Entrevista com Marcelo Pereira – Parte 1
Doutor em desenvolvimento com foco em logística amazônica, o superintendente adjunto de Planejamento e Desenvolvimento Regional da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), Marcelo Pereira, foi coordenador da revisão e mudança na legislação da Lei de Informática, sobre aplicação das verbas de P&D. Este é um desafio e uma lacuna que precisávamos encarar. Confira.
Follow Up – Até que ponto o novo marco regulatório para PD&I, Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, a MP 810/2017, nos autoriza a pensar na retomada do CBA como polo de bioeconomia?
Marcelo Pereira – O Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) é um grande desafio não apenas para a legislação de PD&I, mas para o futuro da Amazônia e do Brasil. O CBA foi um projeto Nacional que envolveu três ministérios (Industria, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente) para fomentar o desenvolvimento da biotecnologia. Após sua instalação física em 2002, esse projeto ficou em segundo plano por 13 anos. Somente a partir de 2015, foram retomadas as discussões nacionais, por exemplo, em torno da problemática de sua natureza jurídica. O CBA foi colocado na estrutura da Suframa, que vem amparando seus custos com sua manutenção para que projetos desenvolvidos há tempos não sejam interrompidos. A verdade é que o CBA está em funcionamento e continua a existir uma produção científica pujante em seu interior. Sem modelo de gestão, porém, investidores externos não conseguem aportar recursos na instituição, travando seu florescimento. O Governo Federal e os governos estaduais que compõem a área de governança da Suframa querem uma solução para empinar suas iniciativas em bioeconomia.
FUp – O CBA vai continuar como fantasma da ZFM?
MP – Pressionados pelos órgãos de controle, o MDIC e a Suframa têm atuado de forma a apresentar ao Ministério do Planejamento uma saída, do tipo qualificação do Centro de Biotecnologia numa organização social. Por tudo omisso, respondo com um sim, com ressalvas, à pergunta. Os recursos de PDI são na verdade recursos oriundos da obrigação das empresas perante a renúncia fiscal para a produção de bens de informática e que, obrigatoriamente, devem ser acompanhados/fiscalizados pela Suframa. Quem fiscaliza não pode fazer parte de objetos fiscalizados. Portanto, só com o CBA transformado em OS teremos chance de fiscalizar os investimentos ali em biotecnologia. Ao revisitar a história do Polo Industrial de Manaus (PIM), constatamos que os empresários do comércio emprestaram suas expertises para unirem-se aos investidores estrangeiros que aqui chegavam, por força de lei, para que a indústria se estabelecesse. Ou seja, foi o capital do comércio que inicialmente regou essa terra com a semente da indústria. Talvez tenha chegado a hora dos recursos da indústria construírem uma nova base econômica como fez lá atrás o comércio. Não vejo saída para um planejamento de longo prazo que não seja novamente metamorfosear nossa matriz econômica, mas aproveitando os recursos financeiros disponíveis da legislação do PDI para pensar numa lógica bioeconômica séria e alicerçada em princípios mercadológicos e científicos.
FUp – As empresas terão a oportunidade de investir suas verbas de PDI em formação de recursos humanos. Quais são os critérios para enfrentar este gargalo?
MP – Na reformulação dos programas prioritários, que são sustentado com as verbas de PDI, uma questão foi incisiva: as demandas de pesquisa devem focar na “necessidade das industrias”. Isso se deve por um motivo muito simples: é a indústria que sabe das dificuldades enfrentadas para encontrar corpos técnicos capacitados para atender suas necessidades, além de serem elas quem financiam tais fundos. Daí o Programa Prioritário de Recursos Humanos, para prospectar essas demandas de quem hoje atua no Polo Industrial de Manaus. E pensando na Amazônia, em sua diversidade e demandas, a Resolução CAPDA 03/2017, deste Comitê que gerencia as verbas de PDI, definiu que os investimentos devem também abranger: engenharias; computação e tecnologia das informação; bioeconomia; pesca e aquicultura; produção agropecuária e agroflorestal sustentável; fármacos e cosméticos; energias renováveis; ciência e tecnologia dos alimentos; e empreendedorismo, no contexto integrado das potencialidades regionais. Assim, a Suframa irá focar na aplicação dos investimentos de olho no futura dessa região, num montante de recursos, recolhidos pelas empresas que usufruem isenção fiscal em informática, que chegam a R$ 500 milhões/ano.
FUp – Uma pesquisa feita pelos gestores do no CBA, entre 2015 e 2016, detectou as expectativas e prioridades da indústria em relação ao CBA. Como retomar esse levantamento e transformá-lo em ponto de partida, já que foram as empresas que financiaram o CBA?
MP – Atualmente a Suframa e o MDIC discutem a formatação de um chamamento público para o Programa Prioritário de Bioeconomia e justamente pensando nesse adensamento. Seria interessante que esse estudo fosse amplamente divulgado. Isso nos ajudaria na consolidação desse desafio do adensamento e diversificação do perfil industrial. Biotecnologia é o caminho natural de quem empreende na maior floresta tropical do planeta e tem o compromisso de protegê-la. Isso só se faz com economia e sustentabilidade, não necessariamente um vale do silício nos trópicos, mas principalmente a afirmação da Amazônia como entidade, bandeira, referência de vida e de luta. Assim, poderemos atender oferecer subsídios aos diversos problemas da humanidade, como anteviu William Bates e Alfred Wallace há quase dois séculos.
Voltaremos.
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