No recente julgamento que marcou a história ao declarar a inconstitucionalidade do marco temporal das terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal (STF) avançou na discussão sobre outras questões que podem ameaçar os modos de vida dos povos originários. Entre essas questões, destaca-se a proposta de permitir atividades de grande impacto socioambiental em terras indígenas, como mineração, construção de hidrelétricas e exploração de petróleo e gás natural.
A ampliação do debate, que originalmente centrava-se apenas no marco temporal, foi uma iniciativa do Ministro Dias Toffoli. Ele propôs que o STF concedesse um prazo de um ano para que o Congresso Nacional regulamentasse a mineração industrial em terras indígenas, respaldado por um trecho da Constituição que delega tal responsabilidade ao poder Legislativo.
Toffoli sugere que os indígenas participem dos lucros e sejam indenizados pela porção de território destinada à atividade econômica. Contudo, um ponto de preocupação é a omissão sobre a necessidade de consentimento prévio por parte dos povos indígenas.
Advogados especializados na causa indígena, consultados pelo Brasil de Fato, expressam que a proposta de Toffoli é inconstitucional e pode trazer consequências desastrosas para os povos originários. Segundo esses especialistas, ao introduzir tais temas sensíveis sem dar espaço para a manifestação informada e tempestiva dos povos indígenas, o Supremo viola a Constituição.
Na sessão que rejeitou o marco temporal, o STF optou por não discutir propostas estranhas à tese jurídica ruralista. A presidente da Corte, Rosa Weber, prometeu agendar análises sobre as propostas de Toffoli para a semana seguinte.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aponta que essa abordagem viola o devido processo legal, como assegurado pelo artigo 5, LIV, da Constituição Federal, ao não permitir que os reais interessados e impactados pela decisão se manifestem de forma informada e em tempo hábil.
Além disso, a Apib ressalta que a mineração em terras indígenas, representando uma gama de exploração econômica nos territórios tradicionais, é altamente prejudicial aos direitos e à sobrevivência dos povos originários, ameaçando sua integridade física, religiosa e cultural.
Rafael Modesto, assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), também critica a introdução repentina de temas não discutidos anteriormente durante a tramitação da ação no plenário do Supremo. Modesto destaca os efeitos adversos de grandes empreendimentos econômicos nas terras indígenas, incluindo violência contra comunidades, propagação de doenças, prostituição e alcoolismo.
A expansão do debate pelo STF revela a complexidade e sensibilidade das questões envolvendo as terras e direitos indígenas. Os impactos socioambientais e culturais de permitir atividades econômicas de grande envergadura em terras indígenas necessitam de uma análise cuidadosa, participativa e constitucionalmente alinhada, garantindo que os direitos e vozes dos povos originários sejam priorizados nas decisões judiciais e legislativas.
Exploração de Terras Indígenas
A proposta do Ministro Dias Toffoli, que sugere a regulamentação da mineração industrial em terras indígenas pelo Congresso Nacional, gerou preocupação entre os defensores dos direitos indígenas. O advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) argumentou que a posse indígena, objeto central do processo, não deveria ser desviada para discussões sobre exploração por terceiros.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) também expressou receio, enfatizando a necessidade de preservar o usufruto exclusivo dos indígenas sobre seus territórios, conforme garantido pela Constituição.
Uma outra tese que será debatida pelo STF, proposta pelo Ministro Alexandre de Moraes, sugere a indenização a proprietários de fazendas sobrepostas a terras indígenas durante desapropriações. Moraes propôs que a indenização não deveria se limitar ao valor das construções, mas também incluir o valor da terra. Maurício Terena, advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), defende que as indenizações devem seguir o rito constitucional, focando em compensar apenas as benfeitorias de boa-fé. A Apib alertou sobre o risco de tal proposta incentivar a grilagem e a ocupação criminosa, exacerbando conflitos no campo.
A Morosidade na Demarcação
A Apib também abordou a morosidade na demarcação de terras como um fator chave na perpetuação da violência contra os povos indígenas. Eles argumentam que a demora nas demarcações cria um ambiente propício para desmatamento, mineração ilegal e expansão agrícola descontrolada.
Os recentes debates no STF realçam a complexa interseção entre direitos indígenas, interesses econômicos e interpretações jurídicas. As decisões tomadas neste cenário não apenas moldarão o futuro jurídico das terras indígenas, mas também poderão ter implicações profundas sobre os modos de vida e a preservação cultural dos povos originários do Brasil. É imperativo que essas discussões sejam conduzidas com uma compreensão profunda e respeitosa dos direitos e tradições indígenas, garantindo um diálogo inclusivo e justiça na tomada de decisões.
*Com informações Brasil de Fato
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