – com parte dos tributos aqui recolhidos – promover a infraestrutura de competitividade e qualificação adequada de recursos humanos para inovação e bioeconomia, única opção de prescindirmos progressivamente dos incentivos fiscais.
Fizemos o dever, também, no que diz respeito à contribuição com a interiorização do desenvolvimento, através do fomento do turismo e cadeias produtivas, a qualificação técnica e acadêmica dos jovens e adultos, entre outros benefícios propiciados pelos fundos estaduais, como o FTI, FMPES, UEA, além dos recursos pagos para P&D, pesquisa e desenvolvimento, Taxas da Suframa e tantos outros ganhos representados pelos empregos e oportunidades da atividade produtiva. Vereadores e candidatos a prefeito, em que medida importa dizer ao eleitor que, a despeito de falácias perversas de que as empresas aqui vivem num paraíso fiscal, os dados da Receita Federal apontam que, dos 27 entes federativos (26 Estados mais o Distrito Federal), somente 8 devolvem para a União, em arrecadação de tributos federais, valores acima do repasse compulsório que recebem.
O Amazonas devolve mais de 2,5 vezes esse valor. Como formar uma corrente cívica, conectada com um novo olhar e conduta da classe política, para defender este patrimônio que é a ZFM, base da proteção da floresta e fonte de recursos e inspiração para criar novas modulações econômicas, de diversificação e regionalização do desenvolvimento? (Texto publicado em agosto de 2016).
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